Tenho lido textos de todos os tamanhos, tipos e tendências sobre o significado da eleição de Barack Obama para o trono do ainda mais importante império do mundo e o que acontecerá com a humanidade depois de tal fato. A blogosfera, e não poderia ser diferente, ainda ferve: nela, há desde Is Barack Obama The Messiah? a seu oposto absoluto Barack Obama The Antichrist? 3t4q67
Em meio a todas as correntes, especulações, projeções, suspense e esperança, existem as teorias que fazem comparações com Lula, sua trajetória e suas eleições, vistas como ícone da tomada do poder pelos excluídos. Dessas, tô fora.
Lula nunca me representou nem representará. Mesmo que eu seja filha de operários semi-alfabetizados e que o PT tenha se valido da ingenuidade quase ignorante de meu pai para fazê-lo , há tantos anos, uma filiação que será sempre espúria e indecente, já que feita com planilha enfiada janela adentro de um trabalhador sem noção de ideologias partidárias.
Ao contrário de Lula, que serviu, serve e servirá à certa intelectualidade ou quase isso e, em especial, a uma parcela hoje mínima de pessoas da comunicação social, como baluarte da vitória do operariado sobre a "zelite", Obama representa o vira-latas que não se permitiu ser isso o resto da vida.
Assim como eu e milhares de filhos de operários, Obama não usou a desculpa da falta de grana e de "oportunidade" para abandonar a escola e depois usar este chavão até, quem sabe, para a vida pública.
Assim como eu e tantos que estudaram em grupo escolar, levando pão com banana esmagada em vez de manteiga e mais a tradicional garrafinha de coca-coca com café com leite para lanche, Obama fez questão de superar um estigma certo de discriminação que envolvia ainda a sua cor e o nome muçulmano.
A eleição de Obama me redime e a tantos que, como eu, cresceram numa vila de subúrbio construída com propósitos socialistas e que hoje é um aglomerado de prédios com outro aglomerado nos fundos, nas laterais, e nos espaços que eram para ser de lazer. Um conjunto habitacional que hoje existe sem simpatia oficial e inchou tempo afora, sob o olhar enojado dos bien nées e até dos que se achavam bem-nascidos só por não "ser do IAPI".
Assim como eu, Antonio Oliveira, Antonio Hohlfeldt, e, da turma mais jovem, Vitor Blay de Moraes, só para ficar na área do jornalismo, se criaram na vila. Uma vida nada fácil, todos filhos de pais trabalhadores, gente que saía da cama às 5 da manhã para voltar depois das 6 da tarde a fim de garantir a subsistência da prole.
No meio da vila, o Grupo Escolar Gonçalves Dias juntava a geração ali nascida ou ali chegada ainda pequena. O caminho natural, claro, seria a desistência, o abandono da escola, pela falta de incentivo, de nutriente e de futuro. Mas, se isso aconteceu com muitos, outro tanto escapou desta destinação.
Com pão com banana ou sem pão algum para levar de merenda, uma leva grande enfrentou exame de issão, fez o ginásio, depois seguiu para clássico, científico ou magistério e, superação ainda maior, ou pelo funil do vestibular e levou para casa o canudo. Independentemente do tempo em que esta caminhada foi feita, os vencedores foram muitos.
Portanto, em toda esta perplexidade misturada com ansiedade diante da eleição de Obama e suas atitudes a curto, médio e longo prazo, só não tem lugar para colocar, no mesmo patamar, a história deste negro que venceu com láurea, mesmo tendo-se criado sem pai, num país escancaradamente hostil para as minorias, e a de gente como Lula que, ainda agora, não faz o menor esforço para mostrar a seus adoradores que um país só cresce com incentivo à educação, ao estudo, ao esforço individual e coletivo.
Isso não se aprende em chão de fábrica e sim indo para a aula em escolas pobres, em pavilhões de madeira como eram os do Gonçalves Dias que deixavam ar frio no inverno e torravam no verão. Se aprende mesmo com a barriga roncando por falta de um almoço decente.
Força de vontade. Perseverança. Foco. É o que Obama teve. Ele me representa. Me comove. Me incentiva. Me redime na medida que prova que origem não é empecilho para nada. Desde que se acredite que falar corretamente, burilar seu intelecto e exemplificar pelo positivo e não pela negatividade é o caminho da concretização do sonho. Não o contrário.