Carlos Alberto Carvalho Filho: Do limão à limonada

Ele é um executivo obstinado que se supera nas adversidades, como a gagueira que o acompanha desde a infância, mas não o impede de ter sido um bem-sucedido vendedor e, hoje, um aplaudido palestrante.

Como seqüela de um seqüestro-relâmpago que sofreu aos 5 anos de idade, Carlos Alberto Carvalho Filho, 43 anos, diretor de Marketing do Banco Matone, cultiva a gagueira que, hoje, se tornou sua marca registrada. Natural de Porto Alegre, o executivo, que também é um palestrante bastante requisitado em sua área de atuação, supre a dificuldade oral com a comunicação não-verbal. Domina como ninguém o uso de gestos e olhares e abusa das pausas e entonações. "Eu fui aprendendo a lidar com isso e fiz do limão uma limonada", brinca ao explicar que transformou a característica em uma vantagem competitiva no mercado de trabalho.


O problema da fala ocasionou para Carvalho uma infância marcada pela baixa auto-estima. O trauma fez com que o menino se ensimesmasse, guardando o sofrimento de ser alvo de chacota dos colegas durante toda a vida escolar. Eu pensava: "Deus, por que me fizestes gago? E, hoje, dou graças a ele por ser assim", conta, fazendo uma retrospectiva e mostrando-se satisfeito com sua condição. No entanto, no momento do vestibular, embora sentisse afinidade pela área de ciências humanas, optou pela Engenharia Civil. "Assim eu não precisaria me comunicar", ironiza.


Dificuldade pouca é bobagem


Foram cinco intermináveis anos de cálculos, entre 1981 e 1985, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, com direito a estágios na área. Entretanto, assim que se formou, ele guardou o diploma em uma gaveta e foi trabalhar como vendedor. Atualmente, ao lembrar de sua graduação, avalia de forma positiva o aprendizado que adquiriu: "A Engenharia me deu o raciocínio lógico e a objetividade, muito úteis no Marketing. Mas não tenho vontade de trabalhar no setor". Apesar dos pesares, Carvalho gosta muito de falar e, ao longo da vida, buscou a superação. Forçou-se a participar de cursos de teatro, oratória e até de apresentador de TV. O trabalho de vendedor foi mais uma tentativa de aprimorar-se. 


O emprego, na multinacional norte-americana Xerox, fez com que ele desenvolvesse uma maneira própria de se comunicar e vender. "Eu me dei conta de que existem muitos profissionais que falam bem, mas gagos que falam bem são poucos. Me tornei líder desse segmento!", diverte-se. A promoção a supervisor e, posteriormente, a gerente de vendas veio em poucos anos.


Em 1989, época em que estava na empresa, cursou uma pós-graduação em Marketing, na PUCRS. Assim, sua vida acadêmica, que havia começado de maneira inusitada, tomava rumo certo. O mestrado, concluído recentemente, em 2004, foi o segundo o, seguido pelo doutorado, que está em andamento - todos os cursos nas áreas de Marketing e Comunicação. Para Carvalho, esta é a chance de resgatar sua "vocação de homem de comunicação, embora, hoje, eu esteja mais voltado para os aspectos mercadológicos".


Saindo da Xerox, em 1993, o executivo manteve atividades de empresário na área de consultoria e ingressou no ramo de marketing. Chegou a criar uma empresa própria no segmento de fotocopiadoras, mas optou por atuar no Banco Matone, onde está há quase seis anos como diretor de Marketing. Atualmente, concilia o trabalho no banco com os estudos na universidade, mantendo-se atualizado sobre o mercado e a academia.


Contudo, foi no início do ano ado que Carvalho deparou-se com o maior desafio de sua vida. A convite do amigo Antônio Donádio, diretor comercial da Rádio Gaúcha, ministrou uma palestra sobre marketing e criatividade para a equipe do veículo e foi bem aceito pelo grupo de ouvintes. O bom desempenho resultou em outros convites para apresentações dentro da própria RBS e também em outras empresas como a Claro, a Losango e o HSBC. Os temas abordados por ele têm sinergia com sua trajetória pessoal. Giram em torno de equipes de venda e fatores motivacionais.


A nova empreitada do executivo chamou a atenção dos jornalistas da Revista Você S. A. Resultado: sua história de esforço e sucesso estampa duas páginas da edição de setembro da publicação. A divulgação das palestras através da revista alavancou o trabalho de Carvalho, que deixou de ser apenas regional para atingir o âmbito nacional. "Surgiram convites para trabalhar com universidades e empresas, não apenas no Rio Grande do Sul, mas em diversos Estados do país". A média é de, pelo menos, duas palestras por mês, em algum lugar do Brasil, e platéias que variam entre 150 e 400 pessoas. Dessa forma, sua rotina atribulada, que já era composta pelo trabalho no Banco Matone e pelo doutorado, ou a incluir, também, as viagens.


Superação sempre


Foram muitas as fonoaudiólogas na vida de Carvalho. Hoje em dia, elas já não fazem mais parte de seu cotidiano por dois motivos. Primeiro, porque a gagueira tornou-se um ponto a seu favor e, segundo, pela forma de falar que ele desenvolveu, com a ajuda dessas profissionais, que é controlada e agradável de ser ouvida. "Lembro de uma fonoaudióloga húngara, já falecida, que me dizia para saborear as frases, as palavras, e não ter pressa de chegar ao final delas", conta, revelando que treina isso e tenta colocar em prática sempre.


Uma característica forte do executivo de marketing é o vasto vocabulário. Ele explica que, cada vez que percebe que vai "trancar" em uma determinada palavra, faz a substituição por um sinônimo antes mesmo de dizê-la, em um processo muito rápido. "Teve um episódio, durante uma palestra, em que eu percebi, enquanto falava de marketing, que ia trancar na palavra característica e me veio na cabeça a palavra apanágio", narra. E assim o fez, com a seguinte frase: "Um dos apanágios desta situação?", provocando uma reação de surpresa na platéia. "Eu tive que rir. Acabei explicando para eles que, como eu sou gago, eu tenho que ter muitas palavras para substituir aquelas em que eu vou gaguejar", relata. Sua boa memória é o grande trunfo para executar este jogo de palavras, já que as acumula durante suas leituras e as guarda quase que inconscientemente. "Não é que eu fale difícil, é que eu preciso desses sinônimos", alerta.


Com tantas histórias, Carvalho pode ser considerado um case "de posicionamento", como ele mesmo diz. Por isso, pensa em escrever um livro para vincular o conteúdo acadêmico de Marketing, tendo como referencial a sua "volta por cima". Ele esclarece: "Não vai ser um livro de auto-ajuda, embora possa ter pitadas disso, mas vou buscar inserir fundamentos de marketing". E brinca mais uma vez ao dizer que, como palestrante, deve lançar um livro. E, sério, revela que está em seus planos desenvolver uma outra publicação, esta sobre "comunicação boca-a-boca", tema de sua dissertação de mestrado.


Quem sai aos seus não sai aos estranhos


É casado há 19 anos, com Mirela da Cunha Carvalho, 42 anos. Tem dois filhos, Juliana, de 17, e Felipe, de 13. Embora sejam muito jovens, o pai já arrisca palpites sobre o futuro profissional de ambos. "A mais velha quer ser arquiteta, já o mais novo é muito falante, faz amigos com facilidade", avalia. À primeira vista, Juliana herdou o talento para a matemática que o pai exercitou na faculdade de Engenharia, enquanto Felipe puxou a desenvoltura e o gosto pela comunicação, aplicados no cotidiano do pai. Coruja, ele exalta as qualidades dos filhos: "Os dois são ótimos, cada um ao seu estilo".


Preocupado em participar do crescimento dos filhos e do convívio com a família, o executivo encontra tempo para levar e buscar os adolescentes de festas e cursos e não dispensa uma partida do seu time do coração, o Grêmio, ao lado de Felipe - que também é fanático pelo tricolor. "Acompanho todos os jogos, no estádio ou pela TV, não abro mão disso", ressalta. Quando viaja e sabe que haverá uma partida na cidade onde está, corre para comprar ingressos. O mesmo acontece com as igrejas. Católico praticante, Carvalho vai à missa todos os domingos. E, se não está em Porto Alegre, encontra uma igreja onde estiver. Ele atribui sua religiosidade a uma cultura familiar e também a suas vitórias sobre a gagueira.


Nos finais de semana, quando não há palestra, ele pode ser encontrado em casa rodeado de amigos. "Gosto de estar rodeado de gente, acho que isso é reflexo do meu trabalho com a comunicação", justifica. Os amigos de Juliana e Felipe, segundo ele, também gostam de freqüentar sua casa e aumentam a circulação de pessoas aos sábados e domingos. "Eu e minha esposa gostamos disso e criamos esse clima", descreve. Muito ativo, ainda encontra tempo para ler, jogar tênis e caminhar periodicamente. Muitas vezes antes de trabalhar, acordando muito cedo. 


Mas a grande surpresa no que se refere à vida pessoal desse bem-sucedido executivo é a habilidade na cozinha. "Sou gourmet", afirma. Participa de um grupo formado por empresários e executivos, que se reúnem uma vez por mês, para cozinhar pratos novos e muito incrementados, que são batizados assim que ficam prontos. "O último prato que fiz foi uma massa negra com molho de nozes, camarão e tintura de lula. De sobremesa fiz morangos com sorvete e molho de vinagre balsâmico, pimenta e açúcar".


É obstinado e imediatista. Sua maior qualidade e seu maior defeito, respectivamente. Acaba se frustrando quando não consegue realizar algo, mas assegura que trabalhará isso e vencerá mais este obstáculo. Alguém aí duvida?

Imagem

Comments