Paulo Trindade: Um vendedor namastê

Publicitário se descobriu um bom profissional de vendas e construiu carreira, de empregado a empreendedor, na comercialização de mídia

Paulo Trindade, sócio-diretor da Soluções Negócios e Comunicação - Arquivo Pessoal

A dona Eva já sabia, há algumas décadas, algo que só revelou ao filho depois de adulto. "Tu és diferente dos outros", disse ela ao único menino, na prole de quatro. E o gênero nada tinha a ver com o seu comentário, mas sim, a fé. Aquela crença que a mãe via no guri ia além do seu centro espírita ou de qualquer outro templo, concretizando-se na gratidão pela vida, na positividade e na dedicação de Paulo Trindade em buscar o que acreditava.

Nos 52 anos de vida, e nas duas décadas de carreira, ele ouviu comentários que lembravam aquela frase da mãe. Seja em relacionamentos amorosos, amizades ou profissionalmente, alguém sempre capta essa essência descrita como "good vibes" ou "namastê" do guri da dona Eva, que carrega, segundo o que costuma ouvir, "uma energia boa". 

A construção do profissional e da pessoa que ele é ou também pelos ensinamentos do seu João Paulo. Do pai jornalista e funcionário público, herdou a facilidade de construir boas relações, a paixão pela Comunicação, pela leitura e pelo ensino. Não que tenha agradado em casa, quando, após o semestre básico de Enfermagem, na Unisinos, transferiu-se à Publicidade e Propaganda. Afinal, o chefe da família conhecia as agruras do mercado.

Começar, como o pai previa, não foi fácil. Mas a determinação de Paulo fez com que, após a formatura, em 1991, as portas se abrissem. Ali, nascia o executivo de mídia que hoje tem sua própria empresa, a Solução Negócios e Comunicação. No currículo, uma amostra da vasta experiência: Estúdio de Criação 88, 4 Traços, Parla, Competence, America, B52, Dixxie, Ativa, Editora Abril, Rádio Gaúcha e Bandeirantes.

Na profissão, começou explorando o setor de Criação, o que acredita ser um desejo de quase todo jovem publicitário, antes de partir para a Mídia. Também circulou por mercados diferentes: Porto Alegre, interior do Estado e São Paulo. No entanto, as mudanças de cenário, que poderiam assustar alguns, não eram novidade para o guri que ou a infância entre as realidades do colégio Anchieta, onde era bolsista, e da Vila Bom Jesus, onde morava. 

Um Pelé

Foi na escola que ganhou o apelido pelo qual muitos ainda o conhecem: Pelé. Paulo era o único negro de que tem memória no colégio particular onde estudava e sempre gostou de jogar futebol. Enquanto o 'original', Edson Arantes do Nascimento, marcou nome no Santos, entre as décadas de 1950 e 1970, foi perto do final de sua carreira que o 'Pelé de Porto Alegre' despontava na lateral esquerda da Seleção do Anchieta e na escolinha do Internacional.

Entre idas e vindas em campo, ao longo da infância e da adolescência, em 1987, o xará do ídolo brasileiro aposentado também decidiu pendurar as chuteiras. Paulo se preparava para o vestibular, quando, em conversa com dona Eva, entendeu que os atrasos para o cursinho, devido à intensa rotina de jogador futebol, estavam atrapalhando os estudos. 

Do esporte, ficou mais do que o gosto pelas partidas. O grupo de amigos que o publicitário cultiva é, em sua maioria, de colegas de jogo do colégio. Tamanha é a relação criada, que eles se chamam de "irmãos" e tem encontros periódicos (os quais, apesar de pausados, não se perderam com a pandemia). As reuniões relembram, além do amor pelo futebol, a diversão das festas curtidas em conjunto e as discussões sociais que a escola estimulava entre eles.

Um fashionista

"Somos tão jovens... tão jovens", cantou Renato Russo, junto ao Legião Urbana, em meados da década de 1980. Na mesma época, a frase célebre reverberou também no som da gurizada da 'Questão de Opção'. É que Paulo foi baterista e vocalista da banda montada no Anchieta - com os amigos, é claro. E mesmo que já não se reúnam para tocar há mais de 20 anos, o rock'n'roll ainda corre nas veias dele e reflete em seu estilo.

Na Rádio Gaúcha, Paulo trabalhava de terno, hábito trazido da Editora Abril em São Paulo. Porém, quando um conhecido revelou a todos o quanto o executivo de mídia conseguia ser criativo nos looks, foi desafiado a provar. Apareceu, em uma sexta-feira, de terno branco, sandália, anéis, echarpe e óculos escuros. Desde o porteiro  até Antônio Carlos Macedo e Daniel Scola deixaram seus postos para conferir. Lançava ali a 'sexta fashion', e garante, aos risos, que os colegas nunca mais foram desarrumados para a redação. 

Houve a época do cabelo comprido, a do terno, a da barba... Na pandemia, adotou uma vibe mais esportiva, mas sem perder o estilo fashionista, até com máscara na temática musical. E a vontade de retomar a banda é compartilhada entre os amigos por um motivo bem especial: eles querem mostrar seu lado rock'n'roll aos filhos. Sim, há 16 anos, Paulo é pai. Pedro é fruto do relacionamento de 11 anos e meio que teve com Débora Lizot, com quem mantém amizade e ainda considera da família. 

Um grande vendedor

E o núcleo familiar acompanhou seu crescimento como profissional. Entre 1998 e 2000, antes ainda de Pedro nascer, o publicitário e Débora moraram em Caxias do Sul. Na Serra, ele comprava mídia para clientes nacionais, lidando com altos valores, e estava bem instalado, com a agência ainda ajudando a custear a pós-graduação. Porém, tinha de viajar todo sábado a Porto Alegre para as aulas, e acabou mudando o rumo.

Contratado pela Editora Abril, Paulo aria ao outro lado do balcão: em vez de comprar espaço nas revistas, iria comercializá-los. Foi quando entendeu sua vocação. "Me descobri um grande vendedor", relembrou. A partir dali, ele despontou no ramo, atuou no projeto Kzuka, do Grupo RBS, e na Ativa RSBC, que lhe ajudaram a alçar voos mais altos, os quais o levaram a São Paulo, onde novamente trabalhou para a Abril.

No Sudeste, a rotina era ainda mais intensa, trabalhando das 9h às 22h, sem sequer ear por pontos tradicionais ou fazer qualquer outro programa de turista. Atualmente, ele dá risadas ao relembrar que o motivo de vivenciar as dificuldades em São Paulo era se provar. "Eu disse pra mim mesmo: se sou bom em Porto Alegre, quero ver se sou bom lá fora". Mesmo longe da família e dos amigos, conseguindo visitá-los apenas uma vez por mês, ele conquistou seu objetivo.

A saudade de casa e um convite da Rádio Gaúcha trouxeram Paulo de volta aos Pampas. Foram mais de quatro anos atuando na emissora, em um período em que tudo migrava para o digital, e ele chegou a comandar essa adaptação no setor Comercial da empresa. Porém, saiu em 2017, por "não acreditar no formato das mudanças" que foram propostas pela gestão. O conhecimento da mídia tradicional e das novidades digitais ainda o levou para a Voe Ideias Live Marketing e para a Band TV RS, de onde saiu já disposto a empreender, mantendo os contatos que conservou ao longo dos anos.

Um libriano

A 'vibe namastê', os dons artísticos, a criatividade...há quem diga que são características concedidas pelos astros. Paulo nasceu em 29 de setembro de 1968: um libriano do primeiro decanato - segundo ele, os melhores. Essa parcela da população, conforme os astrólogos, tem grande capacidade de amar. Não à toa, o publicitário já ouviu que "está sempre namorando", mas ele se diverte - e se defende - ao garantir que prefere apostar em relacionamentos bons, mesmo que curtos, a prolongar histórias que já não estão dando certo.

A influência do signo, no entanto, também rende dilemas ao profissional, visto que os librianos são conhecidos pela indecisão. Paulo jura que não é muito indeciso, mas tem seus momentos. Em 2019, por exemplo, uma "crise existencial" fez com que decidisse abandonar a publicidade. Mas mudou de ideia: "Me deu um estalo: 'É a hora de eu ajudar a Propaganda'", refletiu, considerando toda sua vivência na parte de business do mercado.

Dentre as formas de contribuir com o setor que lhe formou - e ao qual se diz grato por tudo que lhe deu -, outra dúvida surgiu. A possibilidade de fazer um mestrado no próximo ano é uma das alternativas. Paulo já tem até ideias de tema para a tese  e adianta que deve abordar a diversidade na Publicidade. Entretanto, tem também um bacharelado em Direito para concluir, iniciado lá em 2018, que compete com o ímpeto de tornar-se logo professor.

Em um futuro um pouco mais distante, nada impede que ambos os desejos estejam realizados. Assim como ao longo de toda a vida deste legítimo libriano, ele já sonha com a próxima década: "Trabalhando, jogando futebol e dando aula". As ferramentas para concretizar essa projeção, Paulo Trindade guarda consigo, à percepção de quem o conhece: mantém o espírito de juventude do seu rock'n roll, a agilidade do seu futebol e a sua fé, que dona Eva tanto apreciava.

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