promovido pela ARI e Coletiva.net debate o papel do Jornalismo na Ditadura Militar

Encontro contou com mediação de Márcia Christofoli e a participação dos jornalistas Cleidi Pereira, Elmar Bones e de Jair Krischke, fundador do MJDH

Márcia Christofoli, Jair Krischke, Cleidi Pereira e Elmar Bones (em ordem, da esq para dir.) - Crédito: Coletiva.net

Em uma noite marcada por reflexões profundas sobre o papel da imprensa durante o regime militar brasileiro, a Associação Riograndense de Imprensa (ARI) e o portal Coletiva.net realizaram, na última terça-feira, 22, o 'O papel do Jornalismo na Ditadura'. O evento integrou a programação do Mês do Jornalista da entidade e celebrou também o aniversário de 26 anos do Coletiva.net. O encontro contou com mediação de Márcia Christofoli, diretora do portal e a participação dos jornalistas Cleidi Pereira, Elmar Bones e de Jair Krischke, fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH). 

O foi promovido para marcar o lançamento do livro 'Confissões de um Torturador' escrito por Cleidi. Ela compartilhou os bastidores de uma das entrevistas mais emblemáticas de sua carreira: a conversa com Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel do Exército e um dos símbolos da repressão durante a ditadura. A jornalista relatou como encontrou o número do militar na lista telefônica, fez contato com sua esposa e, após meses de conversas, conseguiu que ele aceitasse dar a entrevista, publicada em 2014, quando Cleidi atuava como repórter de política da Zero Hora.

A entrevista teve grande repercussão e motivou Cleidi a iniciar, anos depois, a escrita de um livro - obra que também reúne depoimentos de vítimas de Ustra, como a atriz Beth Mendes e Artur Scavone, este último autor da ilustração que estampa a capa do livro. A publicação ainda lista os nomes de 60 vítimas atribuídas direta ou indiretamente ao coronel. "Esse livro é também uma ferramenta de memória", destacou a jornalista durante o .

Papel da Imprensa em 1964 e em 2025

O jornalista Elmar Bones também trouxe uma reflexão histórica e atual sobre o papel da Imprensa. Ele contextualizou os desafios de se fazer jornalismo durante a ditadura militar, destacando como alguns jornalistas, mesmo sob censura e riscos, tiveram papel essencial em denunciar abusos, investigar violações e informar a população com responsabilidade. Enquanto alguns grandes veículos acabaram se alinhando à censura. 

Bones ressaltou ainda a importância do surgimento de novos veículos independentes, que buscam resistir à desinformação e à homogeneização promovida pela grande imprensa comercial. "Estamos vendo o renascimento de um movimento de resistência. Temos iniciativas do jornalismo independente protagonizadas pelo Jornal JA, pelo Matinal e pelo Sul 21 - presentes no evento -, aqui no estado e pelo Brasil de Fato e pelo ICL, em São Paulo. O que falta agora é articulação entre esses grupos, para que ampliem seu alcance e fortaleçam suas atuações conjuntas", afirmou.

Para ele, é fundamental que o jornalismo mantenha seu compromisso com a realidade e com o interesse público. "Precisamos mostrar aos leitores que a realidade brasileira é muito mais complexa do que o que se vê nos editoriais tradicionais. O jornalismo segue sendo essencial para enfrentar a desinformação."

Combate ao autoritarismo 

O fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke falou sobre a importância da memória no combate ao autoritarismo. "No Brasil, vivemos o que eu chamo de um ado que não a. A memória é a vacina contra o autoritarismo. Lamentavelmente, não temos políticas públicas de memória no país, diferente de países como Argentina, Chile e Uruguai. Por isso, é papel da sociedade civil resgatar essa história."

Ele também destacou o valor histórico da entrevista feita por Cleidi com Ustra, que agora será integrada a acervos de pesquisa. "Essa contribuição será objeto de muitas consultas. É uma generosa doação à memória do Brasil."

O reuniu profissionais, estudantes e interessados na história do Jornalismo, promovendo um debate sobre ética, resistência e o papel fundamental da imprensa na preservação da democracia. Um dos momentos mais emocionantes da noite foi a troca simbólica entre Jair Krischke e Cleidi Pereira: o fundador do MJDH entregou à jornalista um diploma de menção honrosa por uma crônica de sua autoria, premiada em 2024, e Cleidi, por sua vez, presenteou a entidade com o arquivo completo da entrevista com Ustra, utilizado na produção de seu livro. 

O material a agora a integrar o acervo do Movimento - reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) como patrimônio da memória coletiva da América Latina e do Caribe -, e estará disponível ao público, com o ao áudio integral da entrevista, como mais um importante registro histórico à disposição de pesquisadores e da sociedade.

Representantes da entidade

Em sua fala, o presidente da ARI, José Nunes, também fez questão de destacar o valor do Coletiva.net como símbolo da imprensa gaúcha. "Sempre que viajo para outros estados, digo com orgulho: nós temos o nosso portal de notícias. Enquanto o Rio e São Paulo tinham seus portais voltados ao jornalismo, nós tínhamos o Coletiva.net - que era o nosso, aqui do Rio Grande."

Antes da sessão de autógrafos, o ex-presidente da ARI Luiz Adolfo Lino de Souza pediu a palavra para fazer um registro especial sobre o aniversário do portal, que neste sábado, dia 26, completa 26 anos de trajetória no jornalismo gaúcho. Em um momento de celebração coletiva, as mais de 100 pessoas presentes no salão nobre da ARI entoaram em coro o tradicional "Parabéns a você", encerrando a noite com emoção e reconhecimento à história do veículo.

 

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