Jerônimo Braga : Cultura e liberdade
Primeiro relações-públicas registrado, o ex-coronel da Brigada Militar Jerônimo Braga relembra uma rica trajetória pessoal e profissional
Por Karine Viana - 08/11/2013
Capacidade de compreensão e cristalização de posições formam, respectivamente, a maior qualidade e o maior defeito do relações-públicas Jerônimo Carlos Santos Braga. Dono do primeiro registro profissional da categoria, professor e ex-coronel da Brigada Militar, hoje dirige a EdiPUCRS e se diz feliz com todas as realizações. Mais ainda pela possibilidade de continuar realizando, numa comprovação de que a busca constante por novos aprendizados e caminhos sempre regeram sua vida.
Fã de livros e história, é conhecido pelas constantes charadas que propõe àqueles que trabalham ao seu redor. Em contrapartida, muitas vezes se depara com o outro lado, quando é ele quem tem que responder a pequenas brincadeiras. Com humildade, afirma que não é possível saber tudo, mas acredita que é a busca pelo conhecimento a responsável por libertar o homem.
"Segura! Segura! Que vem um piá que vai pro Tristeza!". A frase resume parte da infância do relações-públicas, que ainda criança viu-se na necessidade de, diariamente, pegar um ônibus sozinho entre o Colégio Nossa Senhora dos Anjos, no centro da Capital, até a residência. Enquanto nos dias atuais é difícil imaginar um menino de sete anos usando o transporte público desacompanhado, Braga conta sua história enquanto nos remete a um tempo, longínquo, de uma outra Porto Alegre.
As águas do Guaíba eram limpas. E sua orla era reduto das famílias, que desciam pelas ruas que desembocavam nas areias daquela praia de água doce, a fim de fazer os tradicionais piqueniques. Da época, Braga, que nasceu em 6 de abril de 1939, não lembra somente mudanças no meio ambiente, na arquitetura e na mobilidade, mas no modo de se relacionar do ser humano. A observação se refere ao comportamento daqueles desconhecidos que, em caso da troca de motorista ou atraso do ainda menino, pediam para que a condução o aguardasse. A solidariedade e maior aproximação humana marcaram a vida daquele menino de apenas sete anos.
A proximidade também sempre esteve no âmbito familiar. Sentar à mesa rigorosamente ao meio-dia, com as mãos já limpas, era quase uma regra. Por um longo período, o pai, o comerciário e jornalista Clóvis de Faria Braga, saía do trabalho apenas para almoçar com a família e retornava ao expediente, hábito primordial para a família. As tarefas eram divididas. Enquanto o Sr. Clóvis era quem cuidava das cadernetas escolares dos três filhos, Jerônimo, Luiz Clóvis e Maria Helena, a mãe, Lélia Santos Braga, fazia as tarefas domésticas e as ensinava às crianças.
"Muito Zingá eu bordei na minha vida", diverte-se, ao se referir a uma marca de biscoitos, cujo bordado, em camisetas e uniformes, era um dos trabalhos realizados pela família, numa época em que ele e o irmão auxiliavam a mãe, que se tornara bordadeira, uma forma encontrada para complementar a renda da família. Do pai, ficou o legado de um homem família e trabalhador. Da mãe, a herança da disciplina, do capricho e do cuidado.
No serviço militar
Além das características herdadas dos pais, Braga carrega no sangue a coragem dos seus anteados. Coragem travestida na aptidão pelo serviço militar. O bisavô paterno, Joaquim Faria, era militar do Exército e participou da retirada da Laguna. Reportagens da época, medalha e documentações assinadas por Dom Pedro II foram guardadas pela família, hoje no Museu da Brigada Militar. O avô, Jerônimo Teixeira Braga, também foi oficial do Exército. Médico e combatente, foi embora para a reserva como major, sendo convocado para a Revolução de 30. Morreu em combate, em São Paulo.
O início desta carreira, no entanto, deu-se de forma ocasional. Depois de ver frustrado o sonho de se tornar paraquedista por não ter peso suficiente, encontrou, por acaso, o amigo Alcibíades, filho de um Sgt do Hospital da Brigada, que lhe disse que ia se alistar na Brigada. "Vou junto!", disse. Aconteceu ali: com 16 anos, Braga ingressava na Brigada Militar. Aos 17, foi guarda interno e externo, o que lhe proporcionou um aprendizado extraordinário, numa fase em que a farda e os óculos escuros não eram suficientes para mandar o medo embora.
A vontade de ingressar no curso de Ciências Sociais cedeu espaço para o Curso de Oficiais. Optou por seguir os conselhos do pai: "Com o curso de Ciências Sociais, sairás com um diploma e sem emprego nenhum. Com a formação de oficial, vais sair com uma profissão e depois termina o curso". Adiante, após optar pela carreira voltada à Comunicação Social, sem largar a Brigada Militar, tornou-se o dono do registro 001 do Conselho de Relações Públicas.
Na Comunicação Social
Com o pai trabalhando na Rádio Farroupilha, Braga se sentiu atraído pela comunicação, enquanto ainda estudava no Colégio Rosário. "Eu ia pra lá à tarde para estudar com ele. Depois das lições, ele me permitia andar por ali", lembra. Após ar no vestibular para a academia de Oficiais, como componente do Centro Acadêmico, manteve um programa na rádio Princesa, às 6 horas das sextas-feiras, com informações sobre a formação na escola. Também teve uma coluna sobre os cadetes de milícia, publicada dominicalmente no Diário de Notícias. "Quando me formei, a primeira coisa que pensei foi fazer vestibular para Comunicação Social", salienta. Não por acaso, na Brigada foi convidado a fazer parte da chamada Divisão de Relações Públicas.
Após a formatura na PUC, seguiu carreira universitária, com especializações e mestrado, além de cursos obrigatórios dentro da própria corporação. A formatura se deu em 1972. Na corporação, terminou como tenente-coronel, concomitantemente ao trabalho dentro da Universidade, onde começou como professor, em agosto de 1975.
O fato de ser o número 1 no Conselho de RP não dá a Jerônimo Braga o título de primeiro profissional de Relações Públicas do Estado. "Evidentemente o pessoal já trabalhava com isso há mais tempo", destaca. Antes da instalação do Conselho, já existia a Associação Brasileira de Relações Públicas, da qual fez parte. Com a criação do Conselho, acabou eleito o primeiro presidente e, por consequência, angariou o primeiro registro dos profissionais da área. A associação acabou extinta, enquanto o Conselho, criado há 40 anos, mantém-se forte.
Na proporção em que mais estudava, mais cursos de especialização eram feitos, tanto no âmbito universitário quanto no ambiente militar. Sua pró-atividade lhe possibilitou a promoção de alguns eventos, como o II Encontro de Oficiais de Relações Públicas, e o trabalho comunicacional desenvolvido dentro da corporação. Foi ainda comandante da Academia de Polícia, até ser convidado pelo então governador Pedro Simon para trabalhar com ele. Assim acredita ter se tornado o primeiro Relações Públicas a ser Comandante, onde aplicou as técnicas de comunicação, preparação e planejamento. Com orgulho, defende que partiu dele a implantação do planejamento estratégico inicial da instituição, acompanhado por resultados. "Tanto que foi naquele período que ali foi criado o Grupamento de Policiamento Aéreo, a Escola de Bombeiros e o Instituto de Pesquisa, tudo voltado pra esta área de melhorar a cultura para ter um melhor profissional", salienta.
Entre sonhos e voos altos
Se não conseguiu se tornar paraquedista, a vida cuidou de proporcionar voos altos a Jerônimo Braga. Após aposentar-se na Brigada Militar, foi convidado pelo governador Sinval Guazelli, em 1989, para presidir a Companhia Riograndense de Artes Gráficas. Em 1994, recebeu o convite para cursar a Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro, onde ficou por um ano. A indicação partiu do Conselho Federal de Profissionais de Relações Públicas, o que lhe honra muito. "Eles podiam escolher qualquer profissional do Brasil inteiro, mas escolheram a mim. Sou muito grato", afirma.
Ao retornar, foi convidado para dirigir a Faculdade de Comunicação Social da PUC. Mais um convite que o deixara honrado e, desta vez, com um pé atrás. Pensava que o fato de ser policial militar e já aposentado poderia acarretar preconceitos. De fato, não foi isso que aconteceu. Braga foi acolhido por os professores de todas as áreas da faculdade e ficou à frente da Famecos durante nove anos. Hoje, além de professor, é diretor da Edipuc, da gráfica e também do jornal Mundo Jovem.
Jerônimo Braga, como se vê, já fez muito, mas se considera um cara simples. E indícios desta característica podem ser encontrados no gosto pela jardinagem, pelo plantio e pela capina, atividades desenvolvidas aos finais de semana no terreno que possui na cidade de Águas Claras. Casado desde 1964 com a professora Maria Teresinha Kilian Braga, tem dois filhos, Gerson, que hoje mora no Canadá, e Simone, que seguiu com o legado familiar e é tenente-coronel da BM. A comida preferida se resume a arroz, feijão e guisadinho. Quando janta na casa de amigos, a única dificuldade na preparação de um prato para recebê-lo está em servir algo que contenha molho branco ou catupiry. Aliás, quase tudo que seja muito branco, com exceção de alguns queijos, não é bem-vindo ao paladar de Braga.
Os livros estão por toda parte, incluído aí seu tablet. Quando viaja, o importante é ter neles uma opção para não olhar pela janela. Costuma dizer que é fã de duas prateleiras: a de livros e a de vinhos. E é nos primeiros que encontra a resposta para muitas dúvidas. "A gente não sabe tudo o tempo todo, mas precisamos ter curiosidade para buscar", enfatiza. O trecho de um escritor cubano, cujo nome lamenta não lembrar, que diz que "só há uma maneira de ser livre, é ser culto", é praticamente o lema deste relações públicas. Acredita cegamente que a cultura garante o sentimento de liberdade.