Vergonha e humilhação

Por José Antonio Vieira da Cunha

Foi humilhante para a sociedade e vergonhosa a repercussão quase nula na grande mídia local do episódio da palestra do ministro Luiz Fux em Bento Gonçalves. Duas empresas se arvoraram em paladinas da verdade e da democracia segundo suas óticas enviesadas e impediram que Fux, o presidente do Supremo Tribunal Federal, fosse à Serra gaúcha falar sobre um assunto tão amplo e genérico quanto a segurança jurídica.

O Sicredi, que decepção, hein?! Uma organização cooperativa, na qual o princípio democrático impera, ou deveria imperar, assegurando igualdade de direitos e deveres a seus associados, liderou o movimento de pressão para que os anfitriões desistissem de realizar o evento. Logo o Sicredi, que exalta ter entre seus compromissos o repúdio a toda forma de preconceito, discriminação e assédio, comportou-se desta forma vil e covarde.

Por que seus bacanas levaram o Sicredi a agir assim? O banco cooperativo é de tendência bolsonarista, e não perdoa o Judiciário por ter anulado os processos que corriam contra o ex-presidente Lula? É de tendência lulista, e não perdoa o Judiciário pelas ações ligadas à lava-jato e uma certa leniência em relação a Bolsonaro, o governante de plantão? Se não é nada disso, colocou na lata de lixo seus apregoados compromissos com a liberdade e a democracia, não é verdade?

E o Sicredi ampliou seu papelão ao divulgar as razões que o levaram a pressionar os promotores do convite ao ministro do STF. Tomou a decisão de desvincular seu nome do evento porque "as pessoas não conseguem diferenciar o que é interesse político-partidário e o que é interesse democrático". Então, pois, se é assim, o Sicredi adonou-se da verdade e decidiu que as pessoas não sabem pensar nem tomar decisões.

Não há argumento razoável que justifique esta vilania. E aquela empresa de limpeza, a tal Saif, ilustre desconhecida que agora recebe menção até neste nobre portal de comunicação? Seu principal dirigente mostrou-se tão pusilânime e também covarde que, depois de postar mensagens afirmando feito um valentão que havia exigido explicações dos promotores sobre o convite ao ministro, acadelou-se e retirou a publicação.

A atitude talvez não surpreenda quando se tenta identificar que empresa é esta. Pois bem: sua própria missão embute nas intenções uma boa explicação para este tipo de atuação empresarial. Embora produza essencialmente produtos químicos ligados à limpeza doméstica, sua "missão" desconhece princípios hoje elementares como o da sustentabilidade. E nem cita o meio ambiente como uma de suas preocupações. Preocupação que não tem, pelo jeito de pensar e agir.

No rescaldo deste episódio, que ficará como mais uma página constrangedora de nossa história, a indignação cresce quando se analisa a aparente apatia como a sociedade e seus representantes políticos reagiram ao episódio. Com raras exceções, como a da OAB regional que se ofereceu para viabilizar o evento, praticamente não houve clamor nenhum pela ingerência indevida e execrável exercida pelos dois anunciantes. Que, de minha parte, arão longe de qualquer intenção de relacionamento ou consumo de seus produtos. 

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Mulheres sempre foram uma grande paixão do David Coimbra, sabemos todos que o liam semanalmente na ZH. Suas histórias de amor iniciaram aos seis anos, segundo contou no perfil dele publicado por este Coletiva.net há quase 20 anos. Fazia frases memoráveis, como esta: "Por que não me emocionaria ao olhar para uma linda mulher e deparar com seus olhos d'água, suas pernas de louça, seus cabelos reluzentes?". Uma frase que fica ainda mais rica com a que a segue: "Sobretudo se houver ali, além da dádiva da Natureza, como são as Cataratas do Iguaçu, a obra da Civilização, como são o Moisés e o Duomo". Sua reflexão derradeira é, ironia suprema, uma ode à vida: "O futuro não é coisa para se pensar. O que existe é o presente e, se o presente pode ser sorvido integralmente, a vida a a ser boa. E ela é. A vida é boa". Por estas e todas as outras lindas reflexões, David deixou sua talentosa marca neste mundo.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas agens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem cinco netos. E-mail para contato: [email protected]

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