Paulo Franken: Hora de recomeçar
Depois de um transplante de fígado, o fotógrafo assegura que vive hoje uma vida bem intensa.
O fotógrafo porto-alegrense Paulo Roberto Franken da Silva carrega no rosto um semblante tranqüilo. A fala serena e pausada revela que não tem pressa de viver a vida e que aproveita cada instante ao lado da família em sua casa, na Zona Sul da Capital, num cenário composto por uma paisagem verde e embalado pelo canto dos pássaros. Franken nasceu em 27 de fevereiro de 1952, mas agora também possui uma outra data para comemorar: 30 de março de 2007, dia em que foi submetido a um transplante de fígado, no Hospital Dom Vicente Scherer, unidade de transplantes da Santa Casa de Porto Alegre. A cirurgia foi bem-sucedida, e o profissional já está há seis meses com o órgão novo. A partir deste momento, uma nova vida se iniciou ao lado dos filhos Adriano, 36, Bárbara, 26, e Lara, 14, e da esposa Anália, com quem é casado há 26 anos. Nos momentos mais difíceis, nos dias de angústia à espera de um doador, Anália se manteve sempre perto, apoiando e dando forças para o marido.
No início, auxiliar
Franken conta que a idéia de se tornar um fotógrafo profissional surgiu por acaso. Tudo começou num final de semana qualquer, quando o tio Otacílio Freitas Dias, que era fotógrafo do Correio do Povo e da Folha da Tarde, o convidou para trabalhar como auxiliar em seu laboratório de fotografia. "Eu não sei por quê, mas tudo começou naquele final de semana. Tinha 17 anos e só estudava. Naquele final de semana, meu tio fez a proposta e eu acabei aceitando", conta. Lá, ficou por dois anos e aprendeu a trabalhar com imagens, fazer revelações e cópias. Mas a vida no laboratório não era algo que entusiasmasse. "Eu gostava de ver os colegas do meu tio que eram da Caldas Júnior, com aquelas câmeras Nikon e F1 nas mãos. Ficava deslumbrado. Não tinha nem coragem de manuseá-las", lembra. Foi também pela indicação do tio que Franken começou a exercer a função de auxiliar de laboratório do fotógrafo Luís Carlos Contursi. Bastou um ano trabalhando no local para ser contratado e obter seu registro profissional como jornalista, na função de repórter fotográfico.
A carreira começou a engrenar e, em 1972, entrou para a equipe da Zero Hora. O fotógrafo estava apenas há um ano na empresa quando foi designado para cobrir as viagens da dupla Grenal em um campeonato nacional. Era a grande chance para demonstrar seu talento. "Lembro quando o Telmo Curcio, que era o editor de fotografia na época, disse pra mim que faria uma loucura e me mandaria fazer a primeira viagem nacional. Como é que eu iria dizer não se esta era minha oportunidade?" Antes de iniciar o tour pelo Brasil, recebeu dicas de transmissão de imagens do chefe de laboratório da Zero Hora, Geraldo Calisto. A sua missão naquela viagem não era apenas fotografar, ele teria que pôr em prática todo o aprendizado adquirido na área para revelar, copiar e transmitir as fotos para serem publicadas. "Foi nesta hora que eu pensei: este é meu momento! Ou eu me afundo de vez ou vou me dar muito bem", lembra.
A viagem pelo Brasil durou 30 dias. ou por cidades como Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Salvador, Recife, Natal e Campina Grande. "Foi gratificante! O início de toda a minha carreira na reportagem fotográfica, eu devo à Zero Hora. Para mim, a Zero Hora foi o início de tudo", diz. Ao retornar, foi recebido com elogios e a certeza de que havia sido aprovado com mérito. Franken se destacava por não ficar apenas no básico, que eram as fotos dos treinos realizados pelas equipes. Ele procurava enviar para a redação imagens que situassem onde os times estavam. "Levei o jogador Yura, que era meio-campo do Grêmio, para a praia onde ficava o Farol da Barra e consegui posicionar o farol na mão dele. A foto foi capa do jornal."
Propostas tentadoras
Em janeiro de 1974, o fotógrafo foi cobrir o Festival de Cinema de Gramado, encarregado pelo seu editor da tarefa de trazer uma imagem com "um pouco mais de molho". O propósito foi cumprido: Franken conseguiu convencer a atriz Nídia de Paula, um dos destaques do Festival, a fazer um topless na piscina do Gramado Tênis Clube. Ele lembra que, na época, o assunto era discutido na França e acabou lançando moda no Brasil. Mas como a foto não foi obtida com exclusividade, pois outros profissionais aproveitaram para registrar o momento, conversou novamente com a atriz e sugeriu que ela posasse nua para ele. Nídia de Paula aceitou, e as fotos do ensaio exclusivo resultaram na capa da primeira edição dominical de Zero Hora.
A repercussão do trabalho realizado durante o Festival de Cinema lhe rendeu um convite para trabalhar na Folha da Manhã. "Em fevereiro, o editor Assis Hoffmann me convidou para integrar a equipe que era considerada a melhor do Brasil. Faziam parte dela o professor Ruy Carlos Ostermann, Elmar Bonnes e Caco Barcellos. Só tinha feras!" Mas a agem pela Companhia Jornalística Caldas Júnior foi curta. Franken trabalhou no local por apenas 5 meses. "Eu não sei o que me deu! Quando cheguei no prédio da Caldas Júnior, não me sentia bem, não gostava de ir para lá. O primeiro amor foi a Zero Hora" , revela.
Pé na estrada
Para não voltar "correndo" para a Zero Hora, juntou suas economias e resolveu fazer uma viagem pela Europa. Ficava cerca de uma semana em cada cidade que conhecia. "Era época do "Pé na estrada", todo mundo estava viajando. Fui aproveitar o final do verão europeu. Desci em Lisboa, depois fui para Madri, Paris e Munique. Me ambientei tanto em Munique que acabei ficando por lá uns dois meses numa casa de estudantes", relembra. O retorno para a capital gaúcha aconteceu em novembro.
Em 1975, voltou para a ZH e lá ficou até 1980, quando foi convidado para trabalhar na extinta revista Manchete. "Já tinha a experiência de ter trabalhado com cromo, mas foi um novo aprendizado quanto ao tratamento deste material. Foi gratificante sair do preto e branco para lidar com cores", diz. Em 1986, resolveu pedir demissão, chegou, inclusive, a receber um aumento para não sair, mas já havia decidido que iria viver somente dos trabalhos free-lancers que possuía. E assim foi, durante dois anos. Entre muitas idas e vindas, em 1988 o bom filho à casa torna: estava de volta à Zero Hora, onde permanece até hoje. "Estavam reorganizando a fotografia. Olhei meu talão de notas dos free-lancers, fiz as contas e percebi que era melhor voltar", afirma.
De batalhas se vive a vida
Em 1998, Franken foi consultar um médico devido às dores que sentia nas articulações e recebeu a notícia que iria abalar sua estrutura emocional e modificar sua vida. Estava com hepatite C. As dores que ele sentia eram sintoma da doença, que é uma inflamação do fígado causada por infecção pelo vírus da hepatite C e que pode levar à cirrose e ao câncer. "Quando o doutor diagnosticou a doença, eu fiquei arrasado. Sentia uma angústia, um medo e pensava que minha vida tinha acabado", lembra.
O médico que o tratou recomendou uma consulta com um especialista para iniciar um tratamento ou realizar um transplante. O apoio da mulher, dos filhos, dos amigos e dos colegas foi essencial neste momento e, mesmo realizando o tratamento, Franken não itia que estava doente. "ei esses anos com uma mistura de arrogância mais o medo de tratar a doença. Não consegui itir o fato de que estava doente." Depois de seis meses de tratamento, foi diagnosticado que a inflamação havia voltado. "Minha única saída era o transplante. Não existia mais prepotência nem medo. Ou era o transplante ou eu tinha que me entregar à morte", recorda.
No início deste ano, o fotógrafo teve uma hemorragia e foi internado na UTI, onde permaneceu por cerca de 45 dias. Foi quando vivenciou o momento mais tortuoso de sua vida. Franken lembra que chegou a pensar em desistir. "Eu queria morrer em casa, queria ir embora, não queria mais ar por tudo aquilo. Mas minha mulher não deixou que isso acontecesse. Anália chamou um enfermeiro, e ele tratou de me acalmar e disse para mim que este era o momento difícil da minha vida e que eu deveria superar isso". Nesse período, a luz, que sempre foi primordial para a realização do seu trabalho, não era mais vista pelo fotógrafo. Ele já não sabia em que dia da semana ou do mês estava. Havia perdido a noção de tempo. "Na UTI, é a mesma coisa sempre. Eu acompanhava as horas pela intensidade da lâmpada florescente, pois quando era noite ela baixava", relembra emocionado.
Foi no dia 30 de março que Paulo Franken nasceu novamente, depois de ficar 8 horas em uma sala de cirurgia para receber o órgão novo. "Quando acordei, eu não sentia as pernas nem o quadril, mas sabia que elas estavam lá porque tinham sensibilidade. Não conseguia movimentar as pernas, pois elas pesavam uma tonelada. Depois, descobri que esse era um quadro normal para quem a por um transplante." Mas a tensão continuava, agora a preocupação era com a possibilidade de o organismo rejeitar o órgão. "Quando o coração pára, você morre, mas quando o fígado deixa de funcionar, todo o teu organismo fica debilitado. As câimbras começam, os músculos ficam atrofiados e os batimentos cardíacos mudam."
Já são seis meses de vida nova. Franken segue se recuperando, porém tem que tomar certas precauções, como usar máscara e evitar contato com pessoas resfriadas. "Pequenos vícios, como cigarro, eu eliminei há muito tempo. Não bebo há 10 anos e hoje tenho que tomar muita água. Aos poucos, fui me adaptando a essas mudanças". Depois do transplante, a perspectiva de vida também mudou. O humor melhorou e a visão que ele possui sobre a vida agora é mais realista. "Eu saí de um quadro que era cirrótico, cancerígeno e anêmico e hoje recuperei inclusive meus cabelos. Saí com uma qualidade de vida superior à que eu tinha antes de saber da minha doença. Foi uma vida bem intensa, aliás, é uma vida bem intensa".
