O mundo em que habito me deu de presente alguns grandes e insuperáveis amigos, bons amigos, apenas amigos, sem adjetivos, conhecidos, colegas de profissão, vizinhos nos endereços fixos e nos trabalhos, companheiros de lutas, de crenças e utopias. Meses atrás, reunida com duas integrantes da Saudosa Maloca (minha turma da faculdade na PUC), num longo e gostoso papo de lembranças e previsões, fermentado pelas delícias culinárias da Carlinha (uma delas), foi comentado pela terceira a mania que eu sempre tivera de catalogar os amigos. E ela disse: "como é importante para você, Márcia, fazer esta distinção". 3k4k1g
Quando se referiu a catalogar não falava em colocar a ficha de cada um, com sua respectiva foto e demais sinalizadores (como time que torce, música que prefere?.) dentro de uma caixinha, separados por cores, talvez, conforme a sua importância. Logo, os grandes amigos, aqueles que sabem, são quase um espelho da gente por nos conhecer tanto, no meu caso, estariam com etiqueta verde, a cor que mais adoro. E assim por diante. Não. Ela quis enfatizar (eu entendi, pelo menos) que conhecia os meus critérios de exigência. E, ao classificar alguém como grande amigo, minha análise prévia já havia sido feita. Com cautela.
Mais ou menos como as opções que a lista de amigos do Orkut nos oferece. Ao aceitar ou adicionar (termo certo da rede de relacionamentos) um novo membro, você marca se ele é confiável, sexy e legal, se você é fã daquela pessoa e até pode inserir mais detalhes. Como a minha grande e insuperável amiga insinuou, no Orkut a minha obsessão em não dar qualidades a quem não as possui, foi incentivada. Lá, por exemplo, o mesmo amigo pode figurar na lista da família, dos melhores, dos parceiros da noite, dos militantes. E, na outra ponta, alguém que até pode estar na minha vida há tempo ser chamado apenas de conhecido.
E, seguindo este raciocínio, cada vez mais fico convencida da sabedoria contida nos versos de alguns poetas. O nosso Mario Quintana reforça que as diferenças existem ao decretar que "a amizade é um amor que nunca morre". Se conhecemos tão bem o nosso amigo, se sabemos do que ele gosta de fazer, das suas preferências gastronômicas, musicais, esportivas e, podemos até imaginar sua reação diante de determinado fato, está caracterizada uma relação maior, um sentimento como o amor. Com particularidades. Sem pressão, sem cobrança, sem ciúme, sem mentira, sem traição. Só com as coisas boas do amor.
Será? Desconfio de que uma amizade verdadeira não padeça, vez por outra, das mazelas que vão enterrando o amor. Talvez em menor escala. Mas como a amizade não acaba? E supera o nosso pior momento de mau humor e o mais eufórico de alegria? Alguém explica por que amos, às vezes, tanto tempo sem ver um amigo, e quando o encontramos é como se o ado fosse ontem mesmo e nada precisasse ser dito? Fica tudo registrado no olhar afetuoso, no carinho cúmplice, no ombro que tantas vezes nos segurou, nas mãos que em diversos apertos nos apalpou. São os amigos insuperáveis e verdadeiros.
Todas estas lembranças de amizades e, no meu caso, da classificação sim pela ordem de importância (leia-se quantidade de amor mútuo), ressuscitaram no domingo de sol à tarde. Ao apoiar com minha presença, no enterro de seu pai, uma grande amiga que acompanho desde que ela tinha 14 anos, saí mais fortalecida e com a minha tese referendada. Sim, eu preferia estar no Olímpico Monumental vendo meu time jogar. Ou dentro de alguma sala de cinema, curtindo uma das minhas paixões. Ou no workshop para desenvoltura do professor Marco Araújo. No entanto, larguei tudo para pequenas gotas de afeto.
Gigi Carabina, nome de guerra dela em uma brincadeira de adolescente no meu apartamento da Tomás Flores, já foi tantas vezes imensa nas atitudes, nas peças de teatro e nas encrencas da vida. E pequeninha, no domingo, certamente entendeu a minha mão lhe tocando. Como outra moradora da Saudosa Maloca, também amiga da Gigi, que não tem ido aos encontros da turma, ao me abraçar tão calorosamente mexeu comigo. A amizade, diferentemente do amor, não faz exigências. E aparece sempre que estamos precisando. Na saúde e na doença.