Uma espécie em extinção

Estranhos caminhos pavimentados pelo destino que nos oferecem, sem a sinalização necessária, trajetos com asfalto ou de terra batida. Tudo é uma questão de …

Estranhos caminhos pavimentados pelo destino que nos oferecem, sem a sinalização necessária, trajetos com asfalto ou de terra batida. Tudo é uma questão de escolha e de assumir o custo/benefício das nossas opções. E pagar para ver o que vai dar. No campo profissional, nas relações afetivas, nas posições políticas e nas decisões sobre o futuro. Ninguém manda que você simpatize, apóie ou faça militância para determinado partido. Nem que você siga o que manda o seu coração (e ele costuma ser muito emocional, cuidado!) e entregue os melhores dias de sua vida a uma opção equivocada. E ninguém lhe atira do alto dentro de uma faculdade para você desenvolver a sua vocação.


Mas as bifurcações estão sempre expostas e com cenários bem atrativos para que você desvie do seu projeto inicial. Alguns, mais corajosos, cedem às tentações e exploram novos horizontes. Outros, mais medrosos (será?), resolvem continuar naquela mesmice geralmente representada pelos caminhos sem pontos turísticos. E, assim, a vida é construída e destruída. O que importa é saber que sempre você pode dar uma parada e fazer um check up dos ferimentos nos pés pela terra batida ou da maciez e pele aveludada de quem caminhou pelo asfalto. É o tal do livre arbítrio.


Pois, há uns seis anos percebi que poderia cruzar a rua, fazer uma viagem mais longa, não ter tanto peso na mala, tornar mais públicas as minhas opções. Ou em outras palavras: permitir-me, me explorar, me expor, me arriscar. E, embaixo de todos os meus atos com meu próprio nome. Sem temer qualquer represália ou até enfrentá-las. E o que ganhei com isso? Simplesmente uma nova vida. Ela se mostra todo o dia, quando abro as janelas do apartamento e do meu coração e um ar puro e perfumado se instala. Ela ocupa meu corpo todo o dia alternando fantasias de pura felicidade e saudade.


Assim como a inveja, a saudade também pode ser do bem, tipo macumba branca. As saudades que carrego nesta nova vida são lembranças de sorrisos, afagos, mimos e aconchegos de pessoas que me deixaram. Pela morte prematura, como o meu irmão Dedé/Dédi/Luli, que até hoje me faz tão bem e me aconselha e me acompanha de onde estiver. Ou amigas e amigos que, talvez sem preparo para enxergar a nova pessoa, colecionam argumentos para justificar a total ausência, inexplicável no meu cotidiano. E neste caso, não é recíproca a teoria de que se colhe aquilo que plantou.


Tudo isso para dizer para você, meu leitor (te mete que recebi elogio até da Suíça, tá?), que sempre vale a pena arriscar, trocar a roupa de lugar, enxotar o pó, limpar os armários e remexer nos baús. Pode ser que você encontre escondido, bem no fundo, a desculpa que faltava para "levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima". Para dividir com você, leitor, que troquei de roupa e agora, além de mulher, mãe, feminina, jornalista, amiga, irmã, namorida, vó de cachorro e colunista aqui do site, tirei da memória minha fantasia de poeta. E redescobri que brincar com as palavras e procurar seus pares é um exercício de vida.


Sempre comigo, na "mor" moral, a companhia mais perfeita que alguém poderia ter na vida, a minha filha Gabriela Martins Trezzi, que reconheceu, bem mais cedo que todos, a nova Márcia que brotava. E os amigos, ah, os bons amigos (sabem que os classifico, né?) acompanham algumas caminhadas, sejam afetivas, profissionais, poéticas ou políticas. Sempre que podem. Sem desculpas esfarrapadas. Sem medo de ser feliz ou mostrar adesão.


E só porque ainda tenho o assessoramento do meu anjo da guarda, o Dedé/Dédi/Luli; os carinhos imensos da Gabriela; a mão solidária das poetas da comunidade no Orkut "Poemas À Flor da Pele"; os abraços estendidos quando vou visitar o Correio do Povo e amigos que estão sempre comigo, de novo, na saúde e na doença, é que dedico hoje a coluna a eles. Esta espécie rara quase em extinção: os amigos verdadeiros. Pelo Dia do Amigo, 20 de julho, para os mortais. Para o meu círculo seleto de amigos, todos os dias.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve agens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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