Sepé Tiaraju: Um gaúcho bem carioca

Areias brancas e quentes, céu azul, muito sol, um mar lindo e um horizonte a perder de vista…

Início dos anos 70, praia de Ipanema, Rio de Janeiro, o point era o píer, mais precisamente as 'Dunas da Gal', intituladas assim pela freqüente presença da cantora Gal Costa ali. Um jovem porto-alegrense deslumbrava-se com a efervescência cultural daquele ambiente. Era possível encontrar, no mesmo metro quadrado, Gal Costa, Baby Consuelo, Pepeu Gomes, um baiano tocando atabaque, outro um berimbau, enquanto surfistas deslizavam com suas pranchas pelas ondas de águas verdes. "Era uma perdição, simplesmente bárbaro. Foi nesta época que comecei a construir meu conteúdo musical", recorda Sepé Tiaraju de los Santos, um gaúcho com coração de carioca e que herdou do pai, um legítimo apreciador de tangos, o amor pela música. "Na época eu não gostava do que ele ouvia e me arrependo, pois poderia ter aprendido muito em termos de letra e conteúdo. Hoje, ouço com outros ouvidos", confessa Sepé. Um presente ganho de um amigo fez com que seu pai comprasse um instrumento. "Ele ganhou um castiçal de alabastro e achou que a peça ficaria bem em cima de um piano. E decidiu comprar um". Mas, na família de três irmãos, Sepé foi o único que não aprendeu a tocar nem piano nem qualquer outro instrumento. "Meu irmão mais velho estudou piano durante seis anos em um conservatório, o outro tinha aulas de acordeom, e eu, que renegava o aprendizado dos instrumentos, acabei trabalhando com a música", conta, cheio de bom humor. Sepé, hoje sócio da produtora Plug Produções Fonográficas, se envolveu com a música muito cedo. Aos 17 anos, formou com o irmão do meio, Tibiriçá, e o amigo Hermes Aquino o grupo de voz e violão "Siris do Imbé". "Fizemos um resgate das serenatas, que naquela época já estavam fora de moda. Era o início da bossa nova", lembra. O trio durou apenas um verão, mas o interesse de Sepé e seu irmão não. Voltando para Porto Alegre, uniram-se a Sabino Orlando Loguércio, Fernando Poester e Vera Guedes. "Geraldo Flach tocava em conjuntos de baile e formava o grupo de vocal que os acompanhava. Ele gostou do nosso trabalho e chamou os 'Siris do Imbé' para agregarem-se ao Geraldo Flach Trio, o que nos deu muito mais profissionalismo". Tempos bons, aqueles: o grupo começou a apresentar-se em programas musicais na TV Piratini, e com o dinheiro do cachê iam para o Bar Líder comer costeletas de porco com salada de batata. Em uma apresentação no programa de Gudi Emunds, ao vivo, pois aquele era período em que não tinha vídeo-tape, estavam cantando a música 'Mais que nada', de Jorge Ben, e um imprevisto aconteceu. "Em um determinado momento eu fazia um solo e a câmera fechava em mim. Achei lindo me ver no monitor do estúdio e esqueci de cantar. Deixei ar um como e entrei no tempo, apenas para salvar a lavoura. O grupo queria me matar, sai de lá abaixo de beliscões e, naquele dia, a costeleta de porco desceu indigesta. Nunca mais nos chamaram para fazer musical e nunca mais fomos no Líder".
Uma nova fase
O movimento dos festivais universitários chegou a Porto Alegre e o Diretório Acadêmico da Faculdade de Arquitetura organizou o seu. O ano era 1968, muita gente de fora veio participar e diversos talentos foram revelados, como Danilo Caimy, Joice, Paulinho Tapajós, Eduardo Conde, Luli e Lucinha, Artur Verocai e Beth Carvalho. "Vera Guedes saiu e decidimos mudar o nome para participar do Festival. Nos tornamos, então, 'Canto Nosso'". Duas músicas, 'Tá na hora' e 'Domingo Antigo', interpretadas por Beth Carvalho - que nunca havia pisado num palco antes - precisaram de um grupo vocal e eles foram chamados. "Ali começou a ser construída a Beth Carvalho. Que ela seria a grande sambista que se tornou, ninguém imaginava, pois adorava toadas e MPB. Ela conduziu bem sua carreira, abraçou o samba e hoje é a cantora que o Brasil conhece". No ano seguinte, o Canto Nosso também participou do festival, mas era uma outra época, a da Tropicália. "Cantamos uma música de rodeio de Geraldo Flach em pleno quebra-quebra do tropicalismo. Éramos da bossa nova, caretas". Sepé cursava o primeiro ano na Faculdade de Direito do Vale do Rio dos Sinos. E decidiu que ia para o Rio de Janeiro. "Estava indo atrás do circo, queria encontrar as pessoas que tinha conhecido aqui, pois havia criado um circulo muito bom de amizades. Pedi transferência para a faculdade Cândido Mendes e parti".
Tudo novo
Durante um ano, enquanto estudava, gravava vocais para a Rede Globo e as Gravadoras Continental e Polygram. "Eu freqüentava o ambiente musical do Rio de Janeiro e cada vez mais conhecia pessoas interessantes. O Leme era nosso ponto de encontro, o ponto de encontro dos músicos", recorda com saudosismo. "Não era raro ir ao local e encontrar Nana Vasconcelos batucando em um banquinho, enquanto Robertinho Silva tocava bateria, Milton Nascimento cantava e Ivan Lins tocava piano". Seu período de free-lancer terminou em 1971, quando o amigo Paulinho Tapajós, produtor musical da Polygram, ligou dizendo que o diretor do selo da Phillips, Roberto Menescal, precisava de um assistente de produção e convidou-o para trabalhar. Foi o primeiro emprego de Sepé no meio. "Iniciei como assistente de produção, depois ei a diretor". O interesse pela faculdade de Direito acabou ali. "Era difícil sair do estúdio onde estava gravando com Elis Regina ou Tom Jobim, à meia noite, e no outro dia pela manhã ter aula de Direito Romano. Começou a ficar incoerente e caí fora". Mas em 1974, reingressou na faculdade e se formou. Até o ano anterior ele tinha permanecido na Polygram. "Eu era um rebelde, um hippie, e queria fazer pop, rock. Ouvia em casa Jimmie Hendrix e gravava Carlinhos Lira. Existia uma intolerância entre atitude, gosto pessoal e realidade". Continuou no Rio de Janeiro até 75, quando decidiu comprar uma motocicleta e voltar para a terrinha. "Quando cheguei estava sem mundo. Tinha deixado minha ex-namorada grávida e estava com dúvidas sobre advogar ou não, pois meu irmão, que também é advogado, já possuía um escritório montado. Decidi pensar um pouco mais". Na época, o irmão mais velho era médico do radialista da Guaíba Osmar Meleti e Sepé decidiu tentar a sorte. "Fui conversar com ele e levei um projeto de programa que tocasse João Gilberto, Bob Dylan, Tamba Trio, grupos brasileiros de música instrumental, entre outros, fazendo um mix de boa música. Ele adorou, mas disse que eu ia tirar o emprego dele e me falou que o bom para mim seria a publicidade, pois não havia gravadoras em Porto Alegre". Mesmo resistente, fez uma entrevista com José Moraes de Oliveira, gerente operacional da MPM Propaganda, e entrou para o departamento de RTV. "Ali comecei a cavar um espaço. Dirigia spots, acompanhava a produção de jingles e criava". Sua grande oportunidade surgiu com um pedido de Adão Juvenal de Souza: "Ele queria que eu produzisse um jingle, que já havia feito sucesso quatro anos antes, para a vinícola Granja União. Pediu uma nova roupagem e não pensei duas vezes, peguei um avião para o Rio, chamei meu amigo Artur Verocai, reuni os melhores músicos de base, chamei o Quarteto em Si e o Golden Boys, aluguei um estúdio e produzi o jingle. Não foi o estouro que se esperava, mas serviu para fazer meu exercício". E assim as coisas começaram a acontecer. O diretor de criação Sérgio Gonzalez pediu que Sepé produzisse com Geraldo Flach um jingle de Natal para a rede de lojas JH Santos. Não foi aprovado, mas todos adoraram a idéia. Pouco tempo depois, após oito meses de MPM, desligou-se da agência e decidiu abrir uma produtora com Geraldo Flach. O sucesso de alguns trabalhos executados para a MPM garantiu a criação da Plug. No início, utilizavam os estúdios do Instituto Sinodal de Assistência, Educação e Cultura - ISAEC, e fizeram um acordo operacional com um conjunto de baile que possuía instrumentos modernos, o Desenvolvimento. "Disso começou uma concorrência efetiva com os estúdios de São Paulo e Rio de Janeiro, que antes mandavam no Estado". Numa época em que as melhores contas eram as de varejos e bancos, a Plug fazia jingle para a JH Santos, Incosul, Manlec, Renner, Banrisul e Caixa Econômica Estadual. "Tinha meses em que havia sete, oito peças da Plug no ar. amos a oferecer um produto com nível tão bom quanto o das produtoras do Centro do país". O amigo e sócio Geraldo Flach, foi chamado para ser diretor artístico da ISAEC e Sepé o produtor de discos. Durante dois anos, dividiram-se entre as duas empresas. "De repente estava em Porto Alegre produzindo jingles de dia e discos à noite. Era tudo que pedi a Deus, pois continuava amando a música e já estava infectado pelo vírus do jingle". Até 79 foi assim, depois foi dedicação total para a Plug, e em 1986 foi comprada a sede que ocupam até hoje na Avenida Getúlio Vargas. Os louros da vitória O trabalho rendeu satisfação e valorização para Sepé e Geraldo. "Recebemos 22 prêmios do Salão da Propaganda, fomos produtora do ano no Festival da ABAP, ganhamos ouro no Colunistas do Ano Nacional, fomos finalistas em Cannes, ganhamos três prêmios regionais dos profissionais do ano da Rede Globo, ganhamos o Festival Ibero-Americano de Publicidade, entre outras premiações. Sem medo de dizer, por que é um fato, somos a produtora mais premiada no Rio Grande do Sul e uma das mais premiadas do Brasil". Dos tantos trabalhos que fez, para o produtor, o mais gratificante foi o dos Monstrinhos da RBS. "Por tudo. Pelo resgate da confiança e entrega da criação da agência Paim que, embora tenha atuado decisivamente nos objetivos, nos deixou bastante à vontade para criar. Não nos foi dada nenhuma referência, nem esboço de letra e nem foram feitos pedidos de sonoridade. Foi produção do jeito que a gente gosta de fazer. O resultado foi inegavelmente maravilhoso". Sepé sabe que o mercado é muito exigente e que se, num primeiro momento, a Plug dominou a cena do jingle e da trilha no Estado, barrando a entrada de outras produtoras, hoje ela vê o reingresso dos concorrentes. Mas isso não o abala, pelo contrário, incentiva e dá mais forças para continuar trabalhando. "Com 26 anos de existência, ainda somos jovens em todos os sentidos. Estamos sempre atualizando os equipamentos e renovando a equipe. Queremos conquistar novos mercados. Atualmente, já fazemos trabalhos para o Rio e São Paulo, mas queremos mais. Nossa carreira não acabou, vamos incomodar muito ainda". Para Sepé, o segredo de 26 anos de sucesso é a dedicação, fidelidade e renovação. "Fico abismado quando vejo todas as coisas que já fizemos. O talento e a dedicação são coisas que superam qualquer evolução tecnológica". O produtor, que assiste todos os dias a chegada de novos profissionais no mercado, dá uma dica que acredita ser fundamental para quem está começando: "Criar, criar e criar. Não imitar, pois de imitação o mercado está cheio. É importante criar uma identidade para seus comerciais e textos. Isso fará a diferença". Aos 57 anos, se considera um homem cheio de gás, disposição e nem pensa em parar. Às vezes, sai da produtora às cinco da manhã, outras às cinco da tarde. Para relaxar, uma boa caminhada, ou, é claro, uma boa música. O jazz e a MPB são a preferência em sua casa. "São dois estilos que abrangem muito", diz, e completa, mostrando sua versatilidade: "Também gosto de ouvir Lulu Santos, Ed Motta, Paralamas do Sucesso e Maria Rita que, na minha opinião, é a melhor novidade que surgiu depois de Kássia Eller". A rotina agitada não o impede de curtir o mais novo membro da família, Pedro, de 11 meses, o quarto filho do produtor. Inesperado, mas muito amado, o pequeno tem ensinado muita coisa para o pai coruja. "Estou aprendendo muito sobre crianças com ele. Nunca imaginei que fosse tão bom ser pai na idade em que estou. É maravilhoso".
Para o futuro
Além dos filhos, outra paixão de Sepé é velejar. Ele ama sair com seu "bote" pelo Guaíba, apreciando a natureza. "Este Rio é determinante para a minha permanência em Porto Alegre. Quem souber aproveitá-lo vai encontrar uma forma de viver muito mais interessante". Ele, que não sabe viver longe da natureza, faz muitos planos para curtir ainda mais as maravilhas da natureza. Até o final deste ano, quer comprar um veleiro e aproveitar ainda mais a vida. "Gosto de viver todos os momentos de maneira intensa. A soma dos resultados é maior do que se espera", afirma.

Comments