Cicatrizes 59d2j

Dia 20 ado, saudando o velho amigo José Antonio Moraes de Oliveira, comentei a sua coluna ? "O Guerreiro" – aqui em Coletiva: A … 3mp5w

27/04/2009 00:00

Dia 20 ado, saudando o velho amigo José Antonio Moraes de Oliveira, comentei a sua coluna - "O Guerreiro" ? aqui em Coletiva: 1q296e

A começar por esta transcrição, dei pequenas mexidas nas outras minhas:

"Alegre & triste Véio Killer

Alegre por tê-lo, há muito, te indicado para o Vieira e saboreado teus textos, ora de belas memórias, ora de invenções criativas e gostosas.

Mais alegre por saber-te, agora, inserido no quadro dos colunistas.

Triste, pois, desde que meu filho adotivo, Eloí Flores, comunicou-me a ida do velho guerreiro, Xico Stockinger, meus olhos, quando pousam naquele guerreiro de metal que ganhei quando da venda para ele de um Manabu Mabe do Teatro de Equipe, ganham a mesma névoa do prêmio de teatro que ganhamos da Folha da Tarde, o ?Negrinho do Pastoreio?, do outro escultor e amigo que se foi há tempos ? Vasco Prado.

Infelizmente, são perdas que Negrinho do Pastoreio nenhum poderá achar. É a vida (!), diz a expressão popular.

Foi a vida, esclareço eu, cheia de grandes momentos com ambos. É a morte.

Abração, serrano, cheio de nossos momentos comuns desde 1957, quando aportei no teu Porto.?

Eu, ainda antes de entrar para a equipe de colunistas, escrevi aqui:

"Que general? Manhã de 14 de novembro de 1963, encontro o artista Xico Stockinger a caminho da Caldas Júnior, onde fazia charges na Folha da Tarde. Num episódio que conto no livro a sair, em parceria com Rafael Guimaraens, Xico comprara de mim, meses antes, um quadro de Manabu Mabe (cuja reprodução está no livro) pelo valor de três meses do imóvel do Teatro de Equipe, que já estava sem espetáculos.

Xico achara o negócio vantajoso demais e me prometeu dar uma escultura.

Nesse dia 14, ele, que sofria a escalada inexorável de um processo de surdez, disse-me que tinha a certeza de que terminara uma peça, em metal, que eu iria querer sem pestanejar.

Dia seguinte seria feriado e fiquei de ir visitá-lo, em sua casa e ateliê, na Rua Pelotas, na Floresta.

Lá chegando, Ieda, a esposa, que sabia das coisas, disse-me para não ir ao ateliê, pois lá estava o general Amaro da Silveira que, há semanas, abrira um processo contra mim e outro contra a Última Hora, por conta do episódio em que o governo Meneghetti entregara os arquivos policiais aos EUA.

Eu era frequentador assíduo do casal, e Ieda me levou para a cozinha, nos fundos da casa, onde fomos tomar um cafezinho.

Dos basculantes da cozinha via-se a pequena área onde Xico tinha seu forno e, adiante, seu ateliê.

Ao sair do ateliê para fazer alguma coisa, Xico me viu através dos basculantes e me chamou para ir ao seu encontro. Ainda pelos basculantes, com muito cuidado vocal, disse ao Xico que não podia ir, por causa do general.

Naquele tom típico dos deficientes auditivos, Xico berrou: ? Que general?! Fui para a porta da cozinha, tentando explicar, e Xico gritou ainda mais alto: ? Que general?!!

Agora, quem estava na porta do ateliê era o próprio general, amigo e irador da obra do artista.

Como nos conhecíamos fisicamente e o general teve uma imediata percepção do que acontecia, começou a rir. Eu também comecei a rir e, enquanto o general voltava para o ateliê, eu voltava para a cozinha.

Depois que o general se retirou e de uma nova sessão de risadas da Ieda, do Xico e minhas, fomos para o ateliê onde, dramaticamente, Xico puxou com força um saco de aniagem que envolvia uma escultura de metal, hierática, com cerca de um metro de altura. Segundos depois, eu, abraçado à peça, confirmava: ? É minha! E Xico completava: ? É o Fidel. 

Após minha fuga do Rio Grande, onde publiquei em minha coluna na Última Hora, ?Sem Censura?, em 2 de abril de 1964, a carta-testamento e a foto de Vargas, o também artista e amigo Léo Dexheimer teve a generosidade de me trazer o ?Fidel? que está aqui, ao lado do computador, revigorando-me em momentos de cansaço e desalento. 

Em novembro de 2001, quando estive em Porto Alegre participando do ?Teatro de Equipe ? Casa de Cultura de Porto Alegre?, promovido pela Feira do Livro, o casal Ivette Brandalise e Milton Mattos ofereceu um jantar a amigos comuns.

Xico levou-me como presente uma ?escultura-engate? de um casal transando, que era para me ?lembrar de como era?. Logo eu, que não me esqueci daquela longínqua manhã de 1963, iria me esquecer de noites tão recentes? 

Quanto ao processo, movido pela Secretaria de Segurança, nosso companheiro de UH, o advogado Godoy Bezerra, conseguiu que ele prescrevesse. 

O que não irá prescrever - nunca - foi o grande momento hilário: ? Que general?!" 

Dias depois daquele jantar, acontecido em noite linda de lua cheia, onde conheci os dois filhos do casal anfitrião, e abracei pessoas queridas como Célia Ribeiro e Lauro Schirmer, Fuhro, o casal Vera e Léo Dexheimer, o casal Naná e Fernando Castro, reencontro, na Praça da Alfândega, o Xico defronte da sua mais recente obra, "Drummond e Quintana". Essa nossa foto naquele banco, eu tenho. Foi a última vez que nos vimos.

Quase dois anos depois, quando o Equipe foi o homenageado no 10º Festival Porto Alegre Em Cena, houve no foyer do Theatro São Pedro o lançamento do livro "Trem de volta - Teatro de Equipe", com o depoimento do pintor Iberê Camargo, já em sua volta definitiva a Porto Alegre, sobre o seu amigo Xico, assim registrado pelo meu parceiro Rafael Guimaraens naquele trabalho: "Durante nosso prolongado afastamento, que durou quase trinta anos - ele em Porto Alegre , eu no Rio -, trocamos copiosa correspondência, sempre transbordante de humor e afeto. Quando das minhas vindas esporádicas à capital gaúcha, juntos, quixotescamente, nos empenhamos em acirrados debates. Entre muitos, ficou famoso o do Teatro de Equipe, nos idos de sessenta, que cunhou a inolvidável expressão "marasmo de Porto Alegre". Mario, sempre atento às possibilidades de agitar ideias, identificou de imediato a oportunidade da inteligência local botar para fora suas premissas, necessidades, carências e avaliar aquele momento de efervescência.

Mario procurou Iberê que, assustado com as reações, aceitou participar de um debate com a comunidade cultural, como forma de apaziguar os espíritos mais exaltados. Na noite de 12 de novembro de 1960, o Teatro de Equipe estava superlotado. "Este fato, por si só, já demonstra que o marasmo não é tão latente", registrou a Revista do Globo, numa matéria de duas páginas". 

Para o mesmo livro, Xico deu o seu depoimento: "A melhor coisa do Teatro de Equipe - para mim - é que quando a gente precisava de um local para discutir os problemas da classe, contava com o Equipe. Foi assim no debate com o Iberê (marasmo) e na Legalidade. Porto Alegre precisa de um outro Equipe." 

Ao final do movimento da Legalidade, Xico presenteou-me com uma charge a cores, tamanho cartolina, eu fantasiado de Mao Tse Tung. 

Desculpe-me. Sei que nesta "colagem" me alonguei.

Decidi que não quero mais mexer nessa ferida, mais uma dolorosa prova que o meu mundinho cada vez fica menor e, em descompensação, os acréscimos são mínimos. 

Xico, abrace por mim, Fuhro, Glauco Rodrigues, Iberê, os irmãos Koetz, Malagoli, Scliar e Vasco Prado. 

Hoje, o meu "Inté" é pra ti.