Lisette Guerra: A força da imagem
"A Lisette trabalha com as superfícies do humano, com roupas e artifícios e com a vestimenta mais reveladora, que é a própria pele. (…) …
"A Lisette trabalha com as superfícies do humano, com roupas e artifícios e com a vestimenta mais reveladora, que é a própria pele. (?) Lisette subverte e faz com o superficial uma proposta profunda", diz Luis Fernando Verissimo. A Lisette em questão é a fotógrafa Lisette Revoredo Guerra: solteira, ariana, nascida em Iraí, a 26 de março. Só o ano ela não conta "de jeito nenhum", confessando ter verdadeiro "pavor" de revelar a idade. O que se sabe é que desde os 10 anos vive em Porto Alegre, para onde se mudou com a família e cursou suas duas faculdades: Publicidade e Propaganda e Jornalismo. Fascinada por artes, pensou em estudar Belas Artes ou Arquitetura, mas acabou optando, primeiramente, pela área publicitária, pois acreditava que poderia atuar na criação. Enquanto cursava a Famecos (Faculdade de Comunicação Social da PUCRS), pela manhã, Lisette começou a ter contato com a fotografia e se apaixonou: "Chegava a matar aulas para bater fotos", recorda.
Mulher não entra
Na metade do curso, decidiu que estava na hora de procurar estágio e que não seria em agências de publicidade, mas nos departamentos de Fotografia dos jornais da cidade. Foi quando comprou sua primeira câmera profissional, pois os estagiários tinham que ter equipamento próprio. Essa não foi a única dificuldade que enfrentou: "Em 1974, não havia mulheres na Fotografia. No Correio do Povo, não me aceitaram por isso. Fui para Zero Hora, onde havia três, mas todas estagiárias. Nenhuma, inclusive eu, foi contratada após o estágio, ao contrário dos homens", lembra, se referindo às colegas Eneida Serrano, Jaqueline Joner e Jussara Porto. Na época, os fotógrafos não tinham editoria fixa, eram escalados para qualquer tipo de pauta. "Não nos contratavam porque achavam que mulher não sabia fazer futebol. Tu acreditas?", indigna-se. Mas Lisette confessa que tinha mesmo "pavor" de fazer Polícia: "Quando me chamavam, eu não ia. Gostava era de Segundo Caderno, essas coisas". Apesar de não ter sido mantida na equipe, Lisette estava envolvida com o clima do jornal e começando a gostar de escrever também. Matriculou-se na faculdade de Jornalismo, no turno da noite. Depois de seis meses em Zero Hora, a fotógrafa começou a atuar como
free-lancer em diversas áreas, mas o que sempre gostou era de fotografar pessoas e dava preferência aos trabalhos em que pudesse fazer "foto de gente". Até que, em 1980, com a saída de Paulo Gasparotto de Zero Hora, foi convidada pelo jornal para fotografar uma coluna social, que seria assinada por quatro colunistas. Aceitou e, com o tempo, foi sugerindo outros trabalhos, além da coluna. Começou a fazer diversas matérias de Moda, especialmente para o domingo, que antes não existiam. "Aí, sim, não tinha mais aquela coisa de fotógrafo ter que fazer tudo. Então, fiquei oito anos em Zero Hora, como funcionária", conta.
No mundinho fashion Em 1988, Lisette abriu seu estúdio, que "funcionava como uma filial de Zero Hora", brinca. "Os cadernos dominicais aram a sempre ter editoriais de Moda e veio a promoção Donna da Capa. Só eu fazia tudo isso, no meu estúdio", explica. Esses "
frilas fixos" ocorreram durante 12 anos, totalizando 20 de atuação no jornal. Paralelamente ao trabalho do estúdio, a fotógrafa vinha organizando diversas exposições de suas fotos e decidiu lançar um livro. Procurou a L&PM e lhe sugeriram que não fizesse uma obra só de fotografias de modelos, mas que escrevesse dicas para garotas que quisessem seguir a profissão, já que ela conhecia bem a vida das
tops, por fotografá-las bastante. Lisette gostou da idéia e, durante dois anos, freqüentava os principais eventos de moda de Rio de Janeiro e São Paulo sempre com um gravador, para entrevistar pessoas ligadas ao circuito
fashion, de diretores de agências a modelos. Ouviu depoimentos, principalmente, de gaúchas, que Lisette vira começarem a carreira, como Gisele Bündchen e Shirley Malmann, que acabou sendo a capa de "Retrato de Modelo". Sérgio Ribas, que trabalhava com Joyce Pascowitch e hoje é o redator-chefe da revista Vogue, ficou responsável pelo texto final, Luis Fernando Verissimo escreveu o prefácio e Zero Hora deu total apoio ao projeto, que foi lançado em 1997.
Outros projetos editoriais Alguns anos depois, a editora Paz e Terra, de São Paulo, estava prestes a lançar "Figurino: Uma Experiência na Televisão", tese de mestrado de Adriana Leite no Departamento de Design da PUC/RJ. Adriana era figurinista da Globo e procurava um fotógrafo para ilustrar seu livro. Um executivo da editora, ando por uma banca de revista, viu uma reportagem com Lisette sobre seu livro e decidiu convidá-la. "Quando me ligaram, eu nem acreditei, nem dei muita bola. Mas me mandaram uma agem e fui ao Rio conhecer o projeto. E deu certo, por isso que eu digo que tenho uma sorte, uma estrela", diz a fotógrafa, que lançou o livro, junto com Adriana, em 2002. E pela frente, ainda vêm outros dois livros, cujos projetos já contam, inclusive, com incentivo da Lei Rouanet. Um deles é com outra figurinista global Helena Gastal, que foi responsável pelos figurinos de diversas novelas da emissora. Helena gostou do resultado do livro da Paz e Terra e convidou Lisette para um novo projeto: registrar, nas ruas de 15 cidades brasileiras, tipos que inspiram figurinos para personagens. O título deverá ser "Brasil: Tipos e Estilos de Moda". No entanto, por se tratar de um projeto caro, sua produção só começará quando surgir um patrocinador. Já com a designer de jóias Glória Corbetto, Lisette planeja o livro "Jóia de Autor x Jóia de Moda", que também está à espera de patrocínio. A obra deverá trazer fotos de modelos - uma branca, uma negra e um homem - com as jóias da designer.
Pelo mundo Em 2000, deixou o trabalho em Zero Hora para ar uma temporada em Roma, onde lançou "Retrato de Modelo", na Embaixada do Brasil. A previsão era ficar três meses, mas acabou permanecendo por seis. Nesse período, atuou como correspondente da revista Quem, na Itália. A publicação já havia convidado Lisette para trabalhar em São Paulo, mas ela não aceitou, pois tinha seu estúdio e os trabalhos para o jornal. Da Europa, então, começou a enviar matérias com brasileiros que viviam lá: texto e foto. Depois, foi para Nova York, onde ou mais dois meses. De volta a Porto Alegre, continuou trabalhando para a Quem por um ano, coordenando a equipe gaúcha. Ao longo de toda a sua carreira, Lisette ainda realizou diversos trabalhos em publicidade. Dentre eles, destacam-se campanhas das marcas de calçados Datelli, Vizzano, Cravo & Canela, Parô e Grendene, jóias Condor e Ícaro, Banrisul, Fiat órios, Happy Man, Casa Lú, Patchwork e Pera Brazil Bikinis. Também clicou muitos
books de modelos e famílias. "Muitas mulheres querem fazer um
book para presentear os maridos e se sentir mais bonitas", diz.
Fazendo arte Nessa última semana, Lisette esteve em cartaz no Iguatemi com a mostra "Imagens & Encontros", que termina nesta segunda-feira (25 de abril). A exposição tem fotografias de 25 personalidades gaúchas com intervenções de artistas plásticos. "Essa idéia surgiu da minha vontade de unir fotografia e pintura. Eu mesma cheguei a entrar no Atelier Livre da Prefeitura, mas fiz umas oito aulas e achei que as coisas não saíam como queria", conta. Quando foi convidada para integrar a mostra "Olho Vivo", em janeiro, no Santander Cultural, resolveu pôr a idéia em prática e convidou 12 artistas para fazer intervenções em 12 fotografias. O projeto foi em benefício do Lar Santo Antônio dos Excepcionais. Para a exposição no Iguatemi, Lisette quis fotografar mais pessoas e convidar outros artistas. Então, ficaram 25 quadros. Entre os modelos, estão Luis Fernando Verissimo, Moacyr Scliar, Cláudia Rigotto, José Fogaça e sua esposa e a própria Lisette, que também ganhou fotos suas com intervenções dos artistas. A mostra deverá seguir para Caxias do Sul e São Paulo, mas antes Lisette quer fotografar algumas personalidades locais de cada cidade para compor a exposição.
Sonhos cinematográficos Lisette nunca casou, apenas viveu com um companheiro, mas prefere não falar no assunto. Vive sozinha e só não deixa Porto Alegre por causa da família, dos amigos e de seu trabalho. Faz ginástica, uma mistura de yôga com pilates, para equilibrar com sua vida atribulada. Mas seus principais prazeres são viajar e ir ao cinema, não perde um filme que esteja em cartaz e adora observar a fotografia. "Nunca fotografei cinema, mas adoraria fazer, principalmente se fosse na Itália, onde tenho amigos cineastas. Ainda não chega a ser um sonho, mas pode vir a ser", revela. Ela confessa ainda que só voltou de Nova York, onde ou dois meses, porque a agem tinha data. "Senão, ficava. Muitos amigos íntimos vivem fora. Só fiquei eu aqui", fala. Também teria que recomeçar sua carreira, que aqui já é bastante reconhecida e consolidada. E seu trabalho Lisette não larga de forma alguma. Fotografar pessoas é a sua paixão. "É algo empírico, não poderia ensinar fotografia, pois nem eu sei como eu faço. Só sei que consigo captar as expressões das pessoas, torná-las mais bonitas, porque extraio o melhor delas".