Um dia desses, eu andava lá pelos lados do Cambará, procurando um tipo difícil de encontrar nos tempos de hoje ? um poceiro à moda antiga, daqueles que ainda sabem como furar poço, manuseando apenas uma prosaica forquilha de madeira. Depois de rodar por muito tempo pela maltratada estrada de terra, chego no o do Cocho, por onde, me haviam garantido, o poceiro ava todos os dias, antes do por-do-sol. A descrição não poderia ser mais detalhada ? um homem aloirado, com a barba por fazer e usando um boné azul de uma oficina mecânica. Seu nome é Aroldo Barth e, pelo que dizem, tem gravado na cabeça o mapa de todos os mananciais e aquíferos dos Campos de Cima da Serra. *** Quando vi ao longe um vulto atravessando os campos, pensei que era o tal poceiro. Mas, ao firmar bem a vista, percebi que, em vez de um boné, o vulto usava um grande chapéu de colono. Andava a os firmes, se apoiando em um longo cajado. Havia alguma coisa singular naquele homem que eu já vira antes. Seria o estranho caminhante que o velho Fanor me apontou, um certo dia, nas trilhas do vale do Paranhana? Eu já me esquecera daquela estória, tanto que a deixara de lado, como fazemos com as coisas mal resolvidas que encontramos aqui e ali. ados alguns minutos, o homem com chapéu de colono desviou para o norte, como se seguisse uma trilha conhecida apenas por ele. E logo sumiu de vista, atrás dos pinheiros, em direção aos cânions. Fiquei sem saber o que fazer. Entrar no campo e seguir a trilha até alcançar o caminhante misterioso? Mas, e o homem que fura poço? Não se a um minuto e vejo alguém subindo pela estradinha, em minha direção. Se aproxima, e como se soubesse que eu o esperava, tira o boné azul e se apresenta: " ? Sou Aroldo, o poceiro?. *** A conversa demora mais do que imaginava. Acomodados à sombra de uma quaresmeira, o poceiro me conta que ou a vida furando poços. Indago se conhece GPS por satélite e sonares de profundidade, usados para localizar água no subsolo. Ele me olha com olhos de azul-pálido, sacode a cabeça e diz que não acredita nas ?maquinetas? modernas. Enfia a mão no bolso da jaqueta surrada e mostra uma forquilha de marmelo. ? ? Com isto posso achar mananciais até 200 metros debaixo do chão. Se não jorrar água em 100 metros, furo outro poço, de graça?. Aroldo diz que aprendeu o ofício com o pai, que, por sua vez, aprendera com o avô. Chegaram em uma leva de imigrantes alemães que aportou no Sul em 1914. O avô já era poceiro na Vestfália, nos tempos do Kaiser, e se orgulhava de nunca ter furado um poço seco. O homem parece que conhece mesmo os campos serranos. Antes de ver o local onde pretendo furar um poço, diz que lá existem grandes rochas no subsolo, o que é garantia de boa água. ?- Melhor do que estas águas de garrafinha?, diz ele. Um bando de caturritas voa baixo entre os pinheiros, fazendo uma grande algaravia. ?- É tempo de pinhões?, avisa. *** Se ele sabe de caturritas, deve saber de trilhas. Pergunto-lhe se já viu andarilhos arem por ali. Sem falar nada, faz sinal para seguí-lo. Entramos no campo até uns duzentos metros da estrada. Ele aponta para uma trilha oculta pelo capim caneleiro. Depois, vai até a cerca próxima e mostra um vão de agem entre dois moirões. Há espaço suficiente para ar um homem a pé, mas é estreito para a agem de um cavalo. E, para minha incredulidade, diz que os cerqueiros tem por hábito deixar vãos assim, nos lugares por onde am as trilhas. Examino os moirões, onde a madeira polida mostra que muita gente ou por ali. Quando me despeço do poceiro, o sol já cai atrás dos pinheiros. Em algum lugar, mais ao norte, onde começam os grandes cânions, o caminhante deve estar procurando um pouso para ar a noite.
De Poceiros e Caminhantes 613g1z
Um dia desses, eu andava lá pelos lados do Cambará, procurando um tipo difícil de encontrar nos tempos de hoje – um poceiro à … 1i45e
28/08/2009 00:00