Amor, se não viver, como saber? 3t4631

Não é todo o dia que se encontrao que é feito para dar imagem exata do seu desejo.Lacan Tudo já foi dito sobre o … y5q5d

04/11/2008 00:00

Não é todo o dia que se encontra o que é feito para dar imagem exata do seu desejo. Lacan 6v2l5t

Tudo já foi dito sobre o amor nas suas mais variadas facetas, de Shakespeare a Chitãozinho e Xororó. A dúvida surge quando nos ocorre que não há um amor específico, mensurável, identificado nas dobras do tempo. Amamos daquela vez como se fosse a última, amaremos na próxima, como se fosse eterno. A psicanálise bem que tentou fazer uma faxina nos nichos da alma: românticos para um lado, psicopatológicos para o outro. Sei, não, acho que entre um pólo e outro há uma terra de ninguém, e o verniz da civilização, às vezes, é fino demais para conter o chacal que habita os redutos mais sombrios da natureza humana.

Freud era chegado numa prima; o filósofo marxista francês Louis Althusser, enlouquecido, enforcou a mulher com uma meia de nylon; Woody Allen largou da mulher, como se diz lá em Cachoeirinha, e foi viver com a enteada. Para uns, safadeza grossa, inominável, para outros, um homem capaz de se imolar em praça pública, em nome do seu maior e definitivo amor. Sugiro, portanto, que não se deve esperar racionalidades acerca das energias misteriosas que brotam dos corações.

"Ela não me faz companhia e não me dá os benefícios da solidão" - me disse certa vez um amigo. "Por que não separam?" - perguntei, sem um interesse sincero na resposta. "Por causa da química, e do cheiro dela." - respondeu com autoridade. Entendi que estava falando da linguagem dos corpos, óbvio. Mas, fora da cama, nada dava certo. Como sabemos, as pessoas são condicionadas para sofrer em público e gozar secretamente, exceção feita ao Maluf, que, diante das câmeras, parece estar sempre gozando da nossa cara.

Ao escrever-se sobre a magnitude do amor, corre-se o risco de ser previsível, ou falar grego. Falar em grego, lembrei de um (naturalizado francês), chamado Roland Barthes e seu "Fragmentos de um Discurso Amoroso". Há uma agem no livro em que ele diz, com outras palavras, que, em grande parte, as pessoas não usufruem as delícias do encantamento amoroso, pelo temor da possível perda do objeto causador daqueles sentimentos extraordinários, o que seria um aniquilamento antecipado.

Mulheres nem tanto, mas os homens ficam assombrados com um amor iminente. O jovem workaholic prefere se refugiar nos glaciares afetivos, na ilusão de que, junto com Cristo, só o dinheiro salva. Os mais velhos se tornam ácidos, para não dizer cáusticos.

A gauchada costuma dizer que mulher não gosta de homem, quem gosta de homem é veado. Concordo, porém, com uma ressalva indispensável: mulher não gosta de homem boçal. Quase sempre o boçal, hedonista e tosco, pouco sabe sobre as mulheres. É ansioso, bebe demais, quer encurtar caminho e mete a mão sem o pré-requisito da intimidade (engoliu um Viagra antes de sair e não quer perder o investimento). Mulher, em geral, não gosta que metam a mão, a frio, sem açúcar e sem afeto. E o boçal volta pra casa bêbado, com um vazio dentro do peito, e o inútil corcoveando dentro das calças, alheio aos acontecimentos. E se enfurece: "Quem aquela vagabunda pensa que é? "- reclama um pouco antes de afundar em seu sono sem sonhos e sem culpas.  

Falar nos meandros do amor em uma crônica (supostamente deve ser sintética), não satisfaz, nem a quem escreve, nem a quem lê. Por isto, arrisco dizer que a poesia é a única linguagem capaz de expressar minimamente o que sente um coração, quando o ser apaixonado fica mudo de espanto. Os poetas, em poucas palavras, desatam o nó que impedia uma multidão, desenganada e silenciosa, romper a teia paralisante  dos seus medos e desencantos. Vide as canções de Chico.   A palavra poética, imprecisa e de tradução íntima, liberta as pessoas para que retomem suas ilusões e se lancem novamente nas veredas amorosas, onde "pode tudo", como dizia o síndico Tim Maia. E, se for o caso, o poema inspirador planta o grão da boa angústia, onde só havia marasmo e apatia.