|
A diferença entre a nossa cultura e a cultura estrangeira é gritante. Nestas palavras, dois sonoros exemplos de postura na vida: a ação e a contemplação. A primeira representa o imperialismo do raciocínio - o "eu descobri" (logo, o "eu posso", "eu mando, faço e aconteço" etc). A segunda simplesmente indica a não ocupação do território da massa cinzenta - o "Puxa! Como você consegue isso?" Enquanto que eureca está carregada da auto-satisfação obtida pelo resultado da pesquisa, do trabalho aplicado, caramuru contém pura e exagerada iração pela tecnologia alheia. Eureca traz justo júbilo, em alto e bom som, pelo esforço pessoal. Caramuru oferece, via oral, inocente aplauso pelo sucesso de terceiros. 353z4p O alívio interior solto na exclamação eureca!, paz na ponta da língua após o achado, justifica qualquer articulação escancarada. Caramuru! é apenas boca aberta. Eureca pensou, refletiu, indagou aos neurônios, calculou e enunciou. Gloriosa computação emersa de agá-dois-ó. Caramuru gritaria caramuru! se visse uma banheira. (A eureca tropical seria mais ou menos assim: badulaques coloridos e quinquilharias douradas presenteadas pelo branco quando mergulhadas na lagoa afundam e deixam índio desesperado, sem tesouro e sem notar que o volume de água deslocado foi igual ao peso dos objetos perdidos. Eureca! Como a lagoa é funda pra procurar!) Eureca, na sua essência interjeitiva, é luz na atividade cerebral, conclusão lógica e racional. Caramuru, no seu mais espantoso sentido, é um flash estourando no cocoruto nacional, luminosa cegueira do intelecto. As garantias de uma corrida em pêlo pelas ruas, sem risco moral e físico, estão só em eureca. A conquista introspectiva é tão grande que o vestuário é completamente dispensável para o reconhecimento público e popular. Já caramuru não dá segurança nenhuma a sua nudez. Caramuru, quando muito, confirma a importância da ausência de roupa para se estar nu. Eureca, centelha íntima. Caramuru, explosão externa. Se uma pra nós é grego, a outra pra eles é coisa de índio. Uma, por seu significado histórico na investigação do universo ao nosso redor, impulsiona o ser humano para longe dos primatas primitivos; a outra, por sua antológica demonstração das possibilidades de inércia do maxilar inferior, nos aproxima das macacas de auditório. Símbolo do estalo mental, eureca. Signo do estrondo irracional, caramuru. De eureca em eureca, a humanidade avançou por onde devia e não devia. De caramuru em caramuru, nós chegamos aonde estamos. Até no vocabulário o Brasil mostra a bunda pra Europa. Eureca, encanto legítimo do homo sapiens pela própria capacidade dedutiva e criativa, vocalizado no esperanto da comunicação mundial. Caramuru, a surpresa pela sapiência, desde que não seja a nossa - a verbalização do colonialismo verde-amarelo. Eureca escapou da garganta durante a higiene: a História do Homem estava limpa para uma nova etapa. Caramuru, não: caramuru foi emitida à moda da casa, encardidamente. E se eureca é o homem em pé, ereta figura sustentada pelas vértebras do conhecimento acumulado, caramuru é o homem ajoelhado, a exata imagem da eterna reverência ante o desconhecido. De um lado, a declaração da evolução antropológica. Eureca. De outro, o berro de uma raça subdesenvolvida. Caramuru. Causa e efeito de toda a aculturação e exploração que se plantando nessa terra dava, dá e dará sempre. Eureca tem know-how; caramuru paga oyalties. Eureca é multinacional; caramuru é estatal. Eureca inventa fibra de nylon; caramuru estende tapete. Eureca vende usina nuclear; caramuru compra lixo atômico. Eureca faz dólar, euro, yenes; caramuru faz numismática. Eureca zomba de Deus; caramuru obedece a Tupã. Eureca avança até a informática; caramuru chegou a SNI. Eureca é nave interplanetária; caramuru é foguete de São João. Eureca tá com tudo; caramuru tá com a dívida. Eureca, a expressão superior do pensamento civilizado. A voz do dono de si mesmo. Caramuru, o elogio tupiniquim aos cérebros privilegiados. A voz iva. Na comparação, a síntese do domínio e da subserviência. Eureca - o grito entusiasmante de liberdade. Caramuru - o brado retumbante de dependência. (Publicado originalmente em 1983. Republicado para os leitores que eu não tinha à época.) |
|