O nosso interior surpreendente me mostrou os aparados da Serra Gaúcha num tempo em que não havia GPS. Junto com dois fotógrafos free-lancer percorri a pé a região do Itaimbezinho para documentar o nosso grande cannyon. No finzinho da tarde, de um minuto para o outro nos perdemos em meio a um denso nevoeiro que chegou sem aviso, e logo fechou uma noite branca, fantasmagórica. Por precaução, sentamos no chão e resolvemos aguardar a névoa se dissipar. 4c4qn
Súbito ouvimos ruídos de patas de animais e do nada surgiram três amazonas montadas em seus cavalos. Morri e fui para o céu - pensei. Eram três jovens mulheres lindas, com enormes cabeleiras negras esvoaçantes, metidas em vestidinhos de xita que deixavam ver as coxas vigorosas. Ficamos mudos, os três. Aquilo era visão de filme de Fellini. Tentei falar, mas engoli em seco. Mesmo assim, num fio de voz, eu disse algo como: "Moça, a gente se perdeu". Elas riram e disseram para segui-las. Fomos recebidos num ranchinho pelo pai das meninas que, imediatamente, nos ofereceu "pouso".
O "seu" Marçal (guardei seu nome para sempre) nos acomodou num dos cômodos da casa onde havia três camas com lençóis limpíssimos, colchões e travesseiros estofados com macela, de onde exalava o delicado aroma da planta. Em minutos estávamos sentados a uma grande mesa rude na cozinha espaçosa, aguçados pelo cheiro de café e bife na chapa do fogão à lenha, depois servidos com aipim frito e pão feito em casa. No outro dia descobrimos que as meninas dormiram em pelegos na cozinha, pois haviam cedido suas camas para nós. Tamanha generosidade seria possível em Porto Alegre ? Ora, se Porto Alegre fosse habitada exclusivamente por portoalegrenses, isso aqui seria um porre de licor de ovos, eu acho. É o pessoal do interior quem entra com os salgadinhos, com o tempero, com a humanidade da vida.
Tenho grandes amigos da região da fronteira e do interior. O turco Chein de Livramento e de lá também o Renato Viera, este mesmo, o cirurgião plástico que fez a mágica no rosto da ministra Dilma Rousseff; de Santo Angelo o meu amigo Ernesto Ferreira, o Xiru; de Uruguaiana a nossa Sheila Borba e o imortal Julio Machado; de Bagé, o discreto e não menos amável Dr. Paulo os; a sempre encantadora Tânia Grigorieff, de Santa Rosa; de o Fundo o meu amigo Gilson Grazziotin; de outras cidades que não lembro o nome, queridas como a Mariângela Grando e Marinez; a Gracinha Craidy (de Ijuí), e tanta gente que vou magoar por falta de espaço.
Mas? você já ouviu falar em Tania Fioravanso ? Não? Pois eu tive o privilégio de conhecê-la. Somente conhecê-la. É a jóia da coroa do interior. Para mim ela representa (e simboliza) o elo perdido na transição evolucionária da mulher. Por tudo que sei de Tania Fioravanso, ela rompeu a bipolaridade cultural e ideológica que vitimou grande parte das mulheres. É uma das mulheres que conheço que melhor combinou inteligência e imaginação, sensibilidade e romantismo, racionalidade e atividade profissional, tudo isso sem afetar o seu encantador carisma feminino.
Do interior também vieram os meus pais e os meus avós. Talvez seja por isso que, às vezes, eu ouça as mensagens que vêm das estrelas, ainda que tenha nascido na Porto Alegre onde cachorro pode latir dentro dos apartamentos até as 3 horas da madrugada e músicos têm que parar de tocar às 11 da noite. Seja como for, daqui não saio, daqui ninguém me tira. Porto Alegre um dia ainda será demais.