Antes de colocar os pés na rua, já sentia o ar impregnado de dama da noite. 42x5s
Sentiu que a noite chegara prematura. Ou fora o inverno?
Havia um descomo entre ele e o seu entorno.
A dama da noite conseguira, pela primeira vez, perfurar mais fundo suas narinas. Perguntou-se se haveria um propósito oculto naquela fragrância mais insistente. Houvesse ou não, resolveu aceitar o desafio.
Por justiça, recriminou-se. Rendeu-se, afinal, pela vida toda ada como se a dama da noite fosse um patrimônio seu, herdado ou não, mas seu. Essa arrogância face ao natural, esse jeito de receber as coisas como um apêndice à vida que também recebera não seria um despojo do melhor, um despir-se, talvez, do melhor da oferta?
Sacudiu a cabeça como se fosse um interlocutor de si mesmo e caminhou para a noite que julgara antecipada. Sem perceber motivo nem intenção, seus olhos voltaram-se para o céu à procura de nada. Ao não vislumbrar lua nem estrelas, achou que poderia ser uma vingança das muitas e muitas noites que se lhe atravessaram despercebidas. Interrompeu um suspiro, pois suspiro é aceitação, e ele não queria ser desonesto e aceitar o inaceitável.
Sua memória começou a caçar e registrar o imenso desperdício, até receber um aviso que, se não mudasse de rumo, transitaria entre o sadismo e o masoquismo.
Houve um aceno, lá do fundo de si mesmo, um aviso da própria memória que ela, a memória, também resgata. É como catar, no caminho percorrido, coisas que não deveriam ter caído, mas caíram.
De pronto, a memória ofereceu-lhe a prova. Um almoço, pai, mãe, duas irmãs, um irmão e um cachorro cochilando no chão, celebrando um domingo de paz. Uma réstia de sol entrava por uma porta, uma natureza morta, na parede, testemunhava aquele momento vital, e um relógio na parede, grave e severo, avisava que a vida tem que ser compreendida em todos os seus momentos. Mesmo que as coisas se repitam, inda que semelhantes, jamais poderão ser as mesmas, são como águas do rio que só am uma vez.
Refugiou-se na idéia de que saíra com a intenção de só usar as pernas. Mas não havia como recriminar os pensamentos, que, sem aviso, anestesiaram suas pernas e adonaram-se de tudo.
Pela segunda vez, sacudiu a cabeça como interlocutor de si mesmo, e os olhos foram à busca de algo que pudesse salvar a noite, ou melhor, mais uma vez, salvá-lo de si mesmo.
Foi acudido, debaixo de um lampião, pela agem de um carrinho de bebê que sorria para ele.
Sorriu também, mas, de súbito, deu-se conta que não era hora de bebê ear.
Olhou para trás, mas a bruma noturna escondia o que ara. Ou não ara?
Resignado, não conseguiu evitar o suspiro, deu de ombros e apressou os os.
A noite o recebeu sem mais comentários.