Saudades do tempo em que eu acreditava que o Coelhinho da Páscoa pulava de casa em casa para encher os ninhos das crianças de ovos de chocolate. E muito criativo, o coelho Janjão, o da minha imaginação foi batizado com esse nome, colocava nas cestas e nas caixas ornamentadas guloseimas de goma, balas Jujubas, confeitos de marzipã e doces que sempre habitam os sonhos infantis de quem conhece a história do João e da Maria. Saudades de acordar com uma casa cheia de crianças procurando os ninhos. Afobadas. Curiosas. Com pressa. Uma fome de comer todos os chocolates de uma só vez. 2l6u3j
Na minha casa, onde morava com meus pais e meus três irmãos (a mana Sílvia e os guris, o Nando e o Dedé, que já se foi), não existia a maratona de procurar os ninhos. Não nos primeiros anos da minha infância. Porque não era de uma família de muitas posses e os ovos de Páscoa, coloridos pela minha mãe, mergulhados na a com casca de cebola quente, vinham recheados de amendoim doce torrado. Ui, que delícia. Talentosa, a mãe pintava uma carinha de coelho, com os bigodes e tudo, e dava o arremate final fechando o ovinho com algum papel colorido e colando as orelhas.
Mais tarde, quando eu sabia que o tal coelho Janjão não existia, meus pais tinham condições de oferecer um ninho melhor aos filhos, recheados com os ovos de chocolates industrializados e até barrinhas de Bis. Tudo igual para cada filho (nem precisava contar). Naquela fantástica casa de chocolate, onde eu fiquei até o primeiro ano da faculdade, a nossa diversão durante a Páscoa era ver os ninhos dados pelos padrinhos. Eu sempre ganhava um ninho a menos. Porque a minha dinda era também nossa única tia de sangue, e presenteava os sobrinhos sem nenhuma distinção. Naquela época, confesso que não gostava.
Só ei a compreendê-la quando eu vivi a mesma situação. Sendo tia e madrinha do Rafael, filho da mana Sílvia, e tia da Camila, irmã do Rafael, nunca fiz distinção entre eles. Tanto que sempre tratei a Camila como afilhada, causando, às vezes, ciúmes à dinda verdadeira. E, para eles, eu fazia imensos cestos de Páscoa, pesquisando os melhores preços e comprando com muita antecedência. O ritual da Páscoa familiar começava na Sexta-feira Santa, quando a minha mãe (que ainda brilhava na cozinha) preparava uma orgia gastronômica chefiada pelos famosos bolinhos de bacalhau. Um desrespeito à boa forma!
Depois, os sobrinhos cresceram e encaminharam suas vidas. Nem sempre são fechadas com a nossa. E até a minha filha Gabriela Martins Trezzi, já pensando em intercâmbio no exterior quando terminar o Ensino Médio (me daí força, Nossa Senhora das Mães Desesperadas e Saudosas e Santa Protetora das Mães de Filhas Únicas), despreza um pouco os rituais da Páscoa. Pelo menos a parte mais familiar, porque adolescente que se preze tem que ser rebelde, com ou sem causa, e porque um ovo de chocolate, mesmo cuidando da elegância, ela não consegue desprezar.
No meio de tudo, entalada na minha Páscoa que ainda nem começou, existe um ninho confeitado de saudade. Das pequenas coisas que nos fazem felizes quando somos crianças e acreditamos em bobagens como coelhinho da Páscoa. Dos pequenos afetos familiares que nos ensinam a importância de retransmitir carinho. Da família grande reunida na mesa comprida contando quem comia mais bolinho de bacalhau. Da excitação pueril da Gabriela seguindo as pegadas do coelho, mal desenhadas com talco no tapete, e da alegria ao encontrar os ninhos escondidos.
Resta-me encarar a Feira do Peixe, na quinta-feira, à procura de um salmão ível e integro, para preparar a minha refeição e de Gabriela na sexta-feira santa (Salmão à Belle Gabrielle, minha especialidade), pensar numa boa sobremesa, ar na locadora, ir ao Súper e combinar alguma butecagem com amigos. O ninho confeitado de saudade continuará escondido na minha infância e em todas as minhas Páscoas.