Von, o previdente

Como Von foi parar no Diário de Notícias, não sendo jornalista nem tendo alma pra tanto, são coisas do jornalismo antigo. Conhecia idiomas, empregou-se …

Como Von foi parar no Diário de Notícias, não sendo jornalista nem tendo alma pra tanto, são coisas do jornalismo antigo. Conhecia idiomas, empregou-se primeiro na aHora (assim mesmo, com esse "a" minúsculo antes do H maiúsculo), como tradutor de telegramas, nos tempos pré-históricos, ainda antes do teletipo, quando as agências de notícias transmitiam seus "despachos" em Código Morse.


Contratava-se um telegrafista, geralmente dos Correios e Telégrafos, ou da Telefônica, ou da Viação Férrea, para captá-los, letra por letra, palavra por palavra, em inglês ou espanhol. O rascunho era ado aos tradutores - Von entre eles - para serem vertidos ao português.


Veio o teletipo, as transmissões aram ao português, os tradutores antigos acabaram transformados em redatores da Editoria Internacional. Foi lá que o Von praticou suas melhores façanhas. Em determinada semana, de grandes acontecimentos internacionais, o Diário de Notícias foi furado pelo Correio do Povo nas notícias mais quentes.


Todo o santo dia, a mesma ladainha. Olinto Oliveira, editor-chefe, aborrecido com o furo, indagava do Von:


- Não veio esta notícia pra nós? Tens certeza?


- Absoluta - respondia o Von. - Não veio.


Quando chegou o fim de semana, com ele veio o sacrifício de fechar a edição dominical. O mundo inteiro pára sexta-feira ao entardecer. Com equipe reduzida, sem ter a quem mandar fazer matéria, Olinto não encontrava o que pôr nas páginas. Perguntou ao Von, num réstia de esperança:


- Não tens nada para pôr na edição?


- Ahaha! - foi a resposta triunfante. - Eu estava adivinhando que ia faltar matéria no domingo.


Abriu a gaveta e de lá tirou todas as notícias importantes que havia escamoteado durante a semana.


- Sou um homem previdente! - sentenciou triunfante, do alto de sua sabedoria.

Autor

Jayme Copstein é jornalista, com atividade em jornal e rádio desde 1943,com agens pelos principais veículos de Porto Alegre. Trabalhou 22 anos no Grupo RBS como apresentador de programas e comentarista de opinião da Rádio Gaúcha, e atualmente é colunista do jornal O Sul e apresentador do programa 'Paredão', na Rádio Pampa. Detentor de vários prêmios, entre eles, Medalha de Prata (2º lugar) no Festival Internacional do Rádio de Nova York (1995), em 1997 publicou "Notas Curiosas da Espécie Humana" (AGE). Seu livro mais recente é "A Ópera dos vivos", editado em janeiro de 2008.

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