Você sabe com quem está falando, macaco?

Sempre que se imagina que a carcomida indagação "você sabe com quem está falando?" foi riscada do vocabulário nacional, ela insiste em retornar. Ícone …

Sempre que se imagina que a carcomida indagação "você sabe com quem está falando?" foi riscada do vocabulário nacional, ela insiste em retornar. Ícone do brasileiro prepotente e espertalhão, a sentença leva ao paroxismo uma idéia de sociedade de castas que faz todo o sentido num dos países de pior distribuição de renda do mundo. A chegada de um ex-metalúrgico à presidência da República deveria ter convencido os arrogantes empedernidos de que, a despeito das desigualdades, os tempos são outros e tal gesto, misto de piada de mau gosto e atitude anti-social grave, não pode mais ar em branco.


Atitudes como a do comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, são ainda mais emblemáticas porque remetem ao autoritarismo fardado dos Anos de Chumbo de dolorida memória. A notícia foi divulgada em primeira mão por Elio Gaspari. De acordo com o colunista, na quarta-feira de cinzas o general mandou um avião da TAM em preparação para a decolagem retornar ao portão de embarque do aeroporto de Viracopos, em Campinas, para que ele e sua mulher subissem a bordo rumo a Brasília. Coube ao plantonista da torre do aeroporto transmitir ao piloto a ordem-do-dia. Como o vôo estava lotado, um casal de paisanos foi induzido a desembarcar para ceder assento ao autoritário de verde-oliva.



A Comissão de Ética Política da Presidência da República vai investigar o episódio. Só não está claro se a apuração irá além de simplesmente ouvir a versão do general. Deve ser interessante escutar a explicação. No máximo, o general poderá dizer que não determinou nada, que o controlador de vôo quis agradar, o DAC foi atencioso, a TAM fez questão de recebê-lo ou algo do gênero. Ainda que se acredite, não justifica. O militar não estava indo salvar a nação de um perigo iminente - para isso existem os veículos militares - e sim voltando do feriadão, ainda naquele clima de sonolência pós-Carnaval. Como o Brasil não está em guerra com ninguém e já não se caça comunistas - deputados comunistas é que cassam colegas -, não havia qualquer emergência a atender. Tampouco se leva a mulher em casos assim.


No bom sentido?



Tem razão o jogador Jeovânio, do Grêmio, em não aceitar as desculpas de Antônio Carlos, do Juventude, que o ofendeu com gestos e palavras racistas. Bons tempos aqueles em que o pior sentimento que Antônio Carlos nos causava era pânico toda vez que a bola ia em sua direção na zaga da seleção. Na semana ada, ele simulara um pênalti com tamanha desfaçatez que deveria te sido expulso. Não foi. O árbitro não viu e ele abriu caminho para a injusta vitória de seu time contra o Veranópolis. O problema da ética é que basta feri-la uma vez para se perder os limites. E desta vez não só o árbitro viu, mas também a implacável lente da TV, da qual ele nem fez questão de se esconder. "Falei porque estava de cabeça quente". Ah, então está bem, Antônio Carlos. Faltou dizer que chamou Jeovânio de macaco "no bom sentido". Poderia ter encerrado a carreira sem essa..

Autor
 Eliziário Goulart Rocha é jornalista e escritor, autor dos romances Silêncio no Bordel de Tia Chininha, Dona Deusa e seus Arredores Escandalosos e da ficção juvenil Eliakan e a Desordem dos Sete Mundos.

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