Um jornalista por inteiro
Houve um jornal no Brasil que já itiu, em manchete, que havia errado. Que publicou notícia acerca de uma investigação feita pela Receita Federal …
Houve um jornal no Brasil que já itiu, em manchete, que havia errado. Que publicou notícia acerca de uma investigação feita pela Receita Federal em função de possível envolvimento de seu vice-presidente com contrabando.E que, em outra ocasião, noticiou que a empresa dona do jornal fora multada por, visando à expansão de seu estacionamento, ter invadido o espaço público.
Se você fosse jornalista gostaria de trabalhar em um jornal assim? E se fosse leitor, gostaria de assiná-lo?
Este jornal existiu entre fevereiro de 1994 e outubro de 2002. Foi o Correio Braziliense.
Esta rica experiência é mais uma das muitas relatadas pelo jornalista Ricardo Noblat em seu ótimo "O que é ser jornalista".
Noblat relata, através de um texto de alta qualidade, sua experiência profissional. Teve papel de destaque em redações importantes como as do Jornal do Brasil, O Globo, Manchete e Veja.
O livro, de fácil leitura, aborda aspectos desde a infância e do início da formação intelectual do autor até os tempos atuais. Como foi publicado em 2004, não contém o fenômeno da banalização de escândalos que assolou o Brasil, e sobre o qual Noblat, através de seu blog, tem feito importantes e exclusivas revelações.
Em certos momentos, o autor apresenta as mazelas do bom desempenho da profissão, relata a violência moral e física que sofreu sua família pelo incômodo causado por ele a poderosos de plantão, por exemplo; em outros, o humor impera, como na impagável história da ausência de orelha no noivo da tia, ou nos acordos da tia Zezinha para salvar a vida do Papa João XXIII.
Noblat ensina a escrever, seja através de dicas ilustradas, seja através da própria leitura de seu texto, marcado pela objetividade e concisão.
Acima de tudo, o caráter autobiográfico do texto é uma discussão sobre a função do jornalista, seu papel na formação da opinião pública, suas relações com as fontes, com o poder e suas decorrências, como, por exemplo, a incapacidade de lidar com a crítica. Você sabia que houve prática de censura à imprensa no Brasil neste milênio?
Noblat, entretanto, fica devendo a seus leitores um maior aprofundamento acerca das relações da mídia brasileira com o Poder Judiciário, tema abordado de forma sutil no livro. Quem sabe não será tema de uma futura obra?
Finalmente, fica a recomendação, se você é ou quer ser jornalista não deixe de ler. Vale o mesmo, se você quiser melhor compreender as relações entre o poder e a mídia nas últimas quatro décadas no Brasil.
"O que é ser jornalista" é a hipótese do newsmaking na prática. Uma fábrica de notícias em operação.
NOBLAT, Ricardo. "O que é ser jornalista". Rio de Janeiro. Ed. Record, 2004.