Yeda

Por José Antônio Moraes de Oliveira

 

Meu antigo bairro era quase uma torre de babel. Haviam louros, morenos, ruivos, sardentos, olhos azuis, verdes, castanhos? No alto da Ramiro Barcelos e para os lados da 24 de Outubro, reinavam as famílias alemães. Uns eram companheiros do pai no Liliput e outros, dedicados jogadores de bolão na Sogipa. Do outro lado, descendo a Felipe Camarão para o Bom Fim, moravam as famílias judias, algumas vizinhas de rua, como os Starostas, Millners e os Goldbergs. E finalmente, os italianos, mais ruidosos e divertidos - Giampolli, Dal Mollin, Cremonese.Um dos Casanova era colega no Rosário e os Scalzilli tinham uma fábrica de refrescos do outro lado da Vasco da Gama.

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O pai sempre comentava que se devia respeitar os imigrantes, que chegaram fugidos de perseguições e guerras. E que eram exemplos a imitar - os alemães tinham a melhor música do mundo, os italianos eram dedicados ao trabalho e os judeus, praticavam a solidariedade. A gente ouvia, sem entender que ele falava de respeito e humanidade.

No entanto, para um adolescente inquieto e sonhador como eu, os motivos eram outros. Não se podia falar, mas eu tinha umas paixões secretas por umas meninas do bairro: uma era Ingrid, a lourinha da Vila Olga, a outra, a filha mais nova dos Scalzilli, uma italianinha de nome Yeda.

Ela estudava no Bom Conselho e todos os dias, às 5 horas, eu a espiava descendo a lomba da Ramiro até a casa de tijolinhos do lado da fábrica. Da esquina, eu a seguia com os olhos, graciosa em seu uniforme azul e branco. Eu dizia a mim mesmo que um dia, ela iria voltar a cabeça e dar comigo na esquina. Mas... o tempo foi ando e a Yeda nunca olhou para mim.

Não desisti e resolvi descer a Vasco espiar pelas vidraças da fábrica, onde operários e máquinas de engarrafar xarope para refrescos. Sentindo que ela devia estar ali perto, na casa de tijolinhos, fazendo a lição de casa ou lendo M. Dely. Subi a rua, fingindo que estava ando por acaso, mas vi que a casa estava silenciosa e não havia ninguém nas janelas. Me senti grande tolo e achei melhor esquecer aquele romance impossível.

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O ano de 1940 não terminou bem. O Brasil entrou na guerra da Europa, deixando nossos vizinhos assustados e com medo dos ataques e represálias. Então, aconteceu o pior - multidões em fúria saquearam a indústria de balas na Fernandes Vieira e depredaram a fábrica dos Scalzilli. No dia seguinte, a família fugiu para a Argentina e nunca mais vi a Yeda. Mas ainda me restava a lourinha da Vila Olga.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem agens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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