? Uma flor nasceu na rua! em de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu? 4x40a
Carlos Drummond de Andrade
Hoje, domingo, 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, lembrei-me de Tchecov.
Consagrado como um dos maiores contistas da literatura ocidental, o também médico e dramaturgo russo antecipou-se ? em muito ? à visão sobre os problemas globais relativos à preservação do meio ambiente.
Eu não tinha ainda 20 anos quando, já inclinado a fazer teatro, li a peça Tio Vânia. Como toda a dramaturgia de Tchecov, Tio Vânia é uma radiografia da Rússia onde não se vê um único fio de esperança. É um desalento total, um manifesto sobre a inutilidade de qualquer gesto. Na época dessa leitura, pensei: "Esta obra-prima só pode ser dirigida por alguém muito maduro. Quando eu tiver mais que 40, quem sabe?".
A vida me levou para outros caminhos, mas me deu a oportunidade de assistir a duas montagens da peça, uma em Paris, outra no Rio: dois espetáculos que me fizeram supor conhecer tudo sobre o Tio Vânia.
Início dos anos 90, no Rio, Armando Bógus encarnava o Tio Vânia e eu fui ver o amigo e grande ator numa magistral criação. No intervalo, totalmente perplexo, comento com minha mulher que o Tchecov tinha um discurso sobre o meio ambiente que eu nunca percebera. Ao final do espetáculo, ainda perplexo com outro discurso sobre a devastação de florestas, feito pelo mesmo personagem, um médico, como o autor, percebi duas coisas. A primeira, é que os discursos não tinham nada a ver com a "carpintaria" do espetáculo. O autor usava o personagem como os "caboclos" usam os médiuns na macumba. Naqueles dois discursos, o personagem é, apenas, o "cavalo" do Tchecov. A segunda coisa foi me dar conta que, nos meus contatos anteriores, os problemas ecológicos ainda estavam longe da discussão popular e, por isso, não tinham "acontecido" na cabeça deste leitor e espectador. Naquela noite, ao chegar em casa, fui ver a data da peça e encontrei o ano de estréia da mesma no Teatro de Arte, de Moscou: 1902.
Aconteceu uma coincidência e, poucos meses depois de ver a peça, fui assistir ao filme de 1987, Olhos Negros, que deu o prêmio de melhor ator, em Cannes, a Marcello Mastroianni, um roteiro todo baseado em contos do russo. Mais uma perplexidade! Num spa, na Itália, o personagem de Marcello conhece uma jovem russa por quem se interessa. Quando ela deixa o spa, decide ir atrás da moça. Fingindo procurar o local para implantar uma fábrica de vidros, ele consegue um visto e vai à Rússia. Ao chegar na aldeia da jovem, é interceptado por um louco que, conhecedor de suas falsas intenções, dizia que não queria nenhuma fábrica lá, pois isso exigiria lenha e a floresta seria devastada? Esse conto, um dos adaptados para o filme, foi escrito na virada do século XIX para o XX.
Já comentei com amigos essa visão extremamente precoce do escritor em relação à necessidade de preservar o planeta e me propus ? quando tiver um tempo ? a fazer uma pesquisa em profundidade na sua obra e escrever um livro cujo título pode ser Tchecov e o Meio Ambiente.
Como não tenho idéia se haverá ainda tempo para esse "um tempo", a sugestão fica aí, para ambientalistas que amam a Literatura ou para aqueles que amam a Literatura e tudo mais que diz respeito ao homem.
Inté.
Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de ?Antonio??s, caleidoscópio de um bar? (Ed. Record), ?História do Comércio do Brasil ? Iluminando a memória? (Confederação Nacional do Comércio), co-autor, com Rafael Guimaraens, de ?Trem de Volta ? Teatro de Equipe? (Libretos) e um dos autores de "64 Para não esquecer".