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Uma quinta-feira, sem solenidade especial, sem sorvete na banca 40 e nem encontro marcado com os amigos na Feira do Livro para colocar o papo em dia, um calor de tirar qualquer um do sério e eu pensando enquanto o lotação aproximava-se da Caldas Júnior nas pautas que me aguardavam. Sem revelar minha expectativa, pensei: "Tomara que não seja camelô, nada que me devolva ao burburinho do centro da cidade". Uma das pautas falava num tal projeto de incubadora Raiar, iniciativa da PUCRS, Sebrae e Finep. A outra mandava conferir um movimento de paralisação de uma categoria em dissídio.
Na pauta da incubadora Raiar, que fica dentro do Parque Tecnológico da PUCRS, a surpresa. Não havia encontro marcado, mas o dia parecia propício para rever amigos. Com minha antipatia fantasiada de timidez, fiquei aguardando outros jornalistas para o início do ree de informações. Nesse intervalo, fui intimada por uma ex-colega de faculdade: "Oi, Márcia, o que estás fazendo?". Confesso que não acreditei. Por favor, me belisquem. Aquela "jovem senhora" vestindo um belo terninho não podia ser a mesma magra meleca da Famecos.
A contestadora, radical, ousada, a que mais matava as aulas e sempre disposta a as suas atitudes. Na conversa, fiquei sabendo que a magra meleca é uma "incubada", tem uma empresa que faz previsões e projeções com base em avaliações antropológicas e de marketing. Para esclarecer: sempre tivemos uma relação "familiar" e como um círculo vicioso. Conheci primeiro o seu irmão, depois ela foi minha colega na faculdade, daí, andando em outros caminhos, tornou-se amiga do meu irmão. A vida girando. Mais tarde, nos reencontramos, novamente colegas, na Economia de Zero Hora.
Fiquei torcendo para que os jornalistas, quase sempre atrasados, desta vez, atrasassem um pouco mais. E dê-lhe conversa no corredor da sala onde seria feito o balanço da Raiar. Foi quando fomos surpreendidas com a chegada de uma assessora de imprensa de um dos órgãos de apoio à incubadora. E pelo seu contentamento ao nos encontrar. Nós trabalhamos juntas, em um período fértil, na Economia de Zero Hora. Esse senhor chamado destino, que escreve capítulos de nossas agens e adora molecagens, havia nos unido novamente naquele dia.
O tempo é o tempo e ele nunca envelhece, mas faltava tempo para tanto assunto. As três estavam afobadas. Logo, começaria a entrevista e havia tanto para falar. Elas disseram que são minhas leitoras aqui no Coletiva. Eu lembrei dos cases que a gente tinha que catar na corrida para a capa do caderno de Economia. A assessora de imprensa contou que está mudando de apartamento e uma correria e coisa e tal e coisa e tal. Trabalha muito. Queria mais tempo. A incubada (perdoe, mas é o nome dado a quem aposta e coloca o seu empreendimento em uma incubadora) revelou que está há seis meses no mercado e que a empresa está mexendo com a concorrência.
Até que a conversa foi tomando aquele rumo perigoso do tipo "eu era feliz e não sabia". Caminho rapidamente interrompido por alguém que sabiamente escutava as confidências, com a nossa permissão, e lascou: "Meninas, pensem que o dia de amanhã será sempre melhor". A entrevista sobre o balanço da Incubadora já tinha quorum. Aquele reencontro mexeu muito comigo. É como se eu tivesse aberto gavetas que estavam trancadas, mas com as chaves à minha disposição. Faltava coragem para remexer nas lembranças.
Reencontrar-se é um ato profundo e solitário de coragem. Permitir que o reencontro com outras pessoas que fizeram parte de sua vida lhe traga de volta sentimentos tão ternos é como reviver. Renascer. Não deixar nunca morrer aquilo que fomos. É bom ter um ado. Abrir os armários para organizar as novas roupas dos personagens que hoje vivemos nos garante a dignidade para tocar o cotidiano. E apostar que amanhã é a melhor promessa de vida é o atestado de maturidade.
Um dia depois, nas pegadas da minha Porto Alegre, encontrei um grande e velho companheiro de luta e jornalismo, a quem já me declarei amiga incondicional tantas vezes. Não hesitei. Na frente de testemunhas, jurei, mais uma vez, minha amizade e a promessa de que continuarei procurando-o sempre. No final de semana, fiquei sabendo que algumas colegas da faculdade estão criando um blog e planejando uma festa de não sei quantos anos de formatura. E, na segunda-feira, ao fazer a cobertura do velório do jornalista João Baptista Aveline, mais uma vez a constatação: o tempo não envelhece, mas a gente sim. Um dia, não mais que um dia, ficou alguma coisa sem ser dita a alguém e um gosto amargo na boca.