Gerson Lattuada: Espírito de redator
Inquieto e apaixonado pelas palavras, o publicitário Gerson Lattuada é uma mescla de disciplina e criatividade
Por Karine Viana - 18/10/2013
Para o publicitário Gerson Lattuada, os meios parecem justificar os fins. Ao falar de cada detalhe que remonta o quebra-cabeça da sua vida, está a preocupação em explicar os porquês. O porquê da escolha pela publicidade, o porquê da opção de ar uma temporada em Londres, o porquê se considerar uma mistura dos pais ou o porquê de aceitar uma infinidade de desafios que se apresentaram durante a trajetória profissional.
O redator da Paim é um libriano nascido no dia 25 de setembro, um quase cinquentão que há mais de 20 anos atua no mercado publicitário. Embora conhecedor de diversas áreas da publicidade, foi na redação que encontrou seu habitat, paixão confirmada ainda durante o primeiro estágio, quando lhe apresentaram os redatores da agência Símbolo. Hoje, Gerson faz brincadeira com a sensação oportunizada pelo encontro, e compara o momento a uma cena do filme O Senhor dos Anéis. "É mais ou menos como no filme. Me apresentaram os hobbits e eu pensei: Sou dessa turma!", brinca.
A intimidade com a área de humanas e com as palavras sempre foi natural. Ele tanto não é fã dos números que também não consegue guardar datas. Mas a aptidão pela Publicidade e Propaganda, até ingressar na PUC, ainda nos anos 80, foi se construindo. Pelo caminho, um flerte com Psicologia e com Jornalismo. Na época, esta última opção não se apresentava como um futuro muito promissor. A alternativa foi encarar a publicidade com o intuito de seguir carreira como redator, numa área em que a grande maioria pensava em seguir para a área da criação. E isso ainda lhe dava certo medo, uma espécie de insegurança.
Com o pé no mercado
Gerson sempre viu a publicidade como uma atividade baseada na experiência. Considera extremamente importantes os estudos e conceitos, dos quais não se pode abrir mão. Mas, para ele, os conteúdos não estavam em plena consonância com o mercado. O publicitário compara a área ao estudo de uma linguagem, em que é preciso estar imerso naquela língua, ou seja, na pulsação do mercado. É na experiência que se conhecem a dinâmica e a relação entre os profissionais, os desafios que se apresentam e suas soluções, além de reconhecer os exemplos certos e os errados.
Estar inserido nesta berlinda de competição e disposição é, para Gerson, algo que somente o mercado permite. E toda esta explicação detalhadamente esboçada pelo publicitário serve para explicar o motivo que o levou, durante mais de uma vez, a se afastar do meio acadêmico para se dedicar a projetos em agências.
Tão logo ingressou na faculdade, começou uma incessante busca por uma oportunidade de trabalho. Com a dificuldade de se inserir no mercado da Capital, conseguiu vaga em uma agência de Novo Hamburgo, a atual Pró Target. Neste período, Gerson deslocava-se diariamente até o Vale dos Sinos, no carro emprestado da mãe, para fazer o estágio. "Foi mais fácil entrar em Novo Hamburgo para conseguir fazer um portfólio de trabalho relevante", justifica. Depois de três semestres de faculdade, interrompeu o curso, o que, segundo ele, instaurou uma crise na família.
A compreensão de que era importante a formatura o levou de volta aos bancos da faculdade, mas desta vez se deparou com um currículo novo e os cerca de dois anos que faltavam até a formatura transformaram-se em três. A visão do curso já era menos romântica, uma vez que já estava no mercado, desta vez com um salário que lhe permitia pagar a própria faculdade até a formação, no início dos anos 90. Com o MBA, iniciado na ESPM, foi parecido: concluiu apenas a metade. O interesse em fazer mestrado não foi levado em frente devido à incompatibilidade de horários, que exigia disponibilidade em horários alternativos, como o meio da tarde.
Do portfólio aos desafios
O primeiro estágio, motivado por uma professora que tinha uma pequena agência, oportunizou ao jovem conhecer toda a operação de uma empresa do gênero. Ali, teve seu contato com a redação e com alguém que teve a paciência de ensinar os formatos e possibilidades de um texto publicitário. Já com um portfólio em mãos, ou pela SLM, então ainda com a chancela Ogilvy, onde acredita ter começado um "trabalho de gente grande", com contas maiores.
Conviveu com o que considera "grandes profissionais", citando Roberto Philomena como um deles, um redator com quem aprendeu muito. Foi um trabalho conjunto, que envolvia Gerson, Philomena e Luiz Judice. Não tardou para que Telmo Ramos, que já havia trabalhado com Judice, os convidasse a ir para a Competence. Por esta e outras o publicitário acredita que, num mercado competitivo como o da publicidade, é interessante quando se criam laços com algumas pessoas - exatamente como foi o caso dele com os colegas com quem trabalhou.
Lá no início dos anos 90, após deixar a Competence, Gerson ingressou pela primeira vez na Paim. Atuava como redator, mas um assédio da antiga agência e a promessa de assumir como diretor de Criação o motivaram a retornar à Competence. A experiência lhe permitiu estar no front office com o cliente e a compreender mais a criação a serviço não só de uma grande ideia, mas da associação ao resultado, ao negócio do cliente.
Exemplos de berço
Gerson sempre teve uma excelente relação familiar. E isto está explícito na forma como fala dos pais e dos irmãos, sem constrangimento algum de dizer que se orgulha de todos eles. O pai, Felipe Lattuada, foi diretor da Brahma, enquanto a mãe, Lorena Grissolia Lattuada, era professora de artes na rede estadual. Ambos tiveram grande influência na vida do publicitário, desde a disciplina e exigência do pai até a capacidade de improviso da mãe. O pai não determinava um caminho a seguir, mas provocava se a autoexigência era suficiente. "Eu via muito a disciplina e rigor dele. Me serviram como exemplo de que era importante estar alerta, era importante saber onde se queria chegar, sempre com uma ideia de ética", lembra. Lorena, ao contrário, tinha um lado mais solto, mais criativo. "Era um pouco da soltura e muito da criatividade", afirma Gerson, que se considera uma combinação de tudo isso.
Os irmãos, André e Anderson, ambos mais novos, também têm seus nomes citados com orgulho, assim como suas carreiras. Um trabalha com comércio exterior, enquanto outro, caçula, tem uma empresa na área de informática. Outra atitude que lhe enche de orgulho é lembrar da causa abraçada pelos pais, da Casa Menino Jesus de Praga, onde o casal Lattuada fez um trabalho exemplar.
Ao relatar a afinidade com a família, não fica difícil perceber o quanto foi difícil a perda do pai, por volta de 1995. A forma súbita como se deu a morte foi atenuante no trauma. Gerson Lattuada menciona que parecia ter perdido o chão e chegou a beirar uma crise. Com um turbilhão de coisas acontecendo, interrompeu o trabalho e seguiu para solo britânico. Permaneceu três meses no interior da Inglaterra e ficou o restante do tempo em Londres, sempre dedicado a estudar o idioma inglês. "Vendi o carro, peguei algumas economias, deixei minha mãe arrepiada e fui morar em Londres", resume.
Um capítulo à parte
Retornou ao Brasil com a certeza de que, embora pudesse receber ofertas para trabalhar fora do Estado, permaneceria em Porto Alegre. Corria 1997 quando chegou à Martins+Andrade Comunicação, mais uma vez assumindo o cargo de diretor de Criação. Foi na agência que se familiarizou não só com questões ligadas ao planejamento, como começou a conjugar mais o plano criativo, ao se tornar sócio da empresa, onde ficou por um longo período, cerca de 13 anos.
A Paim voltou a ser o destino diário de Gerson há alguns anos (a dificuldade com as datas o impede de precisar os períodos com exatidão). Mas o que o levou a deixar a Martins, quando era sócio? Ele explica: "A grande tendência natural é se fixar naquilo que é seguro. Nossa natureza não é de correr riscos. No entanto, a ideia de que é preciso uma pitada de adrenalina na vida faz com que se corra alguns riscos, numa tentativa de se manter ?vivo?. Sou um cara que não é movido pelo cartão de visitas, mas pelos desafios".
Outro capítulo à parte foi o retorno à universidade, mas dessa vez como professor. Lecionou a disciplina de Redação Publicitária na PUC e na ESPM, entre os anos de 2000 e 2008. "Foi uma delícia. Uma nostalgia voltar para o curso onde me formei", lembra Gerson, que tentou rear aos alunos aquilo que sentia falta nos bancos da faculdade, o que lhe rendeu "relações fortíssimas" com as turmas.
Em casa
O redator afirma não se apegar a coisas materiais. É apaixonado por viagens e diz que, para compensar o que chama de "jornalismo frustrado", se referindo a um texto mais longo, costuma participar de oficinas literárias e mantém um blog de poemas. É eclético assumido. Dos livros e revistas à música, com exceção do rock pesado. Para ele, essa miscelânea é essencial na vida de um publicitário. O problema, acredita, é não conseguir remontar uma história para á-la adiante: lê um livro, entra dentro da trama, mas não consegue contar o enredo a terceiros.
Casado, mas morando sozinho, Gerson faz questão de explicar que mantém uma relação estável de 11 anos com o designer de interiores João Alfredo Thompsen, o Johnny Thompsen, por quem afirma nutrir grande iração. O casal residiu junto durante três anos, até optar por continuar o relacionamento em ambientes separados. Hoje, no entanto, estão pensando em novamente dividir o mesmo apartamento.
Em casa, costuma receber os amigos. E como bom anfitrião, está sempre na busca de novas receitas. Afirma ser especialista em risotos e massas, mas também gosta de comida tailandesa, arriscando alguns pratos. As viagens são constantes, tanto que, sempre que possível, gosta de encarar uma estrada. Para perto ou para longe, o importante é viajar. "Das coisas que a gente leva, se é que tem, é o olho que a gente coloca no mundo", conta.
Quanto ao futuro, se idealiza como uma pessoa com a mesma energia que carrega hoje, com "capacidade de correr atrás das bolas", dono de uma explosão suficiente que lhe permita isso e rodeado de pessoas. "Acho que daqui a dez anos quero ver um pouco dos resultados dessa criação toda de hoje", finaliza.