Preconceito etário também existe, sim, senhor!

Seja idadismo, etarismo ou ageísmo, o termo se refere à discriminação, tendo por base a idade

Idadismo, etarismo, ageísmo. A forma que se chama não importa. O que interessa, na verdade, é como a sociedade lida com essa manifestação. Os termos sinônimos representam um fenômeno social multifacetado referente aos estereótipos, aos preconceitos e à discriminação, tendo por base a idade. Originário da palavra ageism (age, do inglês, idade em português, ou edad, do espanhol), o conceito de ageísmo foi criado em 1969 pelo médico e gerontologista norte-americano Robert Neil Butler. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, opta pela expressão idadismo. Mas, no fim das contas, o significado é absolutamente o mesmo.

A manifestação desse fenômeno pode acontecer entre as pessoas e de forma institucional. Diferentemente do que se pensa, ela não atinge somente pessoas sêniores e, sim, todas as idades. Quando é afirmado que uma criança não consegue realizar determinada tarefa porque ela é muito pequena ou não pode saber a respeito de determinado assunto porque é criança; quando se pensa que todos os jovens são imaturos ou inexperientes e quando, ao entrar em um consultório, e se deparar com um(a) jovem profissional, alguém se sentir inseguro(a). Todos esses exemplos são formas de como o etarismo age na sociedade. 

Entretanto, à medida que a pessoa envelhece, maiores são o preconceito e a discriminação sofridos em todos os aspectos da vida. Conforme um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), uma em cada duas pessoas no mundo discrimina em função da idade. No cenário brasileiro, o envelhecimento enquanto nação é um fato. 

O país possui 54 milhões de pessoas 50+ e uma população em que metade dela tem mais de 30 anos. Em 2050, o Brasil será a sexta maior população mais idosa do planeta. Diante desses dados, Karen Garcia de Farias, consultora na área do Envelhecimento e Longevidade e líder do Movimento LAB60+, clama a necessidade de acabar com o idadismo o quanto antes. Caso isso não aconteça, será uma discriminação contra si.

De acordo com a pesquisadora, todo estereótipo, preconceito ou discriminação é aprendido, seja ele idadismo, sexismo, homofobia, capacitismo ou racismo. "Para limpar nosso olhar, é necessário, em primeiro lugar, haver uma consciência da existência do preconceito, da necessidade de eliminá-lo e um desejo sincero para que ocorra a mudança, pois a nossa tendência é manter o conforto cognitivo, o status quo", constata. 

 

Onde os 50+ estão trabalhando?

Este tipo de discriminação se reflete em vários âmbitos da sociedade. Um dos mais impactantes é no mercado de trabalho. Quando se observa onde estão empregadas as pessoas com 50+, um dado do Novo CAGED/e-Social Empregador Web mostrou que os 10 primeiros postos mais ocupados nos últimos 12 meses foram: 1) Faxineiro; 2) Motorista de Caminhão (regional e nacional); 3) Pedreiro; 4) Servente de Obra; 5) Cozinheiro Geral; 6) Alimentador de Produção; 7) Vendedor do Comércio Varejista; 8) Porteiro de Edifício; 9) Auxiliar de Serviços Alimentação; 10) Trabalhos Agropecuários em Geral. A função de gerente istrativo, por exemplo, está em 28º lugar. As demais posições gerenciais aparecem a partir do 37º lugar. 

Conforme Karen, este cenário faz com que, muitas vezes, os profissionais, especialmente os de maior formação, procurem vagas abaixo da experiência e capacidade, ou encaminhem as carreiras para atuar com consultoria ou empreendedorismo. "Na maioria das vezes, é por conta da necessidade de aumentar os rendimentos ou como uma forma de suprir a carência financeira, seja da pós-aposentadoria ou do desemprego repentino", salienta.

A também criadora do Sessentônica, canal de Youtube que aborda a longevidade, comenta sobre uma pesquisa realizada pelo IBGE com dados compilados pela LCA Consultores, sobre a população brasileira fora da força de trabalho após a pandemia. O estudo identificou que os 60+ foram os que mais saíram do mercado de trabalho. Karen questiona, ainda, se eles saíram mesmo ou se "foram saídos". 

Na sequência, está a faixa etária entre 40 e 59 anos. Para a pesquisadora, este é outro fenômeno, uma "jovialização do idadismo", pois se observam pessoas 35+ reportando casos em que se sentiram tratadas com preconceito por empresas. 

Neste sentido, ela explica que é necessário trabalhar a intergeracionalidade como um todo em todos os níveis, uma vez que essa convivência ainda é cercada por mitos, como de que pessoas mais novas e mais velhas não conseguem conviver em harmonia. "Principalmente, percebo a dificuldade de compreender a potência dos mais velhos. Nos programas de diversidade, ainda se fala muito e se faz pouco com relação à diversidade etária. E eles não precisam ser excludentes, ao contrário", garante.

Atravessamentos nas vivências

Quando se fala em etarismo, não é possível descolar o termo de gênero, classe e raça, isso porque o fenômeno se comunica com todos os demais grupos minorizados e vulneráveis, além daqueles privilegiados. "Todos nós vamos envelhecer se tudo der certo! Lembremos que não existe uma velhice, mas diversas velhices", comenta Karen. 

A pesquisadora exemplifica: uma mulher negra 45+, moradora da Restinga, em Porto Alegre, com Ensino Médio completo, vivenciará a transversalidade do idadismo, racismo, sexismo mais preconceito com relação à pobreza de forma diferente de um homem branco 60+, LGBTQIAP+, morador da Auxiliadora, também em Porto Alegre, portador de deficiência auditiva, com Ensino Médio completo, que vivenciará a transversalidade do idadismo, homofobia mais capacitismo. "As camadas se interconectam e se atravessam, tornando ainda mais complexo para cada uma dessas pessoas a empregabilidade ou geração de trabalho", alerta.

Os dados do  CAGED mostram que esses atravessamentos impactam no mercado de trabalho, uma vez que homens seguem recebendo um maior número de vagas do que mulheres, mesmo elas sendo melhores preparadas em todos os níveis e idades frente aos homens. Karen constata, ainda, uma dificuldade de encontrar profissionais negros 50+, homens e mulheres, mesmo nos programas existentes que promovem a contratação de pessoas negras. 

"Assim, programas existentes para o estímulo de mais mulheres nos quadros das empresas também poderiam olhar para mulheres 50+. Programas anticapacitistas e de promoção à contratação de pessoas LGBTQIAP+ também poderiam olhar para os 50+, e assim por diante", provoca.

Entre as interpretações da pesquisadora, uma delas é a de que os programas de diversidade poderiam dialogar entre si, mas não estão fazendo esse tipo de atravessamento. A existência dessa transversalidade é um fato e, quanto mais camadas uma pessoa possuir, maiores dificuldades ao longo da vida e, em especial na velhice, ela vivenciará no mercado de trabalho.

Para quem busca oportunidade

Um olhar de interesse para a diversidade etária é um dos próximos caminhos que as empresas seguirão, tanto pela necessidade - como, por exemplo, para evitar o turnover - quanto pela representatividade. Nas de grande porte, esse tipo de diversidade já vem acontecendo com um novo movimento, com uma cultura mais aberta a esse tipo de iniciativa. Mas, afinal, como se inserir em um mercado que ainda discrimina e que pouco fala sobre o etarismo?

De acordo com Mórris Litvak, CEO e fundador da Maturi, empresa focada em ajudar as pessoas maduras a terem a oportunidade de continuarem ativas e compartilhando as experiências pelo tempo que quiserem, o trabalhador sênior que deseja se inserir no mercado de trabalho precisa se atualizar de modo contínuo, compreender o que é o lifelong learning seguindo-o de fato. "Ele deve abraçar a tecnologia, ver ela como uma aliada, não como uma barreira, e entender que ela abre portas e oportunidades", observa. Além disso, esse trabalhador precisa estar aberto para aprender, por mais que tenha muitas experiências, justamente porque são complementos.

Ademais, o especialista no mercado da longevidade explica que uma das tendências é a atualização comportamental, em que o trabalhador que busca se alocar precisa entender como funcionam as relações de trabalho hoje em dia, em um ambiente mais diverso, colaborativo e horizontal. 

Para ele, vai muito além de fazer networking, mas sim de se atualizar também com as novas formas de trabalho, de buscar oportunidades que vão além do emprego tradicional regido pela CLT e, assim, estar aberto para trabalhar como autônomo, consultor, empreendedor, entre outras alternativas.

Para quem busca o profissional sênior

E quando uma empresa deseja incluir pessoas maduras em suas equipes, é preciso começar pelo letramento. Segundo Litvak, é necessário sensibilizar e conscientizar sobre o tema, começando pelas lideranças, haja vista que a visão de diversidade etária deve ser estratégica e não ageira ou pontual. 

"A partir daí, levar para a prática com a contratação de pessoas mais velhas, com ações internas, com integração geracional, com ações para o público consumidor. Assim você quebra estereótipos, tangibilizando o que o letramento vai ensinar, trazendo para a prática", aconselha.

Para quem busca iniciativas para se inspirar e repensar o mercado de trabalho e sua relação com o etarismo, um dos olhares pode se direcionar aos destaques e certificações, como o GPTW 50+ e o Age-Friendly. O primeiro é uma parceria entre GPTW, Maturi, Movimento LAB60 e Labora, que premia empresas por suas práticas inclusivas e exemplares com colaboradores acima de 50 anos de idade. 

Entre as cinco vencedoras da última edição, percebe-se que 100% delas possuem um responsável em combater a discriminação e promover a diversidade. Já o certificado Age-Friendly é um programa que estabelece as melhores práticas para um "empregador amigo dos trabalhadores maduros".

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