Luiz Cláudio Cunha: Jornalista que fez história
Ele foi chefe de redação dos principais veículos de Comunicação do Brasil, cobriu fatos marcantes e foi muito premiado

Com agem pelos mais importantes veículos de imprensa do nosso País, 19 premiações no currículo e cobertura de momentos históricos, Luiz Cláudio Cunha é um jornalista cuja trajetória merece respeito. Natural de Caxias do Sul (RS), o gaúcho saiu da sua terra para decolar profissionalmente, e desde a década de 1980 vive em Brasília (DF), onde se diz muito feliz. Nascido em 15 de abril de 1951, tem muitas paixões na vida: a esposa, os filhos, os netos, o Tricolor, a labrador Mel e, é claro, o Jornalismo, que o consagrou.
Filho dos falecidos Alfredo Xavier da Cunha, bancário, e Lila Fontoura da Cunha, dona de casa, conta que, apesar de não ter herdado dos pais a profissão, certamente puxou à mãe o gosto pela leitura. Quando piá, como se diz pelas bandas gaudérias, lia muito gibi. "Tarzan, Zorro e FBI eram meus favoritos, até porque eu queria ser agente secreto", recorda. Um dos fatores que pode ter dado um empurrãozinho na escolha da carreira que seguiria foi quando, em 1966, morando em Curitiba (PR), o avô materno pedia ao neto que lesse para ele o jornal, visto que tinha um problema de visão que o impedia. "Primeiro eu lia a manchete e, se ele gostasse, lia a matéria", relata.
Falando em família, é o mais velho de quatro irmãos, sendo um falecido. Roberto, o caçula, morreu aos 49 anos, vítima de um assalto. Lamentando a perda inesperada, Luiz Cláudio recorda que o 'mano' era funcionário do Departamento de Marketing do Banrisul, e atendia às demandas publicitárias do Grêmio, seu time de coração. O outro irmão, Sérgio, 67, também se aventurou na Comunicação, sendo publicitário formado. Porém, atualmente está na área de Fisioterapia Cardíaca em São Paulo. Márcia, 63, a única mulher, também não fica para trás nessa família comunicativa - é Relações Públicas e também vive em São Paulo.
A esposa, por sua vez, é professora. Maria Jandyra Cavalcanti Cunha, mais conhecida como Janda, 71, é um dos seus motivos de orgulho. O marido envaidece-se ao descrevê-la, visto que é doutora em Linguística, pela Universidade de Lancaster (Inglaterra), e respeitada orientadora de dezenas de teses de mestrado e doutorado na Universidade de Brasília (UnB), na área de Letras, Linguística e Comunicações. O eterno repórter faz questão de registrar que a mulher é a primeira e mais rigorosa leitora. "Isso explica por que meus textos são legíveis e compreensíveis. Sem o filtro e o crivo da Janda, eu não sobreviveria como jornalista", enaltece.
Além disso, é grato à mulher pelos filhos. Casados desde 1973, são pais de Gabriela, 45, cientista política e gestora pública do Governo Federal; e Diego, 41, arquiteto de formação, mas que trabalha no laboratório da Câmara dos Deputados como especialista em Informática. Foram os filhos (com a colaboração decisiva da nora Lúcia e do genro Angel) que lhe deram a maior alegria dos últimos tempos, os quatro netos: Inaê, 11, Rudá, 7, e Gaia, 3, filhos de Gabriela; e Lara, recém-nascida, filha de Diego.
Nasce a paixão pela redação
Foi aos 15 anos, no auge da ditadura, que o jovem aspirante à repórter ou a se interessar ainda mais pelas notícias, começando a ler mais jornais e ficar antenado ao que acontecia no mundo. Devido à profissão do pai, mudaram-se para Londrina (PR), onde começou a trabalhar em uma rádio musical. Na cidade, descobriu um curso de Jornalismo da Folha de Londrina, que consistia em 15 aulas de formações básicas. O primeiro lugar da turma ganharia um estágio no jornal, e Luiz Cláudio foi o vencedor. Feliz duplamente, com o curso e com a vitória, foi dessa forma que deu início à caminhada como jornalista na editoria de Interior, experimentando o universo da redação e, devido ao contexto social, ando a entender o que era censura. "Comecei a perceber que havia um mundo real, que era abafado e sufocado pelos militares", revive. Nascia ali uma paixão que o acompanharia por toda a vida.
Em 1970, seu pai foi transferido novamente, agora para Porto Alegre (RS). Dependente dos pais, foi junto e saiu em busca de outra oportunidade na nova morada. Foi na porta da Zero Hora que bateu e foi recebido para ser estagiário. Começou na seção de Cidades, porém, após o expediente, seguia no trabalho, a fim de ver como atuavam os repórteres de Polícia. Um ponto que lhe chamava atenção era perceber que o repórter se comportava mais como tira do que como jornalista. Curioso, fez questão de conhecer as várias modalidades de Jornalismo.
Logo em seguida, novas portas começaram a se abrir, com desafios maiores e oportunidades melhores. Em 1971, recebeu um convite para a sucursal da Abril na capital gaúcha, coordenada pelo jornalista que muito irava, Paulo Totti. Mais que trabalhar com sua maior referência profissional, Luiz Cláudio estava dando um grande o em reconhecimento jornalístico e financeiro, uma vez que aria a receber quatro vezes mais do que ganhava no último emprego. Nessa época, tinha apenas 22 anos e diz que a experiência foi fantástica.
Diploma: ter ou não ter?
Mesmo exercendo a profissão de jornalista desde o primeiro emprego, decidiu cursar a faculdade de Jornalismo. "ei no vestibular da Ufrgs e achei um saco. Era aquela lenga-lenga, não era dinâmico. No outro semestre, tranquei uma porção de cadeiras para fazer o mínimo possível. Só estudava segunda e sexta, que eram os dias mais tranquilos da sucursal da Veja", explica. Para sua sorte, chegou um momento em que, devido a uma brecha na lei, quem trabalhava em jornal até 1969 podia solicitar o registro sem ter cursado a faculdade, porque era uma fase de transição da regulamentação da carreira. Com o atestado da 'Folha de Londrina', ganhou o registro profissional na carteira.
Feito isso, Luiz Cláudio conta ter feito algo do qual não se orgulha: "Me envergonho de dizer que abandonei a universidade, chutei o pau da barraca". Com o registro em mãos, ou a se dedicar integralmente à Veja, que, na época, era a maior revista semanal do Brasil. Abandonou os estudos no 2º ano porque achava que exercia a profissão com um dos melhores. No entanto, arrependeu-se muito, porque perdeu chances de fazer cursos no exterior e seminários. "É uma bobagem o que fiz, o que prova que sou jornalista burro", fala, mantendo o típico bom humor.
Jornalismo investigativo na veia
Com um currículo extenso, se abordada cada agem profissional, daria para escrever um livro. Atuando como repórter e chefe de redação na maioria das vezes, resumidamente - se é que isso é possível -, pode-se dizer que o jornalista ou pelos seguintes veículos: chefiou a redação do Estado de São Paulo (SP), Jornal do Brasil (RJ), Zero Hora (RS) e Diário da Indústria e Comércio (PR), assim como chefiou as sucursais das revistas Veja, de Porto Alegre e Brasília, e IstoÉ, também na capital federal, além da revista Afinal; e foi editor-contribuinte da Playboy. Em sua carreira, constam ainda O Globo, Correio Braziliense, Quatro Rodas, Exame e Placar.
Luiz Cláudio também foi fundador e vice-presidente da Coojornal, a primeira cooperativa de jornalistas do país, nos idos de 1975, do qual José Antonio Vieira da Cunha fora presidente. "É um dos orgulhos da minha vida", ressalta o jornalista, destacando que tratava-se de um bravo órgão da mídia alternativa de oposição à ditadura, no qual ele escrevia uma coluna de crítica ao Jornalismo chamada 'Perdão, Leitores', inspirada no 'Jornal dos Jornais' que o Alberto Dines fazia semanalmente na Folha de São Paulo.
De acordo com ele, quando o jornalista bota a cara na rua para fazer matéria, não pode se intimidar, tem que ir lá e fazer sua pauta. Sua matéria mais longa, mais difícil e mais importante, como classifica, foi a cobertura do sequestro dos uruguaios Universindo Diaz e Lilian Celiberti em Porto Alegre, em 1978. "Um comando do exército uruguaio em cumplicidade com a repressão brasileira foi à capital gaúcha sequestrar e torturar no Dops o casal ativista e os dois filhos, sca, 2 anos, e Camila, 8. A regra de ouro da clandestina Operação Condor era localizar, sequestrar, torturar, levar de volta para o país e matar", narra. Os uruguaios são, hoje, os únicos sobreviventes. "A única operação que não deu certo foi essa porque apareci no meio, junto do J.B Scalco (o fotojornalista). O sequestro dos uruguaios acabou sendo um escândalo internacional. E o casal sobreviveu graças à nossa aparição lá, pois, como o caso foi denunciado para a imprensa, eles não podiam matar", detalha. Essa matéria demorou quase dois anos para ser escrita.
Outro feito jornalístico histórico se deu em 2002, quando publicou uma série de reportagens sobre o megagrampo de 700 pessoas em sete estados, comandado pelo senador Antônio Carlos Magalhães, na Bahia. Na ocasião, quebrou o off, o sigilo da fonte, para não compactuar com o crime que lhe fora itido pelo senador. Segundo ele, em artigo publicado aqui no Coletiva.net, "o off é um instrumento do repórter que serve à proteção da boa fonte e da boa informação. O off é uma prerrogativa, não uma fatalidade, de atribuição exclusiva do repórter. É ele quem decide sobre seu uso, extensão e duração. Nem o editor, nem o veículo de comunicação excedem o poder solitário do repórter sobre o off. O repórter sustenta o off quando o off sustenta o jornalismo e a busca da verdade".
O reconhecimento como jornalista e cidadão
A série de reportagens sobre o Sequestro dos Uruguaios, publicada na Veja durante dois anos, rendeu-lhe a honraria principal do Prêmio Esso de Jornalismo, de 1979. Em 2008, lançou o livro 'Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios - uma reportagem dos tempos da ditadura', com a qual ganhou um Prêmio Jabuti e uma menção honrosa do Prêmio Vladimir Herzog, do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, ambos na categoria de Livro-Reportagem. A obra também conquistou, em 2010, a menção honrosa em Literatura Brasileira de não ficção do Prêmio Casa de Las Américas, em Cuba.
Outra distinção especial, não atribuída a uma matéria específica, e sim a toda bagagem profissional que carrega, lhe foi concedida pela Universidade de Brasília (UnB). Trata-se do Notório Saber em Jornalismo. "Fui o primeiro a ganhar esse prêmio, em uma cidade onde tem as sucursais mais importantes dos veículos mais importantes do País, portanto, onde am os melhores profissionais da imprensa brasileira. O fato de eu ganhar foi uma tremenda honra e uma surpresa. Eu, o idiota que tinha abandonado a faculdade, sem diploma, finalmente ganhei meu primeiro canudo formal, que me envaidece e orgulha muito", destaca, honrado. E complementa: "Muita gente tem diploma de Jornalismo, mas poucas pessoas têm um título de Notório Saber, que é o reconhecimento de um conhecimento da prática, no meu caso, de 40 anos de profissão".
Pela luta em prol dos Direitos Humanos, levou mais um prêmio. Foi a Medalha Chico Mendes de Resistência, em 2014, no Rio de Janeiro, conferida pelo grupo Tortura Nunca Mais. Nesse ano, foi convidado, por sugestão da então presidente Dilma Rousseff, para fazer parte da Comissão Nacional da Verdade, como consultor da área que cuidava da Operação Condor. A esposa Janda se somou ao grupo como redatora do capítulo 6 do relatório final, que trata justamente da situação que ele cobriu, com mais de 3 mil páginas.
Sobre o ofício do jornalista
O veterano de reportagem ressalta a importância jornalística na sociedade com duas palavras: lembrar e contar. "Todos temos que lembrar. E o jornalista tem o dever de contar". O que ele quer dizer com isso é que todos nós, independentemente da profissão, lembramos. E isso, para o jornalista, é uma condição indispensável, é a missão, o dever funcional, o dever de vida. "Isso é uma coisa que irrita muitos autoritários ditadores de todos os tempos, porque jornalista lembra e conta, e eles não gostam de ver seus crimes lembrados e contados", frisa.
Quanto às suas referências profissionais, em primeiro lugar cita Paulo Totti, que, aos 32 anos, já era o mais talentoso jornalista do Rio Grande do Sul. John Hersey é outro a quem ira. Autor do livro 'Hiroshima', o repórter da revista The New Yorker construiu um texto de 60 mil palavras. O material era tão bom que o editor da revista fez algo inédito: em vez de publicar uma matéria em capítulos, publicou toda matéria em uma única edição. "Ele deve ser lido e respeitado por todas as pessoas, não só por jornalistas", aconselha. Aos bons profissionais da imprensa, recomenda algumas leituras: 'A Primeira Vítima', de Phillip Knightley; 'Chatô, o Rei do Brasil', de Fernando Morais; 'A História da Civilização', de Will Durant; e 'Memórias da Segunda Guerra Mundial', de Winston Churchill.
Em relação ao Jornalismo atual, diz ter absoluta consciência de que a imprensa na qual trabalhou não é a mesma em que a nova geração vai atuar. Explica que onde trilhou a carreira é uma indústria muito cara - árvore, celulose, papel, rotativa, tinta, gasolina para colocar repórter na rua, foto impressa. Define como uma indústria economicamente condenada. Argumenta que, hoje em dia, as redes sociais eliminam essas dificuldades, tornando a imprensa mais barata e ágil. Mas alerta: "Acho que está se formando uma mídia muito mais leviana, sem profundidade. Ninguém mais lê texto longo, e não sei escrever uma história sem todos os detalhamentos possíveis. Isso é o antijornalismo de hoje".
E fora das redações?
Um homem amoroso com a família e com os pets, esse é Luiz Cláudio. Além de Mel, tem um casal de calopsitas: Bernardo e Bianca. "É o que sobrou dos muitos canários em gaiola que eu tinha. Um dia, minha neta maior, Inaê, me perguntou por que os arinhos viviam presos. Depois disso, abri as gaiolas e libertei todos. Agora, tenho gaiolas abertas nas quais os arinhos entram e saem, livres e soltos, comendo a ração que reponho todo santo dia. Minha neta tinha razão, também me sinto mais livre", respalda. Quanto à Mel, sua maior paixão, a descreve como inteligente, educada, mansa, querida, que não late, nem morde. "Não contem para minha mulher, para ela não ficar com ciúmes", brinca. Falando nela, completa a família o gato de Janda, o Gaspar, um felino "branquinho como Gasparzinho".
Fã de um bom cochilo, em contrapartida, acorda cedo para escrever. Agora, publica artigos no Observatório de Imprensa, um veículo jornalístico focado na crítica da mídia; no Congresso em Foco, um site jornalístico que faz uma cobertura apartidária do Congresso Nacional; e no jornal gaúcho Já. Para se concentrar ou relaxar, aprecia muito ouvir música clássica, jazz ou os sons da natureza. Como não poderia deixar de ser a um bom jornalista e escritor, lê muito, inclusive adepto do Kindle. Outra atualidade que caiu no seu gosto foi o Netflix, onde assiste documentários e filmes de guerra.
Luiz Cláudio é muito sincero e considera essa sua principal qualidade. Ateu e darwinista, é veemente em suas opiniões, o que, inclusive, considera seu principal defeito. Para falar sobre isso, relata uma cena do filme 'As Aventuras de Pi', em que o pai diz ao filho que religião é escuridão. "Essa frase brilhante resume o que eu penso de todas as crenças que embasam o pensamento, que reduzem o homem à condição de devotos submissos, que seguem sem pensar mitos e messias, como tantos idiotas hoje fazem no Brasil com o seu Messias capitão", posiciona-se.
Apesar da indignação com crenças, política e sociedade, é um sujeito que acredita na humanidade, e que o ser humano vale a pena ser defendido. E não é isso que faz o Jornalismo? Defender o ser humano do bem e íntegro em prol de uma sociedade justa, ética e democrática? Que assim siga sendo, Luiz Cláudio, mesmo diante de um novo jeito de fazer Jornalismo. Que teus valores sejam perpetuados a favor do Jornalismo e da humanidade.