"Palavras, palavras, palavras?" Shakespeare Mario de Almeida* Outro dia expliquei para uma estudante amiga que o vocábulo "equívoco", se usado como "erro", é erro. O significado correto é "ambíguo", ou ível de mais que uma interpretação. O significado próximo de "erro"" é "engano" e o antônimo de "equívoco" é "unívoco", ou seja, com uma única interpretação. Em propaganda, frases ou afirmações equívocas são muito utilizadas, pois permite que, no universo-alvo, cada um se aproprie do conceito que lhe parecer correto. Quando um anúncio diz "feito para você", o publicitário quer que o alvo vista a melhor camisa nesse "você" e seja seduzido pela mensagem, "comprando a idéia". Final dos anos 60, começou a surgir no vocabulário brasileiro a expressão "pra frente", no sentido de moderna, de progressista, de vanguarda. Num mês de setembro, quando comecei a bolar uma promoção para a Shell, escrevi, no título, "Pra frente com Shell". Senti um arrepio na coluna, escrevi "Shell é pra frente" e achei que a campanha para o ano seguinte acabava de nascer. Mostrei as duas frases para João Carlos Magaldi, gerente da Standard Propaganda, acionamos a Shell e, naquela mesma noite, TVs Globo e Tupi exibiam um slide, de 15", com ambas as frases, mais a logomarca da multinacional. E começou um tumulto telefônico. A agência J. Walter Thompson trabalhava em surdina, há muito, numa grande campanha para relançamento, em dezembro, da Pepsi, no Brasil. Toda a campanha se baseava no slogan "sabor p"ra frente". Manhã seguinte, executivos da Shell, da Pepsi, da Thompson e da Standard se reuniam para resolver o problema. E foi celebrado um acordo de cavalheiros que não mudava os planos de ninguém. A Pepsi cumpriria sua agenda e a Shell a sua, no ano seguinte. A Pepsi ficou no "p"ra", com o apóstrofo, mostrando a supressão da letra "a", e eu optei - por ser lógico - por um "prá" com acento agudo, pois a preposição virara um monossílabo tônico. Ganhei um belo artigo, numa coluna sobre propaganda, acusado de estuprar o idioma. Escrevi um bilhete gentil ao jornalista explicando minha posição ortográfica e dizendo, entre outras coisas, que no meu tempo de estudante, vendi muitos penicos, fui propagandista de laboratório, dei aulas de recuperação de Latim para ginasianos e de Português em curso de issão ao ginásio para jovens carentes (a gente chamava de pobre mesmo). A frase "prá frente com Shell" era equívoca: tu poderias ir prá frente, subir na vida, pois a Shell era vanguarda ou, prosaicamente, fazer teu carro andar com gasolina Shell. Anos depois, mestre Aurélio colocava em seu dicionário, no verbete "pra": "A rigor, constituído, como constitui, um monossílabo tônico terminado em a, deveria ser acentuado". Lavou minha alma. De equívocos e equívocos vou levando minha vida e, um dia, minha irmã - Célia - perguntou-me como eu escreveria um slogan para mim mesmo. Já existe - respondi -, a "" da Fiat institucional seria o meu slogan: "A idéia é ser útil". No caso temos uma frase unívoca - ser útil - com uma idéia equívoca - ser útil como? Em "Romeu e Julieta", Shakespeare ensina que as coisas, os substantivos, existem independentemente de seus nomes, conforme a tradução poética de Onestaldo Pennafort: "Se a rosa não se chamasse rosa, seria porventura menos perfumosa?". Séculos depois Gertrude Stein simplificou: "Uma rosa é uma rosa, é uma rosa?" Relendo o que escrevi, cheguei à pífia conclusão que esse texto está meio ou todo descosido, o que me obriga a recorrer a Drummond, em Explicação: ?Se meu verso não deu certo, foi seu ouvido que entortou". Inté. A propaganda e o paradoxo: se o segredo é a alma do negócio, a propaganda entra onde?
* Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de ?Antonio?s, caleidoscópio de um bar? (Ed. Record), ?História do Comércio do Brasil ? Iluminando a memória? (Confederação Nacional do Comércio) e co-autor, com Rafael Guimaraens, de ?Trem de Volta ? Teatro de Equipe? (Libretos).
ma312@hotmail.com
Se a rosa… 2s2z6b
"Palavras, palavras, palavras…" Shakespeare Mario de Almeida* Outro dia expliquei para uma estudante amiga que o vocábulo "equívoco", se usado como "erro", é erro. … 215534
16/08/2004 00:00