Final de tarde, na janela 3g1gv

Estou cercada de edifícios, como a maioria dos moradores das chamadas grandes cidades. Minha sorte é que todos os grandes que me cercam, estão … 24335f

24/02/2012 00:00
Estou cercada de edifícios, como a maioria dos moradores das chamadas grandes cidades. Minha sorte é que todos os grandes que me cercam, estão longe de minha janela da sala, o que me dá uma certa vantagem na vida: tenho meu pedação de céu e árvores velhas, inclusive frutíferas, que sobraram da sanha imobiliária neste alto do morro. Há pouco, coloquei meu computador na sala, para fugir do calor absurdo do meu pequeno escritório, cuja minúscula janela pega todo o calorão da parede de sustentação de encosta embora até divise algumas plantas e um imenso figueirão que mais ameaça do que faz sombra no edifício. Então, curto o vento abençoado que bate na minha cara enquanto teclo estas linhas em que busco ver coisas boas e bonitas que sirvam como um possível contraponto a meus sentimentos destes últimos dias. Tenho sorte nesta encarnação, com amigos novos e antigos que não me esquecem, apesar de minhas retiradas para meu mundo interior, colegas generosos que me estendem a mão, filhos (e nora) extraordinários que seguram meus efeitos montanha-russa e pai e mãe que me mostram, diariamente, que fui premiada em nascer deles. Mas, ultimamente, a coisa anda braba no quesito saúde deles. E eu, que chuto o balde com tanta facilidade em tantos outros quesitos da vida, ando grudada nas paredes, me segurando no ar, tamanho o medo de que se quebre esta frágil linha que separa a vida daquele mistério que a sucede, cedo ou tarde. Tenho amigas valentes, que enfrentam doenças com uma galhardia, uma dignidade tão grandes, que me envergonho de minha covardia e de meus mimimis cada vez que meu pai parece cruzar a tal linha, para retornar em seguida. Me detesto por ficar assim, parecendo uma folha amarela e seca indo ao sabor da brisa mais forreca, quase imobilizada, assustada como cachorro em caíque, em vez de encarar as coisas como elas são. A finitude de tudo, inclusive ? até mesmo do plástico mais resistente que, um dia, vai se misturar à terra, como nossos ancestrais milenares que hoje são petróleo. Pior é ainda tentar fazer graça, numa hora dessas, em que me falta foco e direção. A televisão ligada joga notícias novas e antigas, imagens de João Goulart em preto e branco, de carnaval avacalhado por bagunceiros, de indicados ao Oscar, da menina loirinha e risonha que adultos e jovens sem limites assam numa beira de praia. Do meu mirante, vejo gente fechando as janelas, encerrando o dia. Aquele carro que ficou quatro dias azucrinando, no estacionamento ao lado, com o alarme disparado, sumiu. A vida de final de fevereiro vai andando, a reunião pela manhã me recolocou na rotina do trabalho, minha mãe amou os bem-casados novinhos que levei no almoço, e meu pai pediu mais suco de uva, elogiando: ?mas tá bom, isso aqui?. Ele tem dito muito esta frase, para comida, bebida, qualquer imagem que o agrade. Torço tanto para que ele fique presente, dizendo que gosta da vida. Mas, em seguida, ele vai embora, pra esse território miserável da mente que teima em se alargar. E eu fico aqui, tentando escrever e achar meu jeito de continuar vivendo sem desespero.