Um contador de estórias

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Quando começo uma estória,

nunca sei como vai terminar."

Georges Simenon.

***

O escritor André Gide dizia que ele era o mais genuíno romancista da literatura sa. Georges Simenon publicou cerca de 450 romances e contos. Vendeu mais de 600 milhões de exemplares em 44 países e o cinema lhe dedicou 50 filmes e a tevê, 123 episódios de séries. Uma verdadeira máquina de escrever, que produzia cerca de 80 páginas por dia. Mesmo assim, em um antológico diálogo com o cineasta Federico Fellini, se disse ser um mero contador de estórias chamado Georges Sim.

***

Mesmo produzindo escritos em quantidades absurdas, Georges Joseph Chistian Simenon se revelou um mestre na descrição de cenários e de ambientes. Seus personagens adquirem vida própria, replicando os tipos humanos que ele observava em suas andanças por Paris e interior da França. Nasceu em um 13 de fevereiro, sexta-feira, mas a data não aparece na biografia, pois uma madrinha supersticiosa a alterou para o dia 12. Por isso ou por acaso, o número 13 raramente pode ser encontrado em suas novelas. Era metódico ao limite, preenchendo cadernos e mais cadernos com rabiscos e ideias, como um de seus ídolos, Federico Fellini. E como o diretor italiano, era um observador arguto e implacável de pessoas, suas manias e costumes. Sabe-se que caminhava pelos becos e vielas de Paris e quando motivado, trancava-se em seu escritório e datilografava por horas a fio, produzindo sem descanso. Nesses momentos, nada ou ninguém o importunava. Conta-se que uma vez recebeu um telefonema do diretor Alfred Hitchcock. Ao ser informado pela secretária que ele não poderia ser perturbado pois estava começando um novo livro, Hitchcock respondeu: 

"- Tudo bem, eu espero."

***

Em 1929, escreveu 'Pietr, o Letão', o primeiro romance com o Comissário Jules Maigret. Se iniciava uma série de 74 romances e 28 contos de enorme sucesso, garantindo ao personagem um lugar entre os grandes da literatura policial. Faz fortuna e vive com luxo, mas não esquece sua origem:

"Eu era muito pobre. Em Paris, morava em um sótão

cujo teto era tão baixo, que à noite eu batia com a

cabeça quando me levantava."

Em 1960, Georges Simenon encontra Federico Fellini no Festival de Cannes, que premia 'La Dolce Vita' com a Palma de Ouro. Em um diálogo antológico, os dois trocam confissões e confidências. 

Em meio ao charme e sofisticação da Côte d'Azur, o escritor confessa a Fellini que não dá importância à fama ou sucesso:

"Não aspiro reconhecimento. Meu sonho é morar em uma

pequena cidade, em rua de lojinhas e mercados.

E escrever para sobreviver, vendo a vida ar

debaixo de minha janela."

Um sonho que acaba se tornando uma realidade. Abalado com uma tragédia em família, Simenon se refugia em Lausanne, na Suíça, onde vive seus últimos anos, falecendo em 1989. Dizia que não se considerava um intelectual, nem dava importância à crítica literária. Teve o cuidado de não alterar o perfil de sua criatura maior, que ficou plasmado como um homme ordinaire, que não tem grandes aspirações nem idéias geniais. Jules Maigret sonha com a aposentadoria às margens do Loire e pensa no jantar que o espera em casa. É o cinzento alter ego de Georges Sim, que continua revisitando becos e boulevards de uma Paris que não mais existe.

***

Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem agens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

Comments