A filha Gabriela já estava a tiracolo. Faltava apenas acomodar todos aqueles badulaques que uma mulher sempre carrega na bolsa e sair correndo para o compromisso inadiável das 10h, para o qual estava seriamente atrasada. O ritual foi interrompido bruscamente pelo som do celular. Sem reconhecer o número, resolvi atender o chamado. Sabe-se lá, se não era um aviso de que ganhara aquela viagem para a Espanha do cupom que preenchi não sei onde, ou um parente perdido no Nordeste que me deixou uma herança. A voz metálica que atropelou perguntando "é a dona Márcia?" me tirou toda expectativa de ser pontual. 1x4233
Se seguisse as orientações de minha avó materna, readas pela minha mãe, evitaria tantos aborrecimentos. Com sua sabedoria, ela sempre enfatizou: "Faça sempre a primeira ação que lhe vier na cabeça". Quando a minha preparação para o compromisso estava quase na reta final e ouvi o sinal do celular, logo pensei em não atender. Mas, depois, pensando melhor nas alternativas que poderiam surgir, recuei da primeira idéia. E começou ali o meu calvário. A moça, funcionária de uma operadora de telefonia móvel, gostaria de saber o motivo da nota zero que eu havia dado ao atendimento feito na semana ada.
Isso seria simples. Imaginei. Expliquei para a moça de voz de telemarketing que o "atendimento zero" referia-se ao resultado da terceira tentativa de resolver um problema da tal operadora na minha caixa postal, que estava gerando um custo extra inexplicável na minha conta de celular. Blá, blá, blá, blá, a moça desculpando-se, em nome da empresa, toda cheia de cuidados. "Com certeza, isso será resolvido, a Sra. fique tranqüila, a nossa preocupação é resolver os problemas para o nosso cliente e fazer com que os nossos serviços sejam os melhores possíveis".
Depois de dez minutos, em que escutei pacientemente os argumentos da porta-voz da empresa de telefonia móvel sobre a importância de atender bem, agarrei a bolsa e corri para a porta do apartamento (se voasse, talvez chegasse com uns 15 minutos de atraso no compromisso). Resolvi, para arrematar, indagar se o problema da caixa postal, que originou a tal nota vergonhosa seria equacionado. Senti que ela gaguejou. "Pois é, teremos que abrir um novo protocolo. Talvez eu tenha que lhe ar para a área tal. O meu setor é somente para avaliar o nosso atendimento", arrematou a voz de "orgasmo interrompido" (perdoem a ousadia, leitores).
No final, a moça informou que eu deveria aguardar um procedimento-padrão para conferir uma nota ao seu atendimento. Ah, bom. Completamente atrasada, há três meses tentando resolver um problema da operadora de telefonia móvel na minha caixa postal, pagando em função disso excesso na conta do celular, após três tentativas fracassadas de solução e de uma nota zero, na última delas, o caso continuaria. Tipo novela quando dá Ibope ou BBB, que dura uns 90 dias. E eu ainda teria que dar uma nota ao atendimento da moça do atendimento pelo atendimento que não foi atendido. Será que ficou confuso?
Sem medo de errar, digitei outro zero. Pronto. Se não me senti atendida corretamente, ou melhor, nem fui atendida, a nota estava perfeitamente adequada. E, ufa, até que enfim, fui para o local do meu compromisso comentando o caso com a minha filha Gabriela. A pequena notável me explicou que tem uma certa experiência nesses episódios de telefonia móvel porque sempre dá nota zero para os atendimentos que solicita para o seu celular. E, com a naturalidade de quem me ensinou a entrar no Orkut, inserir não sei o quê no computador e tudo o mais, assegurou-me que nota zero é sempre sinal de retorno.
De quebra, tive que ouvir da Gabriela a observação: "Radical mamy, eles têm que atender melhor, senão troca de operadora". O episódio, ocorrido na véspera do Dia do Consumidor, serviu para reforçar a importância de reclamar, de pechinchar, de, afinal, exercer os nossos direitos. E, literalmente, "botar a boca no mundo e ameaçar com a concorrência". Mais do que nunca, com o crescimento dos Serviços de Atendimento ao Consumidor (SACs), as empresas mostram-se preocupadas em não perder o cliente. Sua Excelência, o Consumidor, não quer mais ser mal-atendido.