Versão da História
Por José Antonio Vieira da Cunha

À Míriam Leitão, a solidariedade.
Aos que insistem em negar que houve tortura, mortes e perseguições nos anos 60 e 70, repúdio.
Sugiro a estes que leiam o texto que o jornalista Luiz Cláudio Cunha publicou no site Observatório da Imprensa. Está tudo ali.
Indignação é um sentimento inato à personalidade do Luiz Cláudio, um dos mais competentes repórteres que trafegaram pela imprensa gaúcha e brasileira, em uma trajetória brilhante e vencedora. Chefe da sucursal da Veja e da Editora Abril no Rio Grande do Sul, nos anos 70 e parte dos 80 (e vice-presidente na primeira diretoria da Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, em 1974), Luiz Cláudio era um atento e inteligente leitor das cenas do cotidiano e especialmente da política, e durante alguns anos dedicou parte de seu talento escrevendo no Coojornal a coluna Perdão, Leitores, que destacava fatos que jornais e revistas, regionais e nacionais, abordavam mal - ou, pior, ignoravam quando eram relevantes.
Este olhar sempre arguto ele não perdeu com o ar dos anos, ao contrário, parece ter afinado e aperfeiçoado a ponto de não deixar ar batido momentos importantes da cena nacional que a imprensa ignora ou maltrata - e boa parte desta produção jornalística pode ser conferida em suas contribuições para o OI.
A mais recente dela não poupa crítica aos dois principais jornais do Rio Grande do Sul pela desatenção, incompetência e mesmo preguiça com que trataram a morte do delegado Pedro Seelig, o mais notório torturador gaúcho durante os anos de chumbo. Em um texto de 14 mil palavras sob o título "Morre um torturador: encoberto pela mídia, isento pela Justiça, condenado pela História", Luiz Cláudio recupera, com riqueza de detalhes, a trajetória do torturador morto agora, em 8 de março.
É uma verdadeira reportagem, e merece a leitura especialmente daqueles que, ainda hoje, negam a tortura e os atos antidemocráticos praticados durante o golpe militar de 64. O autor registra todos os episódios principais que tiveram o envolvimento do delegado-torturador, e toda a indignação está dedicada à forma como a imprensa cabocla tratou a morte desta figura. Começa assim:
"Algum leitor desatento dos burocráticos, ineptos registros dos principais jornais e portais da internet poderia imaginar que era apenas a morte encoberta de um policial irrelevante, que não merecia mesmo a atenção da imprensa. Grave erro. Durante os anos mais turbulentos da ditadura militar de 1964, Seelig resumia na sua figura de delegado mais temido do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) o estágio supremo de violência e bestialidade que a repressão política disseminou pelo Rio Grande do Sul e pelo Brasil. Foi o mais notório e intimidante torturador gaúcho, símbolo maior do terror de Estado que lhe garantiu lugar eterno no panteão dos grandes patifes da repressão brasileira."
Luiz Cláudio disseca como os jornais gaúchos "afundaram na mediocridade e na indolência que leva ao conluio, sinônimo de cumplicidade. A dimensão repressiva e a esteira de sangue que Seelig deixou para trás merecia o rigor jornalístico que o personagem exigem, sob o perigo de se cometer um crime de lesa-memória". Foi o que o Correio do Povo fez, ao referir que Seelig foi "suspeito" do "suposto sequestro", veja só. E Zero Hora "capengou em um jornalismo relaxado e fundamentalmente comparsa", ao fazer um breve registro em obituário que nem a foto do morto apresenta.
Repórter de primeira grandeza, Luiz Cláudio foi o autor da denúncia do sequestro do casal Lilian e Universindo, ação liderada pelo delegado Seelig, e descreveu o episódio histórico com riqueza de detalhes no livro 'Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios - uma reportagem dos tempos da ditadura'. Portanto, sabe muito bem do que está falando.