Sérgio Capparelli: Cidadão do mundo

Mineiro, o jornalista radicou-se em Porto Alegre, mas sua inquietação também o levou à Europa, ao Canadá e à China.

Natural de Minas Gerais, nascido a 11 de julho de 1947, Sérgio Capparelli teve que encarar a mudança para Goiânia com seus nove irmãos quando já estudava o Científico em Uberlândia, devido à profissão do pai: caixeiro-viajante. Na cidade, não conseguiu vaga para o curso e teve de trocá-lo pelo Clássico. Também começou a fazer serviços de escritório, primeiro no comércio local, depois numa revenda de automóveis. Em 1965, quando a família precisou mudar-se para Cuiabá, o jovem decidiu ficar em Goiás para finalizar os estudos. Esse era o plano, mas não pôde ser concluído por causa do Cria-Caso.


O nome do jornal que sua turma mantinha no colégio deixa clara a linha editorial, em plena ditadura militar. "Dizíamos o que queríamos sobre os fatos", esclarece Sérgio. Essa atitude fez com que ele recebesse duas opções da diretora: deixar a escola espontaneamente ou ser expulso. Escolheu a primeira com uma declaração de pressa: "Vou para Curitiba". Indagado pela diretora sobre o porquê da decisão repentina, respondeu simplesmente um "Não sei". Hoje, ele pondera acerca de suas razões: "Talvez fosse um certo fascínio pela distância ou pela idéia de fronteira, que não existe no centro do país".


Capparelli pediu as contas na revenda, mas aproveitou a carona num dos caminhões da fábrica, que costumavam ir a São Bernardo do Campo. De São Paulo, pegou um ônibus para o Paraná. Na nova cidade, trabalhou como datilógrafo na General Eletric e conseguiu finalizar o colégio, em 1966. Ao invés de permanecer em Curitiba para cursar a faculdade, optou por estudar na Ufrgs e partiu para Porto Alegre, mais uma vez, sem nenhum motivo aparente.


Uma auto-rebeldia


Ingressou no curso de Teatro, mas logo percebeu que não era aquilo que queria e transferiu-se para o Jornalismo. Ele gostava de escrever, embora os cerca de 200 poemas que compa em Goiânia tenham sido queimados e deixados para trás na sua mudança para Curitiba. "Acho que isso faz parte da vida de todas as pessoas entre 14 e 15 anos, se colocar como poeta e começar a escrever sobre seus sentimentos e desabafos em versos", acredita. "Mas joguei tudo fora e fui embora. É uma coisa inexplicável até hoje. Era uma rebeldia contra mim mesmo. Acho que foi um marco para encerrar uma fase da vida, mas como nunca fiz análise nem pretendo fazer não terei uma explicação, então fico com a minha", contenta-se, em parte, já que filosofa sobre diversos episódios de sua vida.


Na capital gaúcha, Sérgio não trabalhava, porque vivia numa casa de estudantes na Rua Riachuelo, "que era o único lugar que não cobrava aluguel". Foi presidente do local e, nessa condição, foi ao Rio de Janeiro por diversas vezes, onde ficava o Ministério da Educação, para pedir verba para a alimentação dos 120 estudantes. Conseguia, embora o benefício tenha sido cortado durante o ano de 1969, quando uma comitiva do governo federal veio ao Estado e viu uma faixa de protesto no casarão. Nesse período, foram promovidas reuniões dançantes com cobrança de ingresso para a manutenção da cozinha da casa. "Foi um momento de transformação de costumes e aram por lá pessoas importantes que levavam adiante uma política estudantil dentro da universidade", lembra.


Esse foi seu último ano na faculdade, quando também começou a trabalhar em Zero Hora. "Minha primeira reportagem foi sobre os buracos da Avenida Mauá junto dos trilhos dos bondes", recorda. Já a matéria que lhe rendeu o prêmio no concurso universitário promovido pelo Jornal do Brasil - uma câmera fotográfica -, ele não lembra sobre o que tratava. Na época, ZH não pertencia à família Sirotsky e enfrentava uma crise. "No terceiro mês de trabalho, ainda não tinha recebido salário, então fiz minha carta de demissão e saí", conta. Três meses após a aquisição por Maurício Sobrinho, o chefe de Reportagem Antônio Oliveira o convidou para retornar ao veículo.


Aventuras na Europa


Capparelli aceitou a proposta, mas apenas com o objetivo de juntar dinheiro. "Já estava com a cabeça fervilhando de idéias", revela. Oito meses e um prêmio em dinheiro - da vitória em um concurso de reportagens da Prefeitura de Porto Alegre - depois, comprou uma agem só de ida para a França. Desembarcou em Cannes e seguiu para Munique. Já havia cursado alemão no Instituto Goethe. Era 1971 e conseguiu um emprego de entregador de jornal. "Trabalhava das 4h às 7h, tinha tempo livre e ganhava mais do que em Zero Hora", comemora.


Ainda com o dinheiro do prêmio nas mãos e mais as economias que juntara na Alemanha, o aventureiro resolveu voltar a estudar. Foi a Paris, mas as aulas só começariam dali a alguns meses, então seguiu para Londres, onde trabalhou num restaurante. "Vi, pela primeira vez, o que era o trabalho braçal, oito horas por dia", lastima. Em outubro, voltou para Paris para cursar seu doutorado no Instituto Francês de Imprensa. O calendário de aulas permitia que Sérgio asse uma semana por mês em Munique entregando jornal, o que garantia sua sobrevivência. "Foi uma época de pouco dinheiro, mas feliz, em que eu vi todos os bons filmes da história do cinema, na Cinemateca sa", rememora.


"Comecei a me perguntar por que estava nessa situação, se havia possibilidade de bolsa no Brasil", diz. Em 1974, após os exames finais, retornou ao país, a fim de escrever sua tese aqui. "Não consegui a bolsa e voltei para a Europa." Seu objetivo era conseguir um emprego em Paris, mas também não teve êxito e foi para a Suécia, onde trabalhou por um período até que chegou uma fase de insatisfação, que o levou a ficar viajando durante uns oito meses pela Europa, sem destino certo e sem se fixar em lugar algum. "Fiquei num zigue-zague, que eu acho que era o zigue-zague que havia na minha cabeça. Devia estar num processo de desagregação mental, de desespero ou coisa assim. Tinha uma menina, que era a primeira grande paixão da minha vida, que voltou para Portugal, e eu fui também, mas não deu certo", desabafa.


Projetos de vida


Voltou ao Brasil determinado a, em seis meses, conseguir um emprego, casar-se, comprar um apartamento e ter um filho. A primeira parte do projeto foi alcançada logo. ou a atuar na Folha da Manhã: "Num tempo em que havia bons jornalistas, como José Antônio Vieira da Cunha, Ruy Carlos Ostermann, Caco Barcellos, Osmar Trindade, Caio Fernando de Abreu, Christa Berger, Assis Hoffmann? Foi uma época boa, politicamente forte, de quebras-de braço-do jornal com o governo".


Na Folha, fez uma reportagem sobre o Hospital Psiquiátrico São Pedro, em que chegou a se internar para apurar dados. "Quando quis sair, quase não consegui, porque ninguém acreditava que eu era jornalista. A sorte é que tinha uma atendente cujo pai trabalhava na Caldas Júnior", diverte-se. A matéria lhe rendeu o Prêmio ARI e um casamento, porque uma jornalista do Correio do Povo, Eva Maria Oyarzabal de Castro, havia gostado da reportagem e entrou em contato com Capparelli. Os dois se casaram ainda em 1975 e foram morar no Menino Deus. O filho só viria em 1978.


Academia e literatura


Em 1976, ou a lecionar na PUC e surgiu a dúvida: "Sofri tanto na Europa, por que não termino?". Mesmo sem orientação, começou a fazer sua tese, sobre o modelo brasileiro de televisão. No ano seguinte, ingressou também na Unisinos e optou por se dedicar apenas à vida acadêmica, já que o trabalho no jornal era inconciliável. E, em 1978, foi à França apresentar o trabalho, mas seu orientador achou que ainda havia muito para mexer no texto. Assim, chamou a esposa, já grávida, para ar quatro meses na Europa, enquanto trabalhava na tese. De volta ao Brasil, sem apresentá-la, nasceu a filha, Lívia. A paternidade o motivou a escrever seu primeiro livro, "Os Meninos da Rua da Praia", que hoje está na sua 40ª edição. A obra foi redigida à mão, para que o barulho da máquina não atrapalhasse o sono do bebê.


Em 1980, terminou sua tese, depois de trabalhar numa pesquisa sobre o tema para a Intercom, e voltou mais uma vez a Paris para defendê-la. Desta vez, conseguiu. Já doutor - o primeiro em Comunicação no Rio Grande do Sul -, entrou ainda na Federal e, dois anos depois, deixou a Unisinos. Ainda em 1982, venceu os Prêmios Jabuti de Ensaio em Ciências Humanas, com "Televisão e Capitalismo no Brasil", e Infantil, com "Vovô Fugiu de Casa". Também seria premiado com "Boi da Cara Preta". Em seguida, sairia da PUC, já que, em 1983, nasceu seu filho, Daniel: "Por problemas colaterais do parto, minha mulher morreu três semanas depois. Fiquei com a Lívia, de cinco anos, e o Daniel, que não tinha ainda um mês".


Dificuldade em imigrar


Em 1991, veio de novo a vontade de imigrar. Decidiu que era hora de conhecer o Canadá. Levou os filhos e foi cursar pós-doutorado em Montreal. "Foi um tempo bom. Pela primeira vez, podia ser pai em tempo integral, na verdade, pai e mãe. Houve uma proximidade muito maior entre nós", relata. Nesse período, conheceu Maria Alice, uma professora de Fonoaudiologia da USP, que também estava no país com a filha - Marina, da idade de Lívia - cursando pós-doutorado. Maria Alice voltou ao Brasil um ano antes e morava em São Paulo.


Sérgio ganhou o aporte italiano em 1991 e, como não gostara do Canadá, achou que deveria ser imigrante na Europa mesmo. Ligou para a namorada e fez a proposta: se aposentariam proporcionalmente - o que deveria ocorrer em 2001, quando os filhos já estariam encaminhados - e embarcariam. Ela topou e, em três meses, estavam casados, para que ela tivesse direito à cidadania européia. Maria Alice ou num concurso público e veio atuar em Porto Alegre. Enquanto aguardavam a aposentadoria, houve mudanças na lei e ele só conseguiu se aposentar em 2004. Ela ainda não conseguiu.


Trabalho da China


Como Lívia já havia se formado em Arquitetura e entrado no mestrado e Daniel foi cursar Economia em Toulouse, na França, e depois mestrado, em Londres, Capparelli decidiu se dedicar profissionalmente à literatura. "Direitos autorais não dão muito dinheiro, mas como já tinha mais de 30 livros, rendia alguma coisa", constata. Mas a vontade de viajar não o deixava se acomodar. Ainda em 2004, começou a aprender chinês. Estava disposto a aceitar um emprego na Rádio Internacional da China. Como o trabalho não vingou, aproveitou as férias de Maria Alice, e foram juntos, por conta própria.


A viagem seria de pesquisa, mas o contato que o jornalista fizera na embaixada ficou constrangido pelo fracasso em relação ao emprego na rádio e o indicou para uma vaga na redação de português na agência de notícias Xinghua. Sérgio não estava interessado em trabalhar, mas, devido a um mal-entendido, uma simples visita à empresa se transformou num teste e, já que ou, aceitou a vaga. Os últimos dois anos, ele ou em Beijing, e Maria Alice ia visitá-lo nas férias.


Há dois meses, Capparelli retornou a Porto Alegre, onde está promovendo o livro "50 Fábulas da China Fabulosa". Em breve, deve lançar mais duas obras, "Uma Colcha Muito Curta" e "As Noites do Iaque Louco", que se a numa comunidade matriarcal chinesa, além de uma revista eletrônica sobre literatura infantil. A perspectiva é ar o próximo semestre na França e voltar à China em dois anos. O jornalista espera que até lá a mulher já tenha conseguido sua aposentadoria e possam definir o futuro juntos.

Imagem

Comments