O príncipe da Dinamarca, Hamlet, ao pronunciar a famosa frase "Ser ou não ser, eis a questão", clássico da obra do mestre do teatro William Shakespeare, deveria ter dúvidas e angústias muito mais existenciais das que me atormentam como mãe de uma adolescente. Afinal, na história, adaptada por Shakespeare, provavelmente nos idos de 1600, Hamlet sofria, desesperadamente, tentando saber se seu pai havia sido assassinado por seu tio. A célebre frase "To be or not to be, that"s the question" (traduzida lá em cima) foi seu desabafo, ao referir-se ao fato de que nem sempre as pessoas são o que parecem ser. 2k664a
Se, naquele ano distante da nossa civilização, o príncipe dinamarquês já nutria incertezas quanto ao caráter das pessoas próximas, o que dizer de nós, pobres mortais, agora, em pleno século XXI ? Pois é na eterna dúvida e agonia do príncipe, que deveria vingar a morte do pai e sente-se constrangido para tal ato, uma vez que seu modus operandi não era assim e ele não tinha provas contra o tio, que encontrei respaldo para uma decisão importante na minha relação com a Gabriela Martins Trezzi (meus leitores internautas estão cansados de saber que se trata de minha amada, linda e única filha).
A pequena adolescente (que me ultraou na altura) vem sondando a minha flexibilidade há uns 10 dias, avisando que no dia tal, o GER do colégio promove uma festa chamada "Toddy", destinada à faixa etária dos 11 aos 14 anos, com som da hora e sem bebidas alcóolicas. Os argumentos da Gabriela são irredutíveis. Ela traz todos os prós na ponta da língua. Nem sabe se existem pontos contra o "Toddy". Às vezes, penso que ela teve aulas particulares com meu deputado estadual preferido, não reeleito, que me ensinou, quando fazia sua assessoria na Smov, que um bom argumento vence qualquer discussão.
Como carrego sempre a preocupação de ser mãe moderna, participativa, amiga, confidente e, especialmente, confiante, encontrava-me num dilema: "deixar ou não deixar, eis a questão". E, confesso, nos últimos dias, lembrando da dor que sentia quando meus pais não me deixavam ir a alguma festa na minha adolescência, que estava inclinada a deixar a Gabriela sacolejar o esqueleto (hellooooooo?esse termo não é atual). Na minha cabeça, arquitetava como iria levar e buscar a pequena notável. E andei cansando os meus neurônios pensando como explicar o mico de entrar com ela na festa para ver se estava tudo nos "conforme".
Antes de informar-lhe a minha decisão, chamei a Gabriela e perguntei onde era a tal festa promovida pelo GER. Para minha surpresa e futuras noites insones, ela me disse que não era um evento promovido pelo Grêmio Estudantil, que seria realizado num grande clube e aberto para estudantes de outros colégios com venda aberta de convites para a galera. "Ai, mãe, eu não falei que o GER tava promovendo", reforçou. Acreditei que eu havia me confundido e tudo bem. No mesmo instante, em que tropeçava no meu próprio espanto, ela mostrou uma prova com uma nota abaixo da média (não direi a matéria, mas ela sabe, ahahah..).
Como mãe separada e que assina sozinha as travessuras boas e más da filha, tenho algumas combinações com a Gabriela. Uma delas, que posso revelar sem entrar na intimidade da minha pequena, é que estudar em colégio particular significa tirar notas boas, acima da média, ir melhor que os outros, o que não deixa de ser uma forma cruel, reconheço, de jogá-la no mundo real antes do tempo. Assim, a nota baixa na prova foi o argumento a meu favor para dizer que havia pensado bem, pesado os prós e contras, e que decidira que ela não iria na festa teen da meninada dos 11 aos 14 anos.
Na minha lista de argumentos, fortes e embasados, o fato de que ela é ainda muito pequena, a festa será praticamente aberta, não é só o pessoal do colégio e, principalmente, tem muita "gente do mal" nesse mundo. Putz, se Shakespeare já denunciava, em 1600 e alguma coisa, o lado sombrio das pessoas, uma característica enigmática da personalidade humana e que é personagem da nossa tragédia cotidiana, por que não posso eu temer minha filha solta e faceira dançando funk numa festa teen ? Vocês, que são pais e mães, por favor, me apoiem e digam que não estou sendo careta?Se havia algo de podre no Reino da Dinamarca na época do príncipe Hamlet, sem dúvida existe muito mais coisa feia no planeta Terra.