Simone Donini: Nos bastidores, fazendo o telejornalismo acontecer
Como editora de texto, jornalista atuou por mais de três décadas no backstage da TV gaúcha

Simone Donini é, em essência, uma mulher de afetos fortes e vínculos profundos, seja com a profissão, com a família, com as palavras ou com os detalhes que formam cada história que ajudou a contar. Nascida em 12 de setembro de 1967, em São Leopoldo, a filha do engenheiro Eloy Reinaldo e da professora Maria Arlete e irmã mais velha do Sandro nunca teve outra opção: seu destino sempre esteve na Comunicação. "Quando eu fazia os testes vocacionais, o primeiro resultado era Jornalismo", conta. Tamanha certeza devia-se, principalmente, ao gosto por escrever, cultivado desde muito cedo.
Mas a escrita não seria a única determinante. Uma outra paixão trazida da infância ditaria o rumo da trajetória profissional dela: "Sempre gostei muito de televisão". Embora nos anos 70 não existissem muitas opções nas telinhas, Simone encontrou um prazer genuíno em assistir telejornais - preferência incomum para uma criança. "A TV te levava a conhecer um mundo que você nunca tinha ouvido falar. Às vezes, trazendo informações que eu ainda não tinha aprendido na escola", afirma.
Quando anunciou a graduação escolhida, o pai se espantou - "Jornalismo?" -, mas a mãe percebeu como uma escolha natural. "Ela disse: 'Eu te via lendo tanto e escrevendo muito também, e sempre atrás de uma notícia'", relata Simone. E foi ainda no primeiro semestre na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) que a futura primeira jornalista da família percebeu que havia tomado a decisão certa: "É isso que eu quero para mim".
Batismo de fogo
Simone estava decidida: seria repórter de televisão, quem sabe até correspondente internacional. Mas foi na primeira cadeira de TV que a realidade deu um baque: "Tinha pânico de câmera". Mesmo assim, ela "seguiu o baile", tentando encontrar seu lugar. "Chegou a informação de que teria uma seleção de estágio para a RBS TV e eu me inscrevi", conta. Aprovada no processo, ou a atuar como redatora de chamadas. "Foi uma baita escola, porque era algo que eu nunca tinha feito e uma maneira diferente de escrever. Comecei a transitar por todos os setores da redação, desde o Esporte até o 'Jornal do Almoço' e o 'Campo e Lavoura'", explica.
Infelizmente, após um ano a experiência chegou ao fim. O diploma sonhado veio em agosto de 1989, mas foi ainda como estudante que iniciou uma breve agem pelo Grupo Editorial Sinos, escrevendo para o jornal Exclusivo, focado na indústria calçadista. E logo uma oportunidade de retornar ao Grupo RBS surgiu. Tratava-se de um processo seletivo para o programa de Jornalismo Aplicado. "Selecionaram por volta de 30 pessoas para fazer um curso de quatro meses com jornalistas da Universidade de Navarra", conta. Por estar entre os escolhidos, Simone deixou o Grupo Editorial Sinos, já que não conseguiria conciliar as duas atuações.
A experiência no Grupo RBS culminou em um "batismo de fogo": a cobertura da eleição presidencial de 1989 - a primeira eleição direta após o regime militar. Os participantes podiam escolher entre fazer a cobertura na Zero Hora e no Diário Catarinense, em Florianópolis. Apenas Simone e uma colega decidiram encarar o desafio em Santa Catarina. "Cobri o primeiro turno no maior cartório eleitoral de Florianópolis na época", salienta. Já no segundo, ela enfrentou sozinha o trabalho no estado vizinho. "Ao final, veio uma proposta de contratação pelo Diário Catarinense. Uma grande experiência, mas não teria como me manter financeiramente", explica.
No retorno, uma surpresa: boa parte dos colegas que fizeram a cobertura em Porto Alegre foram contratados na Zero Hora e Simone não estava entre eles. "Então pensei: 'Não era pra ser'", revela. Mas o destino se encarregou de surpreendê-la novamente. Um dia, o telefone tocou e do outro lado estava Roberto Appel, gerente de Jornalismo da RBS TV, convidando-a para cobrir férias na edição do extinto 'Jornal da RBS'. Mesmo sem experiência, ela aceitou o desafio e foi acolhida por colegas generosos. "Eu era uma 'foca' atrapalhando muito, mas achei legal que eles depositaram confiança em mim", afirma.
Ao fim do período de férias da colega que estava substituindo veio o convite para ficar, visto que a outra profissional não retornaria. "Foi assim que eu comecei como editora de texto para televisão. E aí foram uns 35 anos fazendo isso", pontua.
Desafios e conquistas
Foi no Grupo RBS que Simone viveu um dos grandes desafios da carreira: a informatização. O novo sistema representava um salto tecnológico enorme, o que gerou um medo coletivo na redação. "Eram muitas coisas para aprender e sentíamos que não conseguíamos guardar tudo. Mas uma semana depois já dizemos: 'Que maravilha isso aqui. Como vivemos sem até agora?'", relata.
Em 1994, após quatro anos na RBS TV, um novo chamado: a Band TV estava se reestruturando no Rio Grande do Sul e buscava novos nomes para integrar a equipe. Era uma proposta ousada, sob a liderança de Bira Valdez, e Simone aceitou. "Estava bem na RBS, mas era uma coisa nova, um desafio", explica. Lá ficou por 13 anos. Com o tempo, veio também o reconhecimento, Simone foi alçada à editora de rede do 'Jornal da Band' e, mais tarde, assumiu a edição do 'Band Cidade'.
E foi na emissora que viveu o momento de maior satisfação da carreira, que surgiu de forma inusitada. Em 1996, duas crianças irmãs gêmeas, vindas da Suíça, foram abandonadas pelo pai em Porto Alegre. Ninguém sabia quem eram, mas o caso mobilizou a equipe da Band, incluindo a então estagiária Christina Kruger, que foi capaz de localizar a mãe das meninas. "Na época, não tinha Google para pesquisar, então nos juntamos e pesquisamos. Foi um trabalho que me deu muita alegria", ressalta. O caso chegou a ser relatado no livro 'Crianças Lesadas', de Daniela Sallet. "A mãe das meninas veio buscá-las e ela foi até a Bandeirantes nos agradecer", conta.
A jornalista deixou a Band em 2007, após um convite que carregava não só uma oportunidade, mas também uma ligação afetiva com o ado. Cezar Freitas, um dos seus primeiros editores-chefes na RBS TV, convidou-a para retornar. Foi assim que assumiu a editoria executiva do 'RBS Notícias', onde permaneceu por mais 13 anos. Enquanto estava no cargo, viveu o segundo maior desafio da carreira: a pandemia de Covid-19. "A redação se esvaziou repentinamente. Um dia estava cheia e no outro não tinha quase ninguém", afirma. E foi ainda nesse contexto que o ciclo na RBS TV se fechou em dezembro de 2020.
A próxima parada seria o SBT RS, após uma amiga ser a ponte entre a jornalista e a emissora. "Não tinha nenhuma vaga aberta, mas surgiam muitos freelas de férias. Eu fiquei cerca de um ano entre idas e vindas. Foi uma casa muito boa também", avalia. Como ela mesma destaca, apesar dos anos de carreira, foram poucas as empresas nas quais colaborou e isso não é por acaso: "Sempre me dei muito bem em todos os lugares em que eu trabalhei. Posso parecer um pouco tímida, mas, no momento em que eu conheço as pessoas, gosto de ter elas próximas. Não são só colegas de trabalho, são meus amigos".
Uma outra Simone
Em paralelo ao ritmo frenético das redações, Simone também construiu uma vida marcada por essa proximidade. Casada há 29 anos com Luis Orlando, ela é mãe do Caio, de 22 anos, e do Eric, de 19, que, embora irem o seu trabalho, optaram por outros caminhos. "Eles sempre diziam: 'Mãe, é muito legal o teu trabalho, mas a gente não tem vontade de fazer'. Mas eles entendiam que o que eu fazia era algo que eu gostava", explica. A jornalista avalia que parte desse sentimento se deve aos inúmeros plantões que a afastaram ao longo dos anos.
É por isso que hoje, já aposentada, Simone aprecia os momentos em família. "A aposentadoria é muito recente para mim, mas o que eu estou mais curtindo é ficar em casa, estar com eles, sem ter preocupação com horário. Acho que eles também estão curtindo", afirma. Moradora de Porto Alegre, desde 1990, hoje reside no bairro Espírito Santo e aproveita o tempo para caminhadas na Orla do Guaíba, pilates, ler um bom livro ou assistir à TV. "Gosto muito de ler ou de ficar 'zapeando'. Sou uma telespectadora-jornalista. Tenho um olhar diferente, mas me sinto relaxada", explica.
O gosto literário de Simone é amplo: de clássicos da literatura latino-americana, como Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa, ando por autores gaúchos, até obras históricas como as de Laurentino Gomes. Atualmente, está lendo 'Raízes do Brasil', de Sérgio Buarque de Holanda, por sugestão do filho mais velho. "É um livro escrito há bastante tempo, mas que continua atual", diz. E como alguém que já se considerou uma "rata de Cinema", a jornalista também aproveita o tempo para retomar o hábito de assistir filmes e séries. "Só não gosto muito de filmes violentos. E adoro documentários", afirma.
A trilha sonora da vida de Simone também é eclética, mas com forte raiz no rock clássico, onde se encontram bandas como Black Sabbath, Led Zeppelin, Queen e Rush. Também se encanta com vozes brasileiras, como Elis Regina e Marisa Monte. Inclusive, a casa é musical por natureza, visto que o marido é guitarrista: "É a grande paixão dele". Outra paixão da casa é o Internacional, time que une a família. "Quando estão olhando o jogo na sala eu assisto também, fica um programa familiar", relata. E agora a jornalista também tem conseguido acompanhar torneios de tênis, esporte pelo qual nutre grande iração, embora nunca tenha praticado: "Na minha época era pouco ível".
Desacelerando
Simone se define com a precisão típica de uma virginiana convicta: detalhista, metódica, perfeccionista - características que atravessam sua vida pessoal e profissional. Gosta de tudo bem feito, observa o que pode ser aprimorado e, sempre que possível, propõe melhorias. "É uma sugestão, não uma imposição", esclarece. Essa busca constante pela excelência, embora valiosa, é também o que ela reconhece como seu maior defeito, visto que, às vezes, o perfeccionismo pode atrapalhar mais do que ajudar.
Por outro lado, sua qualidade mais marcante talvez seja a forma como se relaciona com as pessoas. Em todos os lugares por onde ou, construiu bons vínculos, amizades duradouras e um ambiente de trabalho leve e respeitoso. A jornalista ite que a decisão de parar não foi fácil. Veio por necessidade de saúde, por um limite do corpo e da mente que não se pode ignorar. Porém, mesmo fora da redação, ela não se desligou do mundo. Continua observadora, curiosa e sensível, descobrindo o que é desacelerar.
Simone ainda se permite ser surpreendida e se diz aberta: se surgir uma proposta interessante e que se encaixe nos seus planos, ela encara. Contudo, já não vive para o ritmo insano do fechamento diário. Hoje ela vive outra vida, mais dela, mais calma, mais contemplativa.