Nada será como antes 2h3r1i

Juro por tudo que é mais sagrado neste mundo que segui à risca meus conselhos e comecei 2008 com um novo olhar. Não reclamei … a7273

09/01/2008 00:00

Juro por tudo que é mais sagrado neste mundo que segui à risca meus conselhos e comecei 2008 com um novo olhar. Não reclamei da obra na diagonal do meu apartamento que se assemelha à sucursal do inferno. Não xinguei o marceneiro que não entregou o roupeiro na data acertada. E nem fiz cara de enojada quando entrei no ônibus com o ar condicionado desligado, pode??? Um início de ano totalmente light. Sem estresse. Então, como explicar este desconforto sem convite? A quem debitar esta falta de vontade de ir ao cinema, ear, olhar as vitrines? Por que um silêncio encravado no meu peito? 29q4h

Talvez a resposta seja a ausência da companheira temporária de 13 anos, a minha filha Gabriela Martins Trezzi, desde o início do ano em férias com o pai nas águas "horríveis" de Santa Catarina. E a mamãe aqui experimentando uma saudade. Da boa. Porque esse sentimento pode ter um caráter mau (separação para sempre) ou bom. Mais ou menos como umbanda branca e preta. Sei que ela está curtindo, que a divisão das férias é rotina na vida de casais separados, que o pai cuida bem da pequena e que qualquer dia a gente se vê. E vocês pensam que isso me sossega. Nem seus telefonemas diários me acalmam.

Nada será como antes na sua vida depois de uma filha (o). Tudo tem outro valor e as prioridades se invertem. A Gabriela, desde a sua concepção, no dia 15 de março de 1994 (um mês após o Carnaval), desestruturou minha rotina. Embora seja uma particularidade, não tenho vergonha de dividir com vocês. Fiz referência ao Carnaval porque, embora a campeã carioca tenha sido a Imperatriz Leopoldinense, eu cantava o samba da Mangueira (Atrás da Verde e Rosa só não vai quem já morreu) naquele sábado. E o pai da Gabriela saía para comprar um "engradado" de cerveja a fim de pagar uma promessa a uma colega de Zero Hora.

Os meses ando e a barriga crescendo. E muita coisa importante e burlesca aconteceu em 1994. O presidente Itamar Franco, no Carnaval carioca, protagonizou uma cena nada protocolar, ao aparecer ao lado de uma modelo sem calcinhas. Mais tarde, ele instituía a MF (a provisória extinta no final do ano ado) que nasceu como IPMF. Em julho daquele ano, com a ajuda do seu ministro da Fazenda, FHC, criou o Plano Real. Uns meses antes, morria na curva o ídolo Ayrton Senna. Forrest Gump enchia as salas de cinema após abocanhar o Oscar de melhor filme e começava a difusão comercial da Internet no mundo.

Ah, quase deixei ar. O Brasil conquista o quarto título na Copa do Mundo nos Estados Unidos num jogo tenso contra a Itália, zero a zero no tempo normal e na prorrogação. Neste meio-tempo, Gabriela acomodava-se melhor no meu ventre e mandava sinais, com pontapés, de que seria uma menina irada, radical, inquieta. Excetuando uma pequena intervenção hospitalar no meio do caminho, a minha gravidez foi uma calmaria. Não tive enjôos nem desejos e, como toda grávida, aumentei de peso e ganhei mais sono (é possível???). Uns 9 dias antes de completar 40 semanas, a médica entendeu que Gabriela deveria nascer.

Num belo findar de tarde de 6 de dezembro, o bebê mais lindo (não é corujice) que já nasceu neste mundo foi obrigado a deixar a barriga da mãe. E nunca mais nos separamos. Ela sabe dos meus medos e das minhas fraquezas. Eu lhe estendo a mão toda vez que teme algo ou que fraqueja. Ela caminha com delicadeza pela minha vida e acompanha os meus desencontros. Eu lhe aponto o trajeto que julgo mais adequado e lhe aconselho para evitar os primeiros desencontros. Ela conhece meus defeitos e enaltece minhas qualidades. Eu não vejo os seus defeitos (se é que tem) e aproveito cada qualidade da menina.

Sei que um dia qualquer eu terei que desmamar (não é o contrário, não). Mas é tão cruel. Sei que os filhos não são da gente. São criados para o mundo. Mas é tão injusto. Sei que eles crescem rápido. Mas alguém pode encontrar, urgente, uma fórmula que impeça isso? Por que ela, a curuminha, cresceu depressa, assim estabanada e saiu maquiada dentro do meu vestido? Assim como o Chico Buarque na "Canção Desnaturada", se fosse permitido eu revertia o tempo.

PS: A coluna é uma homenagem ao meu irmão Luis Fernando Peçanha Martins, padrinho de Gabriela, que completaria 42 anos no dia 9 de janeiro.