Storytelling: o futuro é de esperança
Narrativas autênticas, reais e emocionantes. O público anseia e as marcas que querem crescer sabem que precisam se destacar


As palavras fluíam como se sempre tivessem existido. Não fazia 365 dias que aquele pequeno corpinho vivia fora do aconchego do útero materno quando a primeira delas foi ouvida. Aos três anos de idade, chegou o momento de ir para a escola pela primeira vez. Ela vai chorar. O medo natural dos pais foi rapidamente substituído pelo (nem tanto) espanto. Chegou atrasada, os coleguinhas sentados no chão formando um círculo. Deu tchau para a mamãe. Entrou, pegou uma almofada, sentou em um espaço da roda e disse: "Olá, eu sou a Shállon".
Mais tagarela que papagaio, comunicar-se sempre foi o traço mais marcante da guria que, aos oito anos de idade, assistindo a Fátima Bernardes apresentar o Jornal Nacional, decidiu que seria jornalista.
"Eu vivi todos os dias depois daquele, dedicando-me incansavelmente na escola, porque sabia que precisava terminar o colégio para,
enfim, realizar o meu sonho de fazer faculdade de Jornalismo. A profissão já me fez chorar, sorrir, sofrer, sentir êxtase. Aquela mistura de sentimentos que só jornalista sabe como é. Independentemente da fase, eu sempre tive a paz de ter feito a escolha certa. Aliás, até dúvido saber fazer outra coisa. Eu nasci pra isso, e aos 30 anos, assim como em todos os outros, sinto aquele quentinho no coração toda vez que alguém pergunta: "O que tu queria ser quando era criança?" e eu posso responder "exatamente quem sou hoje"."
Era uma vez. O clichê de contar histórias ainda tem seu charme. Encantar, surpreender, apavorar, emocionar, provocar lágrimas, arrancar risadas. O objetivo segue o mesmo, seja nos livros, nos filmes ou na venda de um produto ou serviço, eles querem que você acredite no que está sendo dito. Mas será que basta juntar A com B para conectar-se profundamente com o público? Não precisa pensar muito, a resposta é mesmo não.
Storytelling - a técnica de Marketing de de contar histórias utilizando enredo elaborado, narrativa envolvente e recursos diversos - não é apenas mais um recurso para as marcas. Pelo contrário, tem tudo a ver com o futuro. Para Tiago Rigo, coordenador de Marketing da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e professor da Escola de Comunicação, Artes e Design da instituição, a prática diferencia a comunicação em um cenário saturado de informações, ajudando a captar a atenção da audiência de forma mais envolvente.
Quem é de verdade sabe quem é de mentira
Como bem eternizou Charlie Brown Jr em 'Pontes indestrutíveis', "quem é de verdade sabe quem é de mentira". E com o avanço da internet, convenhamos, tem de tudo. É vídeo, texto, áudio, foto. Sempre tem alguém tentando convencer outra pessoa a fazer ou comprar algo. E não adianta, afirma o sócio e diretor de Criação da Ecomunica, Luciano Braga, que também é autor e palestrante, o público percebe quando uma marca não vive o que prega.

"Não dá para ser uma empresa que fala que não polui, mas polui. É preciso fazer o dever de casa. Verdade, autenticidade, deixar o mundo saber quem aquele negócio realmente é", destaca Braga. Já devo ter usado em outra reportagem a frase que vem a seguir, mas não posso deixar de voltar nela, porque faz todo sentido. Lewis Carroll escreveu em 'Alice no País das Maravilhas', "para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve".
Ser autêntico é um ingrediente comum a todos, mas as maneiras como isso é traduzido para os consumidores precisam de atenção exclusiva. Para 2025, uma novidade que se apresenta no mercado da Comunicação é o storytelling multisensorial. Além de ver e ouvir, as pessoas também poderão sentir, cheirar e até degustar as mensagens.
Não é algo de outro mundo. Quer ver? Para promover a segunda temporada da série 'Ruptura' - que explora um mundo onde uma empresa coloca seus funcionários em um experimento, por meio de um implante cerebral, que literalmente separa as identidades pessoais e profissionais -, a Apple TV+ levou a experiência do programa televisivo para a Estação Grand Central, em Nova York.
Em um aquário de vidro, uma réplica do escritório e quatro atores principais criaram uma cena ao vivo do dia a dia de trabalho na Lumon Industries. Pronto. Milhares de pessoas que, de primeiro momento pensaram em apenas ar pelo local, paravam atônitas para acompanhar a história acontecendo.

E por aqui?
Não é preciso, no entanto, cruzar o mundo para encontrar ótimas narrativas construídas por empresas. A agência HOC (House Of Creativity) teve a oportunidade de criar uma campanha para a Unimed Porto Alegre que é impossível assistir sem se emocionar. Publicitário e diretor de criação da HOC, Carlos Tevo conta que poucas vezes recebeu um briefing tão específico. O desafio era desvincular a maior cooperativa de saúde do mundo do restante da catego
ria. Mas como fazer isso quando todas vendem, teoricamente, o mesmo? Nasceu então 'Existe cuidado. E existe Unimed Porto Alegre'.
"A marca faz tanto e muitas pessoas não sabem. Durante as enchentes de maio de 2024, por exemplo, quem, junto com o Exército, ajudou a esvaziar o Hospital Mãe de Deus foi a Unimed. Ressaltar esses diferenciais era nossa missão", relembra o diretor de criação, que liderou a concepção da campanha.

O cliente entregou ouro, nas próprias palavras de Tevo, nas mãos da agência. Conversou com médicos, paramédicos, pacientes e reou as histórias. Lê, relê, seleciona. O desafio então se coloca: como criar um ambiente controlado, emocionado, com pessoas reais e não atores para gravação de vídeos? "Com um casting contratado podemos inventar mundos. Dirigir a vida real já não é tão simples", pondera. Quebra cabeça daqui, de lá, colocam todos os conhecimentos e habilidades na mesa.
Era necessário colocar os personagens em contato, eles precisavam se emocionar, tinha que acontecer uma virada, um encontro, uma surpresa. No entanto, o preparo era fundamental e não havia espaço para erros. Como era de verdade, era só um take por história. Ou dá certo ou dá certo. Surgiu a ideia da carta. O profissional era convidado para participar de uma propaganda da Unimed, ele precisava ler uma carta de um paciente. Até aí parecia tranquilo, mas o segredo é que ele estava envolvido na história.
"Eles sabiam que estavam gravando, mas não imaginavam a reviravolta. Era ao vivo, não tinha segunda vez", enfatiza Tevo, que segue: "Aconteceu algo incrível. O primeiro a gravar foi um técnico de enfermagem, condutor do SOS Unimed. Era um homem muito grande, que descobrimos ter também tamanha sensibilidade. Ele começa a ler a carta, ainda sem entender, e de repente começa a se emocionar, se dá conta e aí nos atinge também, entendemos que só conseguimos o resultado porque a história era muito forte".
Evandro está sentado em uma cadeira na Redenção. Vestindo o uniforme de trabalho, com a ambulância ao fundo. Ele sorri naturalmente para a câmera ao começar a ler as palavras. Quando se enxerga nela, os olhos enchem de lágrimas e a voz engasga. Quando a paciente é salva pelo técnico, após ter sido baleada, chega por trás e toca em seu ombro, eles e todos que assistem são transportados para aquele abraço. O final foi tão impactante quanto todo o resto. A carta termina: "existe a Michele porque existe o Evandro".

Dá pra fazer mais

Gaúcho não nega que gosta de puxar a brasa pro seu assado. O bairrismo é uma particularidade muito nossa. Tanto Braga quanto Rigo defendem que, tratando de storytelling, ainda dá pra fazer mais. Na era da conexão, é preciso deixar de lado a barreira geográfica, seja para concorrentes ou inspirações. O importante é encontrar o próprio DNA.
"Para o mercado gaúcho, destaco a necessidade de equilibrar tradição e inovação. Muitas empresas têm uma cultura consolidada e, por vezes, resistem à experimentação de novos formatos narrativos e tecnologias, o que pode limitar abordagens diferentes", explica Rigo.
"Precisamos tentar ser mais inovadores e não sermos conhecidos por replicar o Marketing de São Paulo e Rio de Janeiro", argumenta Braga. Compreende, porém, que não se faz boa propaganda sem investimento. "Pouco dinheiro implica em um storytelling mais raso e, como temos pouca verba, acabamos ainda caindo em clichês e padrões".
A formação de profissionais qualificados para atuar com storytelling em um ambiente multiplataforma também é trazido como um ponto de atenção para o futuro, pois dominar tanto a criação de narrativas envolventes quanto a adaptação para diferentes canais e linguagens é essencial para não somente seguir tendências, mas ditá-las.
Reciprocidade
A inteligência artificial (IA), por meio do aprendizado de máquina, desempenha papel inevitável e com benefícios para o amanhã do storytelling. Com algoritmos configurados, é possível analisar em tempo real o comportamento dos usuários ao terem contato com uma construção narrativa de Marketing. Dessa forma, vai-se além de extrair ideias para novos conteúdos, permitindo que outra preponderante estratégia ganhe espaço, a das narrativas não-lineares.
Exemplos de sucesso são as séries da Netflix 'Black Mirror' e 'Caleidoscópio' em que, na primeira, o telespectador pode escolher entre algumas opções de finais e, na segunda, pode-se assistir a temporada inteira em qualquer ordem. Todos os episódios têm início, meio e fim. Experiências como essas validam, ainda, o uso tático de dados na produção de conteúdo.
"Acredito que há espaço para tudo na propaganda, mas tenho uma crença de que, por ser via de regra interruptiva, precisa ser uma troca. A pessoa dá atenção ao que minha marca quer comunicar e eu, enquanto empresa, devolvo algo além do básico que cumpre isso", explana Tevo.
A mensagem-chave, na opinião dos especialistas, ganha ainda mais valor quando consegue justamente desvincular o storytelling do condicionamento de venda. Quando autênticas, inovadoras, emocionantes, bem contadas, as histórias podem criar uma sensibilidade no cliente a ponto de ele não se importar com quanto custa o que você vende, porque o que você transmite vale qualquer preço.