Rosina Duarte: Disposição ilimitada para fazer o bem
Depois de 15 anos como repórter nos principais veículos gaúchos, a jornalista decidiu se dedicar exclusivamente aos projetos sociais
O semblante sereno e o sorriso constantemente estampado no rosto não escondem a verdadeira face de uma mulher com disposição ilimitada para fazer o bem. Depois de 15 anos atuando como repórter nos principais veículos de comunicação do Rio Grande do Sul, a jornalista Rosina Duarte decidiu se dedicar exclusivamente aos projetos sociais, usando a sua experiência com as palavras para amenizar a triste realidade de moradores de rua, por exemplo.
Sempre atenta às injustiças, dedica a sua vida ao trabalho que envolve causas sociais. Ela é uma das fundadoras da organização não-governamental Alice (Agência de Livre Informação, Cidadania e Educação), que é responsável pelo jornal Boca de Rua, dedicado a orientar e defender os moradores de rua. Rosina também é integrante da ONG Ashoka e autora dos livros Contos Sem Fadas: Retalhos da Memória e SOS Comunicação: Estratégias de Divulgação para o Terceiro Setor.
Pelas causas sociais
Ainda na infância, a gaúcha, nascida em Bagé no dia 22 de fevereiro de 1957, mudou-se para a Capital com seus pais, que estavam em busca de um emprego e de uma vida melhor. Rosina conta que a viagem rumo a Porto Alegre foi feita de Maria Fumaça. Entretanto, com oito anos, a família retornou ao interior, pois o pai havia conseguido um trabalho em um cinema, na cidade de Santana do Livramento. A jornalista relata que durante quatro anos morou em cima do cinema e define esta experiência como "fantástica", pois assistia a todas as sessões, com exceção daquelas impróprias para menores de 18 anos. Como seu quarto ficava ao lado da sala de projeção, também dormia embalada pelas trilhas sonoras dos filmes.
A idéia de cursar jornalismo surgiu aos 10 anos de idade, influenciada pelo avô materno, que era radialista, e pelo avô paterno, jornalista. "Na verdade, não sei bem por que escolhi, mas nunca pensei em fazer outra coisa na vida. Naquela época, diziam que não era profissão para mulher, mas nem dei bola e nunca me importei", conta.
Com 13 anos, já trabalhava e fazia de tudo um pouco para ajudar na renda da família: fez decoração de clube, vendeu cartazes, artigos de tricô e crochê, também cuidou de crianças e chegou, inclusive, a trabalhar com desenho, fazendo retratos. Aos 18 anos, retornou à capital gaúcha para cursar Jornalismo. Começou a faculdade na Ufrgs e formou-se em 1981 pela PUC, com auxílio de crédito educativo. "Detestei a faculdade, pois na época que estudei tinha um monte de modelo e jogador de futebol. Só fiz a faculdade porque queria mesmo ser jornalista."
O primeiro emprego na área foi com comunicação interna, no Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). Durante os 15 anos que atuou como repórter, a maior parte do tempo, na editoria geral, registrou agens pelas revistas Istoé e Exame e pelos jornais Correio do Sul, de Bagé, Folha da Tarde, Diário do Sul e Zero Hora, onde atuou por mais tempo - entre idas e vindas, permaneceu 10 anos no veículo.
Hora de reinventar o jornalismo
A insatisfação com o rumo que o jornalismo estava traçando naquela época fez com que ela fosse buscar um novo sentido para a sua profissão. "Cada vez menos noticiávamos aquilo que achávamos que era a verdadeira razão de ser do jornalismo: o cidadão comum, a crônica da cidade, o registro da vida cotidiana. E, cada vez mais, o foco era o registro do imponderável, da exceção. Comecei a me incomodar com a forma que as coisas estavam se desenhando, pois tínhamos mais informação sobre a guerra do Iraque do que sobre o que acontecia na própria comunidade!"
Foi com base nesses conceitos e ideais que nasceu a ONG Alice, com o objetivo de desenvolver projetos de comunicação voltados para a área social; discutir o comportamento, a ética e as tendências da imprensa; formar leitores críticos; e contribuir para democratizar e qualificar a informação no país. Formada por jornalistas e profissionais de diversas áreas, a Alice iniciou suas atividades em 1999 e hoje desenvolve projetos para três públicos: moradores de rua, prostitutas e mulheres de terceira idade,
Atualmente, está à frente do projeto Folhetim - Histórias Sem Vergonha, que é uma oficina de escrita para cinco prostitutas contarem as próprias histórias através da ficção. Mas, sem dúvida, o trabalho mais conhecido da organização é o jornal Boca de Rua, desenvolvido há oito anos por moradores de rua, do qual Rosina é editora. Desde que o Boca começou, ela participou de todas as edições e nenhuma delas deixou de emocioná-la ou de surpreendê-la. Entretanto, reforça que nesse meio nem tudo são flores: "Tivemos que reinventar a forma de fazer jornalismo ao trabalhar com pessoas que mal sabiam ler ou escrever ou se expressar através da palavra escrita. Eles mal sabiam compreender o que estava escrito devido à falta de hábito e não pela falta de capacidade".
Para ela, o grande mérito da publicação é provar que nada é impossível e esta é uma palavra que Rosina abomina: "Detesto quando me dizem que algo é impossível! Nada ou, melhor, quase nada, para não ser tão radical, é impossível". Por isso, a família Alice segue o lema inspirado em uma frase do francês Jean Cocteau: "Não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez". Rosina explica que muitas pessoas não acreditam quando conta que o Boca é feito por moradores de rua, porém, leva isso sempre como forma de motivação. "Se você pode despertar a capacidade nessa parte da população, você pode fazer isso com qualquer outra pessoa. A forma com que eles vêem o mundo é inacreditável! É a negação de tudo o que você já viu e ouviu falar."
A necessidade de reinventar o jornalismo e encarar a área social como um nicho é o principal aprendizado nessa década de trabalho. Mas, Rosina afirma que nunca fez separação entre estas duas áreas: "Até acho a coisa mais absurda no mundo falar jornalismo social, pois é o mesmo que dizer homem humano, gato felino ou cachorro canino. Acho que a questão social está no DNA do jornalismo. Quando me dei conta que queria trabalhar com a comunidade, as pessoas me diziam que isso era uma ilusão, que eu ia morrer de fome e eu teimei, pois sempre fui teimosa, e já estou há mais de 12 anos nisso".
Ela ainda ressalta que o aprendizado é diário e aprendeu isso logo que começou a atuar como repórter. "Como repórter, você entra em qualquer canto e fala com qualquer tipo de pessoa. Você enxerga cada pedaço dessa realidade que parece um tecido vivo. Gente é gente: todo mundo quer comida, diversão e arte! Todo mundo quer a mesma coisa e não existe trato específico para lidar com prostitutas ou moradores de rua. Todo mundo quer ser ouvido e respeitado." Depois dessa descoberta, Rosina relata que se despiu dos preconceitos de uma forma natural e aprendeu a andar pela vida com naturalidade e abertura.
Eterna batalha e aprendizado
É casada com o fotógrafo Luiz Abreu e com ele tem um filho. Amaro, de 19 anos, cresceu no meio da comunicação, tanto que seus primeiros os foram dados dentro da editora Abril. Devido à influência dos pais e do tio cartunista Santiago, o jovem se dedica a desenhar quadrinhos. O refúgio da família é uma casa localizada no bairro Belém Novo, onde moram em meio a muito verde há 12 anos.
A leitura é o atempo preferido de Rosina. Foi sua professora de Geografia, da época da escola, que ensinou a importância deste hábito, dizendo que, através dos livros, o homem podia voar. Hoje, a jornalista não imagina algo que goste mais de fazer - além de conviver e trabalhar com pessoas - do que ler. Ela se define como alguém não muito sofisticado e que gosta de fazer tudo o que vale a pena na vida. Eclética, adora cinema e assiste a um filme toda a noite, mas Duelo de Titãs, do diretor Boaz Yakin, é um dos inesquecíveis e que já reviu diversas vezes. Bordar e costurar são outros hobbies dos quais não abre mão.
Eclética também para a música, se pudesse escolher um único dom na vida, escolheria saber cantar porque, segundo ela, ter a música dentro de si é o maior dom que alguém pode ter. Sua frustração atual é não ter tempo para viajar a eio, mas quando questionada sobre sua satisfação em relação ao trabalho, não hesita ao responder: "me sinto completamente realizada. Eu adoro o que eu faço! Na maioria das vezes, as pessoas não me perguntam por que eu comecei, mas, sim, por que eu continuo trabalhando com esses projetos e eu não sei responder. Apenas sei que isso j faz parte de mim", conta.
Sempre serena e despojada, Rosina afirma que é muito mais fácil começar do que continuar. Para ela, a grande batalha realmente é continuar, pois este é um desafio contínuo, minuto a minuto. "Não estou pronta, não estou nem perto disso e adoro não estar pronta! Mas vai faltar tempo para eu aprender metade do que eu gostaria. Peixe que vai com a maré tá morto. Procuro ir sempre onde o rio nasce nunca onde termina. Acho que a gente sempre tem que estar se reinventando. Temos uma tendência muito grande de se acomodar e achar que sabemos tudo, mas a gente nunca sabe."
