Da influência à consciência

Podemos perceber facilmente que vivemos em um mundo polarizado, com pouco espaço para dialogar. Caminhos contrários e ideias conflitantes aprofundam uma polarização.

Mas embora as polarizações se aprofundem e gerem novos desafios e incertezas, novas oportunidades sempre vão surgir. A aceleração da IA e a crescente cultura da convergência (intersecção dos interesses multifacetados dos consumidores) exigem constantemente estratégias de marketing em várias camadas. 

De acordo com o relatório de tendências da WGSN para o marketing em 2025, os próximos anos serão definidos por choques de tendências e uma cultura de consumo intergeracional. Mesmo marcas já estabelecidas terão que usar seu legado para preservar os clientes atuais ao mesmo tempo que terão que aprender novas linguagens para conquistar as gerações Z e Alfa - afinal, esta última chegará à adolescência em 2026. 

Percebemos essa polarização atualmente no marketing de influência, onde tendências apontam para um marketing mais humanizado, um maior engajamento com causas sociais e ambientais, maior diversidade e transparência. Entretanto, por outro lado, vemos creators e influencers se tornando milionários com comissionamento, como bets, por exemplo. Influencers e creators vendendo marcas que não consomem, mostrando rotinas fakes ou inalcançáveis para a sua audiência.

Outro grande choque que pode ser observado está na preocupação crescente de escolas, educadores, psicólogos e pais com a relação entre a hiperconexão das crianças e sua saúde mental (vide Lei do Celular em escolas). Famílias indo morar em Orlando as custas dos filhos que viraram youtubers famosos, ensinando a fazer slime ou técnicas de maquiagens para crianças pequenas. Não à toa, a palavra do ano de 2024 pelo dicionário de Oxford, foi Brain Rot (apodrecimento do cérebro). 

Tudo gira ao redor de poder e dinheiro. Sim, sabemos, desde que o mundo é mundo. Mas também sabemos que precisamos evoluir, que precisamos pensar além do nosso umbigo e do carrão na garagem. Que precisamos ser menos egoístas e mais altruístas. Que precisamos viver em comunidade, pensar pelo coletivo e fazer pelo coletivo. Não é mesmo?

Pegando o exemplo bem recente da I das Bets, se um influenciador promove produto ou serviço que causa danos ao consumidor, ele pode ser responsabilizado junto com a marca. Chamamos isso de responsabilidade solidária. Até que ponto um influenciador pode se isentar e se esconder atrás da narrativa de que são "meros divulgadores"? 

Mas vamos aprofundar a reflexão. De acordo com matéria no Meio & Mensagem (que apresenta insights do Ad Age e do Influencer Mkt Hub) a indústria do marketing de influência cresceu para um valor estimado de US$ 24 bilhões em 2024, acima dos cerca de US$ 21,1 bilhões em 2023. Ou seja, o mkt de influência é um segmento do marketing digital que teve um crescimento exponencial, ganhou atenção das marcas e uma boa fatia da verba publicitária. Fato.

Vimos esse segmento surgir, com os blogs e vlogs, onde o foco era remuneração pelo adsense e prezavam pela sua autenticidade. As marcas faziam o conhecido "seeding", que virou rapidamente "recebidos" (a diferença reside apenas no relacionamento da marca com o influenciador). Até um tempo atrás, as blogueiras e blogueiros postavam apenas o que fazia sentido e não estavam sendo pagos para tal publicidade. Logo começaram a se posicionar melhor: de blogueiras, viraram influenciadoras digitais, creators e, enfim, celebridades. Os valores surgiram, cresceram e explodiram. Um mercado milionário. 

Mas esse mercado gerou um novo ecossistema, com novas profissões e novos empregos. Também surgiram influenciadores de vários portes e vários nichos. Surgiram também os criadores de conteúdo que influenciam e inspiram suas comunidades, mas não são influenciadores digitais profissionais - como psicólogos, nutricionistas, economistas, escritores e comunicadores. O funil aumentou, se fragmentou e surgiu o marketing de recompensa e o marketing de afiliados, que também ofereceram muito espaço para os micro e nano influenciadores. Tudo tem dois lados, a dualidade das coisas.

Contudo, já no ano ado, várias marcas começaram a dinamizar suas estratégias de influenciadores em resposta à um fenômeno novo, chamado de "fadiga do influenciador". Ficou demais, ou do ponto - e a reação contra a extravagância da cultura de influenciadores atingiu novos picos em 2024. Conforme Maggie Walsh, da Glow, desde o movimento #Blockout2024 até a rejeição do consumo excessivo associado aos influenciadores é uma forma da tendência de "subconsumo".

Os leitores talvez tenham acompanhado o crescimento do termo "desinfluência", que surgiu como uma resposta ao excesso de publicidade enganosa e à falta de transparência por parte de influenciadores. Ou mesmo para "desinfluenciar" as pessoas a consumirem algum produto, pelos problemas que geram à saúde, ao meio ambiente, e por aí vai.  

Vamos elucubrar mais um pouco, pois são muitos movimentos e tendências, que moldam os "futuros": 

- Fim da moderação na Meta (foco instagram). 

- Fadiga do influenciador por parte das marcas. 

- Ascenção da desinfluência. 

- Burnout e saúde mental afetada dos próprios influenciadores. 

- Hiperconexão e problemas de saúde mental em crianças e adolescentes.

- Impacto psicológico em influenciadores mirins. 

- UGC e CGC ganhando força.

Em paralelo, o crescimento do marketing de experiência: 74% dos profissionais da Fortune 1000 planejam aumentar os gastos com marketing de experiência este ano, enquanto 66% das pessoas se sentem mais próximas de uma marca após se envolverem com ela em um evento ao vivo (Event Marketer/Sparks). Tendência trazida pela WGSN. 

Ou seja, o marketing de influência já está sofrendo uma inflexão. Mas diante de tantos likes, dinheiro e poder nesse game, onde fica a consciência? O desejo pela transparência molda o consumo atual. Gerações Z, Y, Alpha, são muito conectados com causas, buscam marcas que tenham propósito, que sejam fiéis a ele, e que tenham transparência. O mesmo se aplica aos influenciadores, que por sua vez, também tornaram-se marcas. 

As métricas estão mudando: no cenário atual da mídia social, a contagem de seguidores de um criador não equivale mais a quantas pessoas verão seu conteúdo. Métricas de vaidade, como curtidas, "nem importam mais", segundo matéria no Meio & Mensagem.  O influenciador terá mais responsabilidade no desempenho das campanhas, e no que está "divulgando". 

As marcas, por sua vez, também estão buscando mais comunidades do que celebridades. E para chegar nas comunidades de forma legítima, criando um diálogo, os influenciadores têm papel importante, que vai além das publis e do feed. Podem extrapolar e atuar de forma mais consistente junto às marcas. Outra tendência que vem forte em 2025: crescimento de consultores e curadores para as marcas, até mais do que apenas influenciadores. 

A creator economy é ampla e abrange muitos canais e formatos. Até porque o Twitter já virou X, a Thread não se consolidou, aconteceu o banimento parcial do TikTok nos EUA (e uma incerteza geral sobre a rede), o Instagram não tem mais moderação, o crescimento de LinkedIn e Substack, etc. Mas enfim começam a surgir sinais concretos de que o excesso de hedonismo e inconsequência no uso desse poder (da influência) agora cobra sua fatura: o reinado dos influencers está em xeque - e não apenas no Brasil, como cita matéria da Veja.

No livro The Influencer Industry (A Indústria do Influencer, inédito no país), a americana Emily Hund explica a razão disso. Segundo ela, as estrelas do ramo atuam em uma terra sem lei, onde os limites éticos ainda não foram traçados. "Essa é uma história de comercialismo desenfreado e oportunidades assustadoras de criar impacto social negativo, da desinformação à manipulação de nossa individualidade", escreve a estudiosa de cultura digital da Universidade da Pensilvânia. 

Exemplo desse submundo repleto de falsidade é o caso de Ruby Franke, youtuber famosa por dar aconselhamentos sobre maternidade, condenada nesta semana à prisão nos Estados Unidos por acusações de abuso infantil contra os filhos - um deles, de 12 anos, foi achado desnutrido e pediu socorro após fugir de casa e denunciar a mãe. Chocante. 

Mas vamos além. Comprar produtos supérfluos, que são muitas vezes promovidos apenas por refletirem tendências, contribui para o aumento de resíduos e para a cultura do descarte rápido. Sendo que estamos vivendo catástrofes climáticas por todo o mundo, e com mais frequência. 

Para pensar: influenciar comportamentos negativos por lucro não é marketing, é oportunismo. 

A popularidade desse movimento de "desinfluência" reflete o cansaço das pessoas com o excesso de publicidade disfarçada como opinião genuína e a busca por maior autenticidade, transparência e ética nas redes sociais. Ele também revela a responsabilidade dos influenciadores em manter a confiança de seus seguidores, uma vez que suas recomendações têm um impacto significativo no comportamento de consumo, e na vida das pessoas.

Felizmente temos ótimos exemplos, que deram certo e geram impacto positivo. A bióloga Mari Krüger (950?000 seguidores) se tornou referência ao desvendar, por meio de pesquisas científicas, a ineficácia de vários produtos, desde gomas para melhorar o sono até expedientes bizarros para diminuir a barriga. "Entendo que fazer publicidade de qualquer coisa assim envolve muito dinheiro, mas prefiro ter uma relação de respeito com quem me segue e tenho orgulho do que eu faço", diz a gaúcha.

Creators que trabalham a desinfluência, questionam a obsessão com produtos de beleza e moda, desencorajam a compra de itens caros ou desnecessários e promovem um estilo de vida mais sustentável e financeiramente responsável. Falam abertamente sobre a importância de consumir com consciência, priorizando o meio ambiente e a saúde financeira, em vez de ceder às pressões das tendências ditadas pelo influenciador da vez. Esses desinfluencers argumentam que o consumismo exacerbado promovido nas redes sociais não apenas afeta o bem-estar financeiro das pessoas, como também impacta negativamente o meio ambiente. 

Desinfluência ou influência com mais consciência?

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