Xeque-mate em Deus
O Deus de Abrahão era justo, absoluto, incorruptível, transcendente, onisciente, onipotente, onipresente e benevolente. "Deus está morto", bradaram filósofos do século XIX, provocando intenso …
O Deus de Abrahão era justo, absoluto, incorruptível, transcendente, onisciente, onipotente, onipresente e benevolente. "Deus está morto", bradaram filósofos do século XIX, provocando intenso debate. Uma equipe integrada por psicólogos cognitivos, especialistas em neurobiologia e antropologia da Universidade de Harward, constatou em pesquisa que a realidade atual é mais simples. A maioria dos fiéis tem interiorizado um modelo extremamente antropocêntrico de Deus. Não só possui uma figura humana, mas também os processos de percepção, raciocínio e motivação idênticos às pessoas comuns.
"O pensamento e o comportamento religiosos podem ser considerados parte das capacidades humanas naturais, como a música, os sistemas políticos, as relações familiares ou as alianças étnicas", diz o neuropsicólogo Pascoal Boyer. Os cientistas cognitivos reuniram muitas evidências de que a religião natural está enraizada em qualidades humanas universais, como a capacidade para simular relações com personagens fictícios. Não são específicas da experiência religiosa, mas sim uma consequência de ter o cérebro mais desenvolvido, que não evoluíram em nenhuma outra espécie animal do planeta.
"Deus está no cérebro", concluiu a equipe de Harward. A ciência já determinou inclusive o local do cérebro onde Deus está: é no cortex pré -frontal vertromedial (VMPC), na região inferior. Os pacientes que têm esta área do córtex destruída mostram uma diminuição geral e uma significativa redução das emoções sociais - como a compaixão, a vergonha e a culpa, que são estreitamente ligadas à religião. Praticamente a totalidade dos americanos acredita que a saúde, o bem-estar, os recursos financeiros, tudo vem de Deus.
Não satisfeito com estas conclusões, Fred Zuckerman, sociólogo e professor no Pitzer College, em Claremont, Califórnia, partiu para a Escandinávia, onde ou a realizar uma pesquisa entrevistando centenas de dinamarqueses e suecos. É notório que estes dois países são os classificados como os menos religiosos do mundo. E dividem o primeiro lugar nas listas dos países com maior expectativa de vida, bem-estar infantil, escolaridade, igualdade econômica, qualidade de vida e competitividade.
"Na Dinamarca", disse um pastor a Zuckerman, "a palavra Deus é a mais constrangedora que você pode dizer. As pessoas prefeririam sair nuas pela cidade a falar sobre Deus". O pesquisador concluiu que a religião não era na verdade um assunto tão privado, mas sobretudo não se tratava de um assunto. Ele encontrou o que classificou como indiferença benigna e até um total esquecimento: a religião, na visão deles, "é boa", "Jesus era um homem bom que ensinou algumas coisas boas", e a Bíblia "está cheia de histórias de boa moral", não é mesmo?
Suecos e dinamarqueses inteligentes e de boa cultura reagiram às perguntas básicas sobre Deus - Jesus, morte, entre outras - como se fossem completa novidade. "Na verdade, nunca pensei sobre isto", diziam. "É divertido responder a este tipo de pergunta sobre coisas que nunca, nunca pensei". Um homem contou do choque que levou quando um colega, depois de alguns drinques, confessou acreditar em Deus. "Espero que você não me ache uma pessoa ruim", disse o colega.
Talvez a visão de Abrahão esteja correta, sem os extremos da ironia de Steven Weinberg, físico teórico e prêmio Nobel: "Há quem tenha um conceito tão amplo de Deus que o acabe encontrando em qualquer parte. Se quiser acreditar que Deus é energia, poderá achá-lo também em uma experiência de carbono". (Com pesquisa