Coopítulo 38 - Sobram dificuldades
Por José Antonio Vieira da Cunha

A Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre foi uma iniciativa pioneira de um grupo de profissionais que se inquietavam com os rumos e posicionamentos da imprensa gaúcha nos anos 70, no auge da ditadura militar iniciada cerca de 10 anos antes. O que movia a nós, idealizadores e fundadores deste organismo, era o descontentamento com a imprensa que se praticava naquela época, aliado à vontade de termos um jornal no qual a orientação editorial e o comando de todo o processo fossem exercidos pelo grupo de profissionais envolvidos.
Um ideal não se concretiza sem tropeços, e seis anos após sua fundação a Cooperativa começou a viver momentos muito delicados. Formara-se a tempestade perfeita: some-se uma inflação galopante a uma pressão violenta do governo sobre seus anunciantes e clientes, e lá estava a Coojornal vendo uma situação crítica se avolumar cada vez mais, sem horizonte de retorno ao saudável equilíbrio dos primeiros anos.
Na metade de 1980 a inflação estava desgovernada. Matérias primas essenciais à produção de uma publicação, como filme fotográfico e papel jornal, tinham reajustes mensais de estúpidos 30 a 50%. Mensais! Eram aumentos desproporcionais que ameaçavam o equilíbrio empresarial de qualquer empreendimento. A inflação acumulada em 1980 foi de 110,24%, quando a taxa prefixada pelo governo militar para aquele ano fora de 45%, talvez otimista, já que no ano anterior a inflação acumulada tenha sido de 77%.
No caso da cooperativa, praticamente cem por cento dos trabalhos que realizava para terceiros tinham contratos - com cláusulas de reajuste que, um ano antes, considerava-se inimaginável que os custos de produção fossem atingir o patamar a que chegaram. E aqueles eram tempos em que os contratos tinham prazo de validade de 12 meses e previam uma taxa de reajuste que ava longe de recuperar a inflação que galopava. Em alguns casos, era melhor rescindir contrato do que tentar renová-lo com um valor que a priori sabia-se que não compensaria o custo para realizar o trabalho.
João Figueiredo chegara ao poder com a promessa de seguir com a lenta abertura acenada por seu antecessor. Mas a repressão ainda dava as cartas com uma certa desenvoltura, para usar um termo elegante, ignorando o roteiro que levaria à democracia plena. Figueiredo havia sido chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações) no governo anterior, e naquele período foi um ativista de primeira da política de repressão. Teve sua complacência a orientação seguida pelas superintendências da Polícia Federal, que vigiavam e colocavam dificuldades a qualquer iniciativa de oposição ao regime.
Foi o caso bem explícito da pressão econômica deflagrada em julho de 1977, quando o Coojornal publicou a polêmica e reveladora reportagem sobre os políticos cassados pelo regime militar - até a forma como o trabalho chegou à redação foi tumultuada, como narrado aqui. Agentes da Polícia Federal receberam a incumbência adicional - pois imagina-se que tinham várias tarefas importantes a realizar em seus cotidianos... - de visitar (outro termo elegante...) os anunciantes e clientes da Cooperativa dos Jornalistas e de seu jornal para levar um recado bem claro e nada amistoso: contratar o trabalho da Coojornal ou anunciar no seu Coojornal significavam dar apoio a um grupo de jornalistas que atentavam contra a normalidade do regime.
Ainda vamos falar muito sobre isso em próxima coluna.