Confete, pedacinho colorido de saudade 4k4e68

No carnaval, esperança. Que gente longe viva na lembrança. Que gente triste possa andar na dança. Que gente grande saiba ser criança. De carona … 6y1h5

01/03/2006 00:00

No carnaval, esperança. Que gente longe viva na lembrança. Que gente triste possa andar na dança. Que gente grande saiba ser criança. De carona no samba de Chico Buarque de Holanda, intitulado "Sonho de Carnaval", datado de 1965, antes que as folias momescas se encerrassem, aceitei o convite e vesti a fantasia empoeirada do ado para pular no baile da minha infância. Voltei a ser criança antes de começar a quarta-feira de cinzas e revi, como se o tempo não tivesse decorrido, as roupas que me esconderam em carnavais ados. 215t1p

Com medo de atravessar muito o samba e ficar só no refrão, botei o bloco feminino da família na rua e fomos visitar a rua onde morei no final da década de 60, quando era "praticamente" uma menininha. No bairro, que recém ganhava os ares iniciais de civilidade, levei o meu primeiro grande tombo, ganhei o meu primeiro cachorro, batizado de Banzé, e todos os que o seguiram, sempre com o mesmo nome. Apaixonada por bichos, chorei muito quando uns moleques da rua mataram a minha gata Carol fazendo a mesma de bola de futebol.

Na ruela de poucos habitantes e uma única linha de ônibus que cruzava a esquina de hora em hora com destino ao centro, dividia um quarto com minha irmã e também a primeira eletrola, uma geringonça azul que, pasmem, tocava os long plays com os hits da época. Os vizinhos todos se conheciam e aquele lance de pedir emprestado uma xícara de açúcar que ficara faltando para o bolo era comum demais e sempre aproximava mais os moradores. No verão, nem mesmo os mais idosos iam dormir antes das 22h, porque o calor convidava a colocar as cadeiras nas calçadas e prosear.

Enquanto os foliões descansavam da ressaca da noite anterior, na tarde de terça-feira de carnaval, a escola de samba da minha infância e adolescência saiu a catar nos barracões da minha memória os adereços que deixei, um dia, abandonados naquele pedaço de minha vida. Um outro trecho de música nada carnavalesco invadiu minha cabeça em que diz: "o ado é uma roupa que não nos serve mais". O cronometrado desfile pelo sambódromo da minha infância e adolescência - antes que alguma lágrima se incorporasse à fantasia - mostrou que a roupa usada no ado pode ar por ajustes, mas jamais deixará de servir.

O enredo da vida de cada um pode mudar conforme os acontecimentos, as alegorias ficarem mais tecnológicas, as fantasias menores, o número de componentes da escola maiores. Mas o que se tem por dentro não se nega. Não se consegue esconder. Não há disfarce que camufle a história que já se viveu. Isso é o ado. E vestir uma roupa assim, com um viés que nem sempre pode ser cheio de plumas e paetês exige coragem e determinação, samba no pé, ritmo na avenida, harmonia no conjunto e, principalmente, disposição para aprender a letra da música.

Como atrás da verde e rosa só não vai quem já morreu,  fiquei um tempo paralisada defronte a casa de número 3012, onde curti minhas primeiras "baladas". As paredes da churrasqueira, no fundo da casa, presenciaram alguns porres nas reuniões-dançantes que a gente organizava para a galera. No portão da casa, hoje totalmente reformada, eu dei meu primeiro beijo, o amasso mais ousado e senti o que depois descobri que aquilo que subia e me corroía toda por dentro era tesão. O primeiro namorado, a aprovação no vestibular, a carteira de motorista e o jeito rebelde que me fez declarar que jamais casaria de véu e grinalda e pilotaria um fogão. 

Não estourei o tempo destinado a cada escola na avenida. Mas, confesso, pedi bandeira branca, pela saudade que me invadiu, saí do desfile pedindo paz. Antes que perdesse a cabeça, implorei para que o meu ado não desaparecesse mais, sabem como é, carnaval é muito samba, suor e cerveja. Na dispersão, lembrei daquele carnaval que ou, em que deixei Arlequim chorando pelo meu amor no meio da multidão. Apesar de todo o riso, toda a alegria de mil palhaços no salão. No final, juntei um confeti do chão, pedacinho colorido de saudade e, confesso que chorei.