Noções naturais: o guapo guapuruvu 4y534j

O guapuruvu é uma árvore que se mede com a trena da iração: é bem alta; mais que alta, altiva; mais que altiva, altaneira. … 463z36

10/07/2009 00:00
O guapuruvu é uma árvore que se mede com a trena da iração: é bem alta; mais que alta, altiva; mais que altiva, altaneira. Do topo da copa, alçada a 30 metros do chão que a sustenta, ostenta uma soberania que ignora até árvores acima. Soerguida por si mesmo, em troncos que nem abraços abarcam, não está nem aí para a utilidade e a rentabilidade rapinas que pairam sobre os arvoredos: renega fruto comestível e sonega madeira aproveitável (só encaixa em caixotaria). Porém, à revelia do seu egocentrismo verdejante, mostra-se esplendorosa na primavera e frondosa no verão, dadivosa mesmo sem querer: não nega sombra nos quintais nem assombro amarelo ao paisagismo. Através da Mata Atlântica, atreve-se da Bahia ao RS. Adaptado à mesquinharia dos espaços urbanos, com uma imponência impressionante acompanha andar por andar o prédio do seu território. Aparente fortaleza em tempo bom, sua galharia pode esfrangalhar nos temporais, fragilidade de causar desdém em arbustos. Já nas fotografias, se comporta com o porte digno dos jatobás, intocável pujança vegetal. Nem por isso se livra de ser crivado, nos compêndios botânicos, pelo palavreado científico que o define em detalhes indecifráveis pelo leigo: lenticelas, alternas, bipinadas, folíolos, pilosas, obovado, elíptica, papiráceo. Como cresce rápido como o mato, o guapuruvu se abarrota de carbono e arrota oxigênio. Como vive apenas uns 30 anos, logo abre brechas na paisagem e nos deixa sem ar. Garbosamente enfileirado nos canteiros centrais em trechos de avenidas maiores, como a Cavalhada e a Protásio Alves, toda vez que o por elas, o sobranceiro guapuruvu alarga meu espanto ? me deixa de fronte elevada e queixo caído. É que eu, vindo de uma infância sem um desafiador guapuruvu no currículo das trepadas em árvores, agora me maravilho tardiamente com a sua possante silhueta. Puizé. Tenho uma queda pelo guapuruvu. Vai ver por falta de tombos dele.
Agora que a profissão de jornalista está relegada à mesma falta de exigência para ser presidente da república ? nenhum diploma ? lembrar a perda do Trindade é reconhecer a importância da aptidão e aplicação jornalísticas. O Trindade foi um exemplo de extrema e digna dedicação ao jornalismo. E se isso já abrilhanta a sua folha de serviços, imagine nos anos de chumbo (o linotipo e a ditadura permitem um duplo clichê). Sem alardear as ações, o Trindade liderou, com outros líderes da classe, uma revolução na imprensa gaúcha, ao fundar e dirigir a Coojornal, a primeira cooperativa de jornalistas do Brasil. Sem dar aulas, foi um dos meus tantos ?professores? na redação da extinta e memorável Folha da Manhã, da CJCJ, entre 74 e 75. Eu adorava ouvir o Trindade, dono de uma ênfase calma porém incisiva, de uma rara  capacidade de compartilhar conhecimento e transmitir experiência. Eu o via, e assim ainda vejo, como uma figura a servir de lastro à nossa profissão, uma reserva ética nos bastidores do jornalismo. É uma maneira um tanto espichada de demonstrar minha iração, eu sei. Mas, que fazer com um sentimento que perdura por mais de 30 anos e com um afastamento de mais de 20? Segurar o Trindade na memória pode ser uma tentativa de manter a ilusão de que o melhor jornalismo ainda pode persistir, apesar de mudanças que talvez o desvalorizem, o desorganizem e até desmoralizem. Afinal, outros da mesma vocação e talento ainda estão por aí e outros Trindades poderão vir, mesmo sem diploma. Não é difícil crer nisso. O próprio Trindade nos deixou essa imagem de resistência, uma forma combativa de esperança.