Saudades do monstro que dormia embaixo da cama. 1a5j29

A versão moderna do monstro que dormia embaixo da cama, agora dorme com as crianças em cima da cama. Pode ser um parente, o … 3p6j4r

17/03/2009 00:00

A versão moderna do monstro que dormia embaixo da cama, agora dorme com as crianças em cima da cama. Pode ser um parente, o padrasto ou até mesmo o pai estuprador. Estes fatos são largamente reportados pelo imprensa, é desnecessário entrar nos meandros deste pântano fétido. Mas não vou deixar barato a reação do arcebispo de Olinda e Recife, José Cardoso Sobrinho. Ao excomungar a mãe da vítima, uma menina de nove anos, grávida de gêmeos, e o médico que realizou o aborto, o religioso mostrou que o autoritarismo medieval da igreja católica continua ativo, embora mais velado. São recidivas como esta que reavivam o ado sombrio da Igreja e o fazem levantar-se da tumba, como um morto-vivo maldito que não pode morrer. 1q564j

Em meio a pronunciamentos e desmentidos das autoridades da Igreja, Yara Rech, jornalista competente e atualizada, soltou no Coletiva uma matéria que me pareceu a mais emblemática, entre todas as notas e reportagens que li. O artigo aborda a imensa crise que abala a fé católica e não só: há países em que a fé é motivo de piada. São tamanhas e tantas as barbaridades que a Igreja fez e faz em nome de Deus (em NY foram gastos 400 milhões de dólares na defesa jurídica dos padres pedófilos, vox populi), que não entendo como Ele não reage. Por muito menos Sodoma e Gomorra foram destruídas a ferro e a fogo, segundo a Bíblia. Na minha fantasia o castigo deveria começar pelo Papa de olhos galvanizados, o Papa estratégico, o mais reacionário, o mais frio e premeditado Papa dos últimos séculos.

Há algo de um retrocesso, como um retorno à barbárie, esta mais insidiosa porque não usa o porrete, o que daria mais chance de defesa. A neobarbárie prospera na forma da lei dos homens e da lei do "Deus" da igreja que prefere que nasçam multidões de crianças soropositivas e indesejadas do que se distribua camisinha, do que se interrompa uma gravidez fruto de estupro.

Quando ouço e vejo padres excomungando médicos conscientes e honestos e poupando o estuprador; quando vejo que os sistemáticos banhos de sangue nas repúblicas africanas não perturbam o café da manhã de quase ninguém; quando vejo Sarney e Collor de volta ao poder, me dou conta que não sou nada, só espanto e solidão.

Este texto não a uma demonstração pública dessa gagueira solitária, porque a palavra nada pode diante da velocidade e da quantidade de fatos canhestros e absurdos que transbordam dos meios de comunicação. Nem Freud, nem Nietzche, nem Siddharta Gautama, quem me socorre são os versos de Augusto dos Anjos :

"Com um pouco de saliva quotidiana/ Mostro meu nojo à natureza humana. A podridão me serve de evangelho?/ Amo o esterco, os resíduos ruins do quiosques/ E o animal que urra nos bosques/ Com certeza é o meu irmão mais velho."

No entanto, no outro prato da balança da justiça de fato, vejo o depoimento solidário, escrupuloso e comovido do médico que realizou a intervenção na menina grávida. Ele pesou mais do que o circo sórdido da igreja. Ele é o sintoma mais eloquente da boa fé e do estoicismo do povo brasileiro.