Vou meter a minha colher
Terminada, terça, 17, a exibição para convidados, em Brasília, de “Lula, filho do Brasil”, começou a discussão: ético, não ético, propaganda e
Terminada, terça, 17, a exibição para convidados, em Brasília, de "Lula, filho do Brasil", começou a discussão: ético, não ético, propaganda eleitoral ou não e coisas. Resolvi meter minha colher nesse caldeirão que começou a ferver. Nada sobre o filme que, por fugir à minha área de interesses, não vi e não verei.
Desculpem-me os crédulos e utopistas, mas vou dar minha visão pragmática, com calos nos cotovelos por décadas de janela: imprensa livre é falácia e o objetivo maior do empresário é o lucro.
Para alardear que imprensa ou veículo de comunicação é livre, é necessário acrescentar que no mundo democrático existe, de fato, a liberdade do dono expressar sua opinião e/ou interesses.
Nosso primeiro jornal, criado e editado por Hipólito da Costa em Londres, em 1808, com circulação clandestina no Brasil, defendia suas ideias como monarquia constitucional e a abolição de escravos (!).
Até o século ado, os jornais foram gerados, quase sempre, por interesses ideológicos ou partidários. Só os veículos dirigidos a segmentos, como os jornais do Comércio, por exemplo, nasceram já com o destino de batalhar pelo faturamento. O Correio Paulistano e o Estado de S. Paulo, durante décadas, circularam como se fossem órgãos do Partido Republicano ou da UDN, respectivamente.
No Rio, Carlos Lacerda, na sua ânsia de poder, comprou a Tribuna da Imprensa para servir como plataforma à sua aspiração de vir a ser o presidente da República.
Também no Rio, Samuel Wainer, com empréstimo do Banco do Brasil concedido através de Getúlio Vargas, presidente eleito, criou a Última Hora e, até o golpe de 1964, foi defensor das ideias e dos governos trabalhistas.
Nas capitais dos grandes estados houve dezenas de órgãos oficiais do Partido Comunista e também outros dos integralistas. A preocupação como empresa existe, é claro, pois esses veículos, exceto os órgãos oficiais, dependem do mercado da propaganda.
Há os veículos criados como empresas, com a finalidade precípua de negócio, de lucro ou, pelo menos, de bela remuneração para seus fundadores.
As indústrias que fabricam penicos ou medicamentos, ou as grifes sofisticadas de perfumes, são empresas com o mesmo objetivo: lucro. Tanto empresários como os presidentes e executivos do primeiro escalão têm a mesma ideia fim: lucro.
As indústrias de entretenimento e seus executivos têm o mesmo objetivo, e a de cinema não é a exceção. Claro que as empresas são criadas por empreendedores que querem dar expressão aos seus talentos e conhecimentos. A meta, sempre ligada ao crescimento, está amarrada na necessidade do lucro.
Essa síntese precária define minha visão resultante de quase meio século de atuação no jornalismo, na propaganda e nas relações públicas, incluindo a de titular de três pequenas empresas.
Luiz Carlos Barreto Borges - o Barretão - é um cearense que, com menos de 20 anos, pegou "um ita no Norte", e fixou-se no Rio.
Foi repórter e fotógrafo da revista "O Cruzeiro" nos anos 50 e até 1963, correspondente da mesma na Europa, em 1953 e 1954, graduando-se nessa época em Letras, pela Sorbonne, em Paris.
Co-autor do roteiro e co-produtor de Assalto ao Trem Pagador, entrou no cinema, em 1961, pela porta do sucesso - nacional e internacional - daquele filme dirigido por Roberto Farias.
Dona Flor e seus dois maridos, de 1977, com 12 milhões de espectadores, continua sendo sucesso absoluto de bilheteria do cinema nacional, número que fica muito mais significativo por ser, então, nossa população, menos que 60% da atual.
Luiz Carlos Barreto e sua mulher, Lucy, são responsáveis pela co ou produção de mais de 70 curtas e longa-metragens, entre os quais Terra em Transe, de Glauber Rocha. São pais dos diretores Bruno Barreto e Fábio Barreto, além de Paula Barreto, formada em comunicação social e marqueteira da LC Barreto.
O Padre e a Moça, A hora e a vez de Augusto Matraga, Bye Bye Brasil, Garrincha, Alegria do Povo, Memórias do Cárcere, O Padre e a Moça, O Quatrilho, O Que É Isso, Companheiro? e Vidas Secas são produções da família. Diretores como Glauber Rocha, Cacá Diegues, Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade, Walter Lima Júnior e outros importantes cineastas, assim como fazem parte da história do cinema brasileiro, fazem parte, também, da história do Barretão e sua família.
Certa manhã dos anos 1960, entupido de trabalho na Standard Propaganda, fui convocado para uma reunião de chefes de contas e, em meio a discussões nada objetivas, mais frescuras como comportamento, ética e outras coisas, eu, que já ganhara o apelido de fanático da objetividade, explodi: chega de frescuras - a ética é o faturamento.
Essa definição chegou aos ouvidos do Cícero, dono da Standard e, dias depois, indo à Bloch Editora para uma conversa com o amigo e jornalista Léo Schlafman, li, em letras garrafais, pintada numa parede de mais de 20 metros, a frase que sintetizava a carreira profissional do Cícero e que ele ou para o Adolfo Bloch, outro guerreiro da Comunicação.
Cheguei onde queria: ninguém chega onde chegou o Barretão sem um olfato apurado para descobrir, no seu mercado, onde está o dinheiro. No caso do "Lula?" ele começou pela regra primeira do marketing, produzir, dentro dos limites da qualidade, pelo menor custo possível. O generoso patrocínio de grandes empresas já garantiu esse fundamento, mas a grande descoberta foi a de colocar no telão Lula, um fenômeno de ascensão num país de fortes raízes capitalistas. Um ex-operário que tenta ar como virtude a sua falta de instrução, como se a preguiça também o fosse. Lula, esse fenômeno da contradição, comunica e, por isso, acho que o filme vai coroar o objetivo do empresário e patriarca Barretão: lucro. Para o marketing, a LC Produções identificou a oportunidade e pagou para ver.
Querer discutir esse filme dentro de preceitos éticos ou de alcance eleitoral é frescura. Assim como discutir - fora do universo de fragâncias - se um cheiro é ético ou se elege quem o usa.
Se é negócio, tem que dar grana, pois essa é a ética dos negócios. Se o filme der lucro, Barretão, acertou. Se não, vai ter que partir para outra?
Inté.