Odir Ferreira: O radialista que se tornou troféu
Profissional da voz tem 42 anos de história no carnaval de Porto Alegre e pretende continuar dando ainda mais vida aos desfiles no Porto Seco

Jornalista, não. Radialista. Assim se define Odir Ferreira que, aos 71 anos, tem muito orgulho da profissão que escolheu e que o vocacionou para uma vida intimamente ligada aos festejos populares brasileiros, à celebração da cultura e aos anseios profissionais. Dono de um carisma e um talento que o colocam na vanguarda das transmissões, ele soma mais de quatro décadas dedicadas ao rádio e à arte de bem comunicar. Sobretudo, Odir vive o que o carnaval tem a oferecer de uma maneira que o transformou em um de seus pilares, senão, o principal, de sua carreira, ecoando nos alto-falantes o título de 'a voz do carnaval de Porto Alegre'". Ela reverbera nas caixas de som e nos corações que a acompanham.
Nascido e crescido na capital gaúcha, o radialista viveu seus primeiros anos no bairro Mont'Serrat, na rua Freire Alemão. Das idas e vindas na época, ele lembra saudosamente das primeiras incursões que a família fez com ele pelos desfiles de Carnaval no Centro da cidade. A residência da família ficava próxima à escola de samba Fidalgos e Aristocratas. A casa da avó era vizinha a um terreiro de umbanda, e Odir teve, em tenra idade, os primeiros contatos com religiões de matriz africana. Ali, percebeu uma identificação que perduraria por toda vida e que não tardaria a se associar com o seu fazer profissional.
Virginiano de 5 de setembro de 1953, já frequentava escolas de samba desde menino. Acadêmicos da Orgia foi a primeira com que, de forma mais sistemática, conviveu, e nela viu crescer esta identificação que já projetava, conhecendo, de perto, o trabalho e os encantos do mundo do samba, dos festejos e da energia evocada pela maior festa popular brasileira. Até hoje, esta é sua escola do coração. Por volta de 1965, já era figura constante no carnaval do bairro Jardim Botânico - à época, Vila São Luís. A rua Barão do Amazonas era tomada de foliões celebrando e brincando a grande época do ano, e nela, o futuro profissional da imprensa já iniciava sua caminhada por um mundo de alegorias e encantamentos.
Aos poucos, as festividades tomariam outros locais e, com isso, Odir começou a frequentar também os desfiles na avenida Borges de Medeiros, um grande palco do samba na cidade. Para além disso, a rua João Alfredo, na boêmia Cidade Baixa, também contaria com sua presença. Mais além, a Perimetral, atual avenida Loureiro da Silva, que abrigou os desfiles das escolas de samba por um tempo, e a avenida João Pessoa. "Nasci em Porto Alegre e vou morrer aqui", diz ele, que, embora já tenha recebido convites para ancorar carnavais relevantes em nível mundial, como o de São Paulo e o do Rio de Janeiro, preferiu se manter em suas raízes e continuar divulgando as riquezas do samba que é produzido localmente.
O banco transformou-se em rádio
A carreira de Odir, embora voltada ao rádio como a grande aptidão, além da paixão pelo carnaval, iniciou de uma maneira diferenciada. Formado em istração, ele começou a atuar numa agência bancária. O então jovem istrativo adorava acompanhar transmissões via rádio paralelamente, o que foi despertando seu talento e voz para a área. A partir daí, estar à frente dos microfones se tornou um objetivo ao qual se agarrou e sacramentou. Concluiu o curso de Rádio e obteve a certificação para poder, oficialmente, estar no ar.
A primeira oportunidade na área de Comunicação foi na TVE, em 1978, como auxiliar de produção. O convite veio de Roberto Rodrigues, repórter, e pelo editor de programação na época, Ênio Rocha. Em seus primeiros trabalhos, foi escalado para a cobertura do carnaval de Porto Alegre, que na ocasião era transmitido pela emissora. A partir disso, o aprofundamento com o tema e com os profissionais da área possibilitou a abertura de caminhos que o alçaram para microfones distintos, demonstrando talento e competência na condução de eventos do porte.
Em seguida, viria um dos bastiões do rádio no Rio Grande do Sul, a não mais existente emissora Globo, em que o jovem radialista pôde encampar o início de uma cena de sucesso na área. Orgulha-se de, em 1983, ter transmitido os festejos populares com essa marca. Outra entidade que recebeu suas contribuições foi a Itaí, onde fazia a ronda da madrugada. Mas foi em outra emissora que ele deslancharia e seria alavancado a um dos postos oficiais do carnaval da cidade. "Na rádio Princesa, a minha issão com carteira assinada foi em 1984, para a equipe de Carnaval e de Esportes. Eu participava das duas", conta.
Na época, a emissora era líder dos segmentos samba e esporte amador, e, com isso, Odir ou a integrar o primeiro time da empresa que realizou a cobertura carnavalesca. Apesar de estar focado na área dos festejos populares, o comunicador, constantemente, realizava reportagens e coberturas para outros eventos, fortalecendo o cenário local que a rádio Princesa oferecia. Nela, permaneceria até 1997, e foi convidado a transmitir o Carnaval pela Bandeirantes. Na sequência, viria a ser chamado para compor a equipe da Metrô FM, e levaria sua vida profissional formal até 2012, quando viria a se aposentar como contratado pela Rádio Gaúcha.
Carnaval é festa popular
A primeira voz que ressoou pelo sambódromo do Porto Seco, na Zona Norte de Porto Alegre, foi a de Odir. A competência e aptidão tanto para a carreira no rádio quanto para a temática carnavalesca possibilitaram se tornar a voz oficial dos desfiles, fazendo a locução diretamente da avenida. A habilidade no posto também o conduziu a convites para ancorar o Carnaval de Uruguaiana, famoso em todo o Brasil pela qualidade técnica e por acontecer fora do período tradicional.
Como um comunicador antenado às camadas sociais, o radialista também tem um olhar analítico sobre o período e cenário. E, com relação às chances locais, ele é enfático: existe uma discriminação que tem solapado as potencialidades que o Carnaval oferece. Além disso, cita um fator racial para que haja esta segregação que atinge não somente os festejos, mas a sociedade como um todo: "Porto Alegre é uma cidade que tem muito preconceito com a cultura popular e das periferias. Rio Branco era um bairro predominantemente negro, Santana e Mont'Serrat também. É o preconceito que não deixa o Carnaval de Porto Alegre crescer", afirma. Ele diz que os investimentos destinados à cultura popular foram retirados pela prefeitura, principalmente, a partir da gestão entre 2017 e 2021, cujo cenário, em sua avaliação, estaria se revertendo a partir da atual istração.
Para além do profissional
Apesar de estar aposentado como radialista desde 2012, Odir continua atuando nos locais em que é chamado e que consegue fazer sua voz continuar ecoando. Inquieto, ele tem uma rotina nada monótona: sempre participa de diferentes projetos e eventos para os quais é convidado a contribuir. Permanece, na ocasião dos desfiles oficiais das escolas de samba, como o narrador oficial da avenida, colocando sua experiência a serviço da preservação desse patrimônio cultural do Estado.
Honestidade é uma característica de sua marca no mundo, buscando tanto nos lados pessoais quanto profissionais imprimir sinceridade e correção em seus atos, valores que considera essenciais para a condução da vida. Ele vai além: "Nunca praticar o mal contra qualquer ser vivo". Este é um de seus mantras, o que se alinha com a perspectiva de um Carnaval inclusivo e agregador em que acredita e nos quais é possível ser feliz.
Para além do profissional de Comunicação,Odir tem seus rituais, práticas, hábitos e gostos característicos. Não dispensa boas viagens de carro - muitas vezes, sem rumo definido - para se reconectar consigo e com o que acredita. A Orla do Guaíba é um dos lugares preferidos. Também lembra, com muito carinho, de uma viagem a Manaus, capital do Amazonas, que fez em 1983. Teve a oportunidade de conhecer o sambódromo da cidade, um dos mais impressionantes do País, na sua opinião. Quando perguntado, no entanto, sobre o delicado assunto de a qual Boi-Bumbá pertence, ele não adota a dicotomia ferrenha da rivalidade: nem Caprichoso, nem Garantido, sua preferência é o misto "Garanchoso". Sempre que pode, também visita o município de Itapema, em cuja praia encontra recanto e aconchego.
Se o assunto é culinária, vai ao prato um arroz com linguiça, ovo frito e uma deliciosa salada de maionese. Já para acompanhar, vinho, cerveja e refrigerante zero açúcar são os escolhidos. Morador da Zona Sul de Porto Alegre e viúvo, ele é filho de Xangô, e também cultiva o lado religioso, ligando-se às ancestralidades pela história que carrega.
Um troféu vivo
Ele conta, orgulhoso, que já recebeu todos os troféus possíveis em relação a essa festa popular nos âmbitos municipal e estadual. Desde condecorações pela Câmara Municipal de Porto Alegre, ando pelo Troféu Imprensa - recebido em duas ocasiões, em 1989 e 1992, como o melhor repórter de carnaval em Porto Alegre -, até o Troféu Deputado Carlos Santos, conferido pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, o comunicador foi, em diferentes ocasiões, reconhecido pelas contribuições que realizou para a continuidade e preservação cultural e comunicacional dos festejos carnavalescos.
A novidade que compartilha com orgulho, no entanto, é ainda mais especial: a partir de 2025, ará a existir o Troféu Odir Ferreira. "A ideia foi da jornalista Fátima Oliveira, alguns anos atrás. Na prática, ele aconteceu neste ano de 2025, pelo promotor de eventos Israel Ávila. Ele me convidou para ser o troféu para essas pessoas que marcaram no Carnaval: baluartes", explica ele. O Troféu Odir Ferreira, assim, homenageará figuras históricas, vivas ou já falecidas, que contribuíram para a construção dos festejos na cidade. E batizar essa nova honraria, para ele, é um gosto que representa a colheita pelos frutos que plantou. "Sou o radialista que virou troféu", exclama ele, entusiasmado.
Afinal, 42 anos de Carnaval são um tempo de vivências que demandam não somente o fazer profissional, mas gosto pessoal e personalidade para a condução das ações. E, nisso, Odir tem mais do que experiência, mas características que o prepararam para ser um habilitado profissional da comunicação e da vida. Antes de realizar seus trabalhos, faz pesquisa e se aprofunda no material teórico produzido para a ocasião, estudando antes de ir ao microfone - como manda a boa prática radialística.
Odir estufa o peito para dizer que tem "orgulho de ser radialista". Dono de uma desenvoltura para os microfones e para a condução de diferentes pautas e programas, é na alegria, na diferença e nas festividades que encontrou seus propósitos de vida, orientados com muita justiça e integridade. Inquieto, mesmo depois de aposentado, ele não para: nos dias atuais, apresenta o programa O Abre Alas, do canal Carnaval Enfoco, às quintas-feiras à noite, em que recebe convidados de diferentes regiões do Estado e de Porto Alegre, versando sobre o cenário carnavalesco. "Eu tenho de estar sempre fazendo alguma coisa, tenho de ter uma atividade produtiva. Não sou daqueles que fica em casa. É isso que me leva a estar em ação até hoje: é não parar. Tô ligado em tudo o que é rede social. Sou um velhinho atualizado", comenta, com uma energia ímpar.
Ouvir Odir Ferreira é como entrar em contato com a história viva do Carnaval e com a experiência de quem, há anos, tem a habilidade de narrar com maestria o que acontece, pois não são apenas festejos, mas um estado de espírito. Ele se tornou um troféu e agora, é possível saber por quê.