TV pra que te quero
Ela e o autor francês esperavam a deixa no estúdio. A apresentadora tinha chiliques. Hipermaquiada, com um sorriso grudado nos lábios, ela dirigia xingamentos …
Ela e o autor francês esperavam a deixa no estúdio. A apresentadora tinha chiliques. Hipermaquiada, com um sorriso grudado nos lábios, ela dirigia xingamentos aos três jovens produtores que corriam em sua volta, com planilhas nas mãos, atrapalhados: tirem aquele vaso dali, é ridículo! Onde está a ficha do entrevistado? Eu já não disse que quero tudo explicado na pauta? Flores artificiais eram colocadas e retiradas das mesinhas. Esculturas de gesso e panos dependurados por argolas douradas completavam o cenário. De gritos a sorrisos imediatos, como que desligada por um botão, ao acender da luz vermelha, a diva loura inicia um monólogo com a telespectadora em tom de voz infantil e manda beijos para seu querido cabeleireiro, adiantando que dali a pouco chamará a reportagem de inauguração de um novo terreiro do Pai-exú, onde esteve em festa "bárbara" no sábado ado. Não Percam! Fu Lana põe a cabeça entre as mãos: o que estamos fazendo aqui? Divulgar um livro de ensaios sobre poesia brasileira, falar sobre hermetismo e oriente naquele lugar? Precisava ter uma conversinha discreta com a assessora de imprensa. Enquanto a musa cacheada descalça (ela tirava os sapatos para gravar em pé) dizia bobagens, os câmeras comentavam piadinhas uns aos outros pelos fones de controle e asfixiavam gargalhadas. A Barbie chamava a atenção especial de suas amigas telespectadoras para os problemas de secura vaginal, dores no corpo durante a menopausa e para o melhor desempenho sexual: pílulas de linhaça são a solução, não é, minhas amigas? O professor arregalava os olhos e procurava solidariedade nos olhos de Fu Lana que se esforçava para esconder um riso nervoso. Em um sofá amarelo, uma "profissional" era convidada a falar sobre etiqueta. Falava sobre reuniões sociais e proibia qualquer uma de deixar bolsinhas sobre as mesas em jantares sociais. O quê!? Revoltava-se nossa boneca-apresentadora: mas era um absurdo, onde ela colocaria a bolsinha? Uma questão filosófica. Fu Lana faz menção de desistir. Chamou uma das produtoras. Isso vai demorar muito? A resposta foi um chiste: em televisão é assim, tudo programado. É preciso ter paciência. Mais uma meia-hora no mínimo. Um tempo interminável. Depois da "matéria" do Pai-exú, mais uns conselhos sobre perucas, uma demonstração de espartilhos para levantar o bum-bum e os seios, finalmente, chegava a hora do professor. "Temos aqui um grande escritor francês. Que chique!", comentava no ar, a loira. O que não se faz por qualquer espaço de divulgação? Depois de dar o serviço, errar no horário e embaralhar o endereço, a querida liberava os dois, tão ansiosos que, ao saírem, quase atropelaram dois homens travestidos de senhoras, que fariam um quadro de provável mau-humor. O lançamento do livro aconteceu (apesar de tudo) abaixo de chuva e de frio e contou com 30 pessoas. Relativo sucesso, porém nenhuma dona-de-casa. E dizem que com a tevê digital, as empresas multiplicarão por cinco a capacidade de distribuição de seus programas. Nesse nível, provavelmente, a pauta terá de abranger sexo com animais e outros temas inenarráveis. Vá de retro, televisão. E quando a gente conta, ninguém acredita.