Quase 19 horas, abro a porta de casa, o telefone toca, atendo e João Carlos Magaldi, superintendente de Comunicação da TV Globo, fala: 555f5t
? Mario, sei que você saiu daqui há pouco, mas surgiu um problema urgente que não dá para esperar até amanhã?
Menos de 20 minutos depois, eu perguntava:
? E daí?
? O Otto (Lara Resende), que escreve os discursos do Walter (Clark), está com uma gripe violenta e acabou de telefonar dizendo que não consegue nem pensar. O Walter, amanhã às 11 horas, pega um táxi aéreo para Aracaju, onde vai receber o título de cidadão de Sergipe na Assembléia Legislativa. Em seguida, do outro lado da praça, na Câmara de Vereadores, receberá o título de cidadão aracajuano. Dois discursos e a única relação dele com Sergipe é uma tia nascida em Lagarto. Dá para você enfrentar essa?
Saí aturdido pela responsabilidade e com a auto-descoberta que não sabia absolutamente nada sobre Sergipe, além da certeza de sua localização entre a Bahia e Alagoas.
Comprei um almanaque numa banca de jornal e voltei para casa ruminando alguns caminhos possíveis para não deixar o Walter em maus-lençóis. Afinal, naquele ano de 1975, ele era o maior nome da nossa televisão, presença assídua em capas de revistas e o mais astronômico salário da história do país.
Às 9 horas do dia seguinte, ainda meio insone, entrei na sala do Magaldi com os dois discursos datilografados. Ele leu, pediu licença e voltou dizendo que o Walter gostara e agradecia.
Dias depois, Magaldi pede para eu ir lá e propõe:
- O Walter gostou dos seus discursos e como o Otto também faz os do dr. Roberto, pediu que eu convidasse você para escrever os dele. A gente acerta um fee mensal e você alivia, em parte, o Otto.
Como eu já tinha um fee para criar os textos dos anúncios que uma agência produzia para a Globo, gostei da proposta. Fechado o negócio, que funcionou até quando o próprio Walter e o Magaldi me convidaram, em 1976, para vestir a camisa da Globo e implantar sua "house agency". Montei a equipe, batizamos a recém-nascida como Agência da Casa e o fee foi agregado ao meu salário.
Nunca, nem Walter nem eu tocamos no assunto desse trabalho. Sua secretária me telefonava, dizia se era palestra, conferência ou outra coisa, dava a data e eu, depois, entregava o texto. Dele, nenhum comentário, positivo ou negativo. Certa vez, a incumbência era um discurso bem curto, para uma formatura de contabilistas na qual, como homenageado, Walter decidiu ir. Tarefa banal para quem já escrevera pronunciamentos no Congresso Nacional, na Escola Superior de Guerra e em outras instituições de alto nível. Dia seguinte à formatura, ele me ligou e foi enfático:
? Mario, nunca mais use a abertura de ontem.
Pensei, de imediato, que havia quebrado a cara logo num negócio sem a menor importância.
Walter concluiu: usarei sempre essa abertura em situações de improviso.
Respirei aliviado e pouco depois fui conferir a abertura, escrita dias antes:
"A unidade de tempo do profissional de TV é o segundo. Não se assustem. Serei breve."
Ano seguinte, Walter saiu da Globo e o ghost writer entrou em férias, nas quais só escreveu um discurso, mas foi "oferta da casa" para uma posse presidencial no CR Flamengo.
Aceitei o convite, em 1980, para transferir-me e chefiar a Comunicação da Fundação Roberto Marinho: Jornalismo, Propaganda e Relações Públicas. O ghost writer voltou à cena e, em relação à Fundação, textos e discursos do chefão estavam inclusos no salário.
Entre os muitos objetivos da FRM, tive oportunidade de popularizar e divulgar muitas manifestações culturais de importância, mas pouco conhecidas fora de suas regiões. Entre elas, a Missa do Vaqueiro, em Pernambuco, e o Festival de Arte de São Cristóvão, a antiga capital de Sergipe. Essas atividades aproximaram-me das autoridades ligadas às artes e à cultura de muitos estados brasileiros. Em 1982, surpreendido por um convite do governo de Sergipe, fui, com minha mulher para lá e, hospedados em Aracaju, acompanhamos o festival da cidade vizinha.
Como São Cristóvão é uma das mais antigas cidades brasileiras, inseri-a, com alegria, na relação das que eu já conhecia. Como Laranjeiras também é outra mais que secular, lá assinamos o ponto e matamos dois coelhos com uma cajadada só.
Nessa ida, pisamos em referências obrigatórias de Sergipe que, sete anos antes, em 1975, eu conhecera apenas por um almanaque. Nesse conhecimento - ao vivo - lembrei-me, é claro, que há menos de 80 km da capital está a cidade de Lagarto, onde nasceu uma tia do Walter Clark?
Inté.