Ana Goelzer: Escutar para transformar
Conhecida por sua atuação como organizadora do TEDx Laçador, publicitária deu uma guinada na carreira aos 45 anos

As palestras do TED, uma organização internacional sem fins lucrativos, começaram em 1984 e, nos últimos anos, principalmente, ganharam muita popularidade. Assuntos dos mais diversos - da maternidade à ciência, da filosofia à inovação - são abordados em poucos minutos, mas com muito impacto. Como conseguir efetivamente se fazer ouvir? Como contar histórias? Para Ana Goelzer, a organizadora por trás do TEDx Laçador, uma versão local do evento que já trouxe a Porto Alegre personalidades de renome internacional, uma coisa é certa: não existem fórmulas prontas.
A publicitária, formada pela PUC do Rio Grande do Sul e com ampla experiência em agências, se destaca não apenas por sua trajetória profissional. Com um sorriso inconfundível, ela é dona de uma sensibilidade ímpar e de uma ternura que se mesclam com uma postura extremamente exigente.
Histórias: uma tradição familiar
Ana, que é a caçula de seis irmãos, teve uma infância permeada por muitos livros, conversas e almoços que mais pareciam banquetes. Seu pai, Luiz Antonio Meira, era formado em Direito, Filosofia e Psicologia, tinha especialização em recuperação de menores infratores e atuava como psicólogo. Já a mãe, Maria de Lurdes Goelzer Meira, também era psicóloga e trabalhava na área de recursos humanos. "Os dois (já falecidos) gostavam muito de ler e tinham muitas obras, sobre diversos assuntos. Meus pais incentivaram a gente a ler muito, a gostar de música, a falar sobre as coisas", recorda.
Uma característica de seu Luiz que é irada até hoje pela filha mais nova: ele chamava pessoas que pensavam diferente, gente que pensava igual, todos iam aos tradicionais almoços de domingo. "Mesmo pequena, eu tinha a oportunidade de escutar aquelas conversas e também de participar delas", conta, já com os olhos um pouco marejados pelas lembranças.
Um aspecto marcante da mãe, e que ainda serve de inspiração, é o cuidado com todos à volta, o que se reflete no trabalho da speaker coach até hoje. Afinal, promover encontros transformadores e ajudar as pessoas a se expressarem da melhor forma exige uma sensibilidade aguçada, cultivada ao longo de muitos anos através do exemplo.
Publicidade: do primeiro estágio ao home office
Na vida de Ana, muitas coisas vêm de família. Pode-se dizer que com a Publicidade também foi assim. Um dos seus irmãos mais velhos se formou na área e acabou a influenciando. Nesse aspecto, a mãe é outra referência: "Apesar de ser dos Recursos Humanos, ela transitava muito por Vendas, Marketing, e eu gostava muito disso, lia muito sobre isso. Já tinha feito dois anos de História e decidi ir para a Propaganda", relembra.
Desde o início da carreira, Ana demonstrava proatividade e capacidade de visão, que lhe são tão características. Sua entrada no mercado de trabalho, por exemplo, é uma história à parte: "Peguei o guia telefônico e fui ligando para as agências. Assim eu consegui o meu primeiro estágio, na Escala. Foi uma loucura! De onde que alguém aparecia dizendo que não precisava receber, pois morava com os pais, e que queria entrar na mídia, um setor que ninguém gostava?", conta, entre risos.
Depois da Escala, ela morou um tempo fora. Quando voltou, ou por outras agências até abrir o próprio negócio, com mais três sócios. Ao longo dos anos, as pessoas foram saindo e ela decidiu trabalhar em casa - antecipando o home office, tão comum hoje em dia. O período trouxe intensos aprendizados, entre eles, a necessidade de cuidar de si. "Na época, eu tinha essa coisa que esse pessoal fala 'se você ama o seu trabalho, não trabalha um dia sequer'. Mentira das grossas. Isso me levou a ficar doente. Ainda mais estando dentro de casa", alerta ela, que já tinha o seu escritório no próprio lar havia mais de 20 anos. Isso até conhecer o TEDx.
TEDx e as muitas transformações
Em 2010, a publicitária ainda tinha a sua "eugência", como brinca, quando aleatoriamente viu uma publicação sobre o TED, e os rumos da sua história mudaram para sempre. Começou a pesquisar sobre o tema e pediu a licença para organizar o evento em Porto Alegre. Desde então, as transformações não pararam mais: Ana viajou para a Amazônia, para os Estados Unidos e para o Catar, participando de eventos da iniciativa, nos quais conheceu muitas pessoas e teve experiências únicas.
"O TEDx tem uma coisa que eu acho maravilhosa, que é: os eventos precisam ser multidisciplinares", enaltece, completando que há muito dizia aos colegas que eles só iam a eventos de publicidade. Por conta disso, acreditava que não havia como ter repertório, como ser criativo, ouvindo as mesmas pessoas há 20 anos, falando sempre sobre os mesmos assuntos. "Não tem ninguém te confrontando, te mostrando outras coisas", argumenta, lembrando-se do fascínio pelo novo mundo que se abria diante de seus olhos.
A viagem para os Estados Unidos foi um dos divisores de água na carreira e na vida de Ana. Ela recebeu uma bolsa da fundação Bill Gates para ir a um evento chamado TEDActive, em que se deparou pela primeira vez com a figura do speaker coach. "Essa profissão já existia fora daqui e, inclusive, tenho uma briga dentro de mim por causa desse 'coach' aí. Já fiz mil brainstorms comigo mesma e não apareceu outra palavra", explica, rindo.
O evento, a viagem, a oportunidade de conhecer pessoas de vários lugares do mundo mexeram muito com ela. Ao voltar, descobriu que havia ganhado uma semana inteira no Catar, com mais de 700 organizadores de todo mundo para fazer workshops. A conexão com tantas culturas, de tantos lugares diferentes, foi transformadora. "E aí a gente faz o TEDx Laçador aqui, e o Marcelo Cardoso, que na época era VP da Natura, faz uma fala sobre se entregar para o vazio. Quando o evento acabou, decidi que ia fechar a minha agência. Não me cabia mais esse mundo da propaganda", desabafa. É importante frisar que o TEDx é organizado de forma totalmente voluntária, e os palestrantes também não são remunerados. Assim, é um trabalho que exige muita dedicação e diversas articulações.
Oportunidade de transformar vidas
Em 2013, após um TEDx Laçador, um dos diretores de uma das empresas patrocinadoras perguntou como as pessoas subiam no palco e sabiam o que falar em um tempo tão curto. Ela respondeu que treinava os palestrantes. Então, foi convidada a ir para dentro da empresa treinar profissionais para uma apresentação. "Esse foi o meu primeiro grande projeto nesse sentido", afirma. Desde então, seu principal trabalho é ajudar as pessoas a conseguirem expressar o que pensam com objetividade e eficiência. Para dar essa guinada na carreira aos 45 anos, ela contou com uma rede de apoio de familiares. "Foi um o no vazio, mas a ponte apareceu e eu pude pisar."
Segundo Ana, a função de detalhar uma história é sempre a transformação, seja de quem conta ou de quem escuta. "Cada vez que contamos algo, uma outra perspectiva se abre. Esse jogo que acontece na cabeça da gente quando compartilhamos ou escutamos uma história é que eu acho superbacana. A história pode ser um colo para as outras pessoas, pode acolher", destaca.
Lembra ainda do poder da escuta ativa: "Eu não posso ter empatia por ti se eu não sei quem tu és, se eu não sei o que está acontecendo. Posso te ver ando fome e ficar triste por te ver nessa situação. Mas não posso ter empatia se não sentar contigo, se tu não me disser por que tu estás ali e tudo mais. Só assim vou ter alguma noção da tua dor", esclarece, salientando que escutar não é sobre si, mas sempre sobre o outro.
Entre os livros, as conversas e a cozinha
Solteira e sem filhos, ela tem uma minipoodle chamada Alma e um gato persa, o Xangô. Além dos amigos de quatro patas, tem nos sistemas de streaming grandes companheiros. Com pandemia ou sem ela, Ana adora assistir a seriados e ir ao cinema. Além das memórias familiares repletas de livros, as lembranças das avós e tias cozinhando enquanto a mãe coordenava tudo e montava verdadeiros banquetes vêm sendo revividas por meio da sua relação com os doces.
Inspirada em receitas tradicionais da família, ela começou a apostar na culinária também como forma de negócio, o que tem se tornado mais uma fonte de renda durante a pandemia. "O que antes eu fazia para datas festivas, comecei a fazer toda semana. Sempre tem encomenda. São fios de ovos, suspiros e papos de anjo. Essa coisa da comida me acompanha há muito tempo, sempre gostei muito disso, é um outro lado da minha vida", expõe, projetando novos negócios a partir dos doces, que, assim como o respeito aos diferentes, a pluralidade de ideias e as histórias, orais ou escritas, fazem parte da sua vida desde a infância.