Vasto Borges
Por José Antônio Moraes de Oliveira


"Somos nossa memória,
esse museu quimérico de formas inconstantes,
uma pilha de espelhos quebrados".
Jorge Luis Borges.
Em entrevista a um jornalista de Milão, o escritor Umberto Eco disse que, quando escreveu 'O Nome da Rosa', precisava criar um personagem que tivesse a guarda de segredos misteriosos. Foi assim que nasceu Jorge de Burgos, um dos mais fascinantes e misteriosos personagens da ficção moderna. Ele é o bibliotecário de uma remota abadia nos alpes italianos. Cego, é um obstinado guardião de antigos manuscritos.
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Anos mais tarde, Umberto Eco confirmaria que Jorge de Burgos foi inspirado em um de seus autores favoritos, o argentino Jorge Luis Borges, que usa bibliotecas como ambiente em seus contos e aponta o livro como fonte de revelação. Ainda existem outras fortes semelhanças entre o monge de 'O Nome da Rosa' e o autor de 'Aleph'. Além de nomes similares, ambos são cegos e bibliotecários. E anti-racionalistas.
Para os leitores mais atentos de Jorge Luis Borges, a coincidência faz sentido - a biblioteca do mosteiro no alto do penhasco lembra os enigmas do escritor argentino. Na busca do manuscrito de Aristóteles, Guilherme de Baskerville refaz a narrativa de Borges, ao procurar uma obra rara em uma imensa biblioteca. E, como nos labirintos borgeanos, a obra remete a um outro manuscrito perdido há muito tempo. Que, por sua vez, cita uma terceira obra, onde falta precisamente a página citada. E assim segue a busca.
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Ao ser perguntado porque fez de Jorge de Burgos um monge tão obstinado, Eco replicou:
"Não sei ao certo, mas um guardião de segredos precisa ser cego e místico como Borges, que diz que dívidas precisam ser pagas e que a busca deve continuar".
Em 'O Nome da Rosa', Umberto Eco percorre labirintos de Borges, ao invocar espelhos partidos, reflexos e manuscritos antigos. O que faz impossível para seu leitor não retornar a Borges - e vice-versa.
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